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terça-feira, 30 de janeiro de 2018

Tolstói e as recessões

De 1980 para cá, período para o qual dispomos de dados razoavelmente consistentes para o PIB trimestral, o Brasil passou por oito recessões, segundo o belo trabalho de datação dos ciclos econômicos realizado pelo CODACE. Em 49 destes 151 trimestres estivemos em recessão, instabilidade que, se não é causa última do nosso fraco desempenho do ponto de vista de crescimento, certamente ajuda a entender fenômenos como a cautela empresarial no que diz respeito a decisões de investimento.

Parafraseando Tolstói, porém, a cada recessão somos infelizes de uma maneira. Das oito mapeadas pelo CODACE, cinco foram ou breves, ou pouco profundas, quando não breves e pouco profundas. Apenas três delas, portanto, tiveram a honra de serem, simultaneamente, longas e profundas: a associada à crise da dívida externa no início dos anos 80; a que conjugou o desastroso fim do governo Sarney à não menos desastrosa política econômica do governo Collor; e, finalmente, a herança da Nova Matriz do governo Dilma, da qual emergimos apenas no começo do ano passado.

Nesses três casos a queda do PIB ficou ao redor de 8,5%, e sua duração variou de 9 a 11 trimestres. Já no que tange as recessões menos graves, a queda do PIB variou de 1% a 6% (a recessão de 2008-09, mas que durou apenas dois trimestres), média de 3%, com duração entre dois e seis trimestres (em média pouco menos de um ano).

Não chega a ser surpreendente, portanto, a diferença entre os dois tipos de recessão no que se refere à recuperação da economia.

Definindo, de maneira um tanto arbitrária, a recuperação como o retorno aos níveis de produto observados imediatamente antes da recessão, observa-se que, no caso das recessões moderadas, o prazo fica entre 2 e 3 trimestres após o fim da recessão, ou seja, uma recuperação bastante rápida.

Contudo, nos dois exemplos de recessões longas e profundas, a retomada dos níveis de produção anteriores à crise demorou 7 e 10 trimestres. Em que pese o tamanho limitado da amostra, nossa experiência com as grandes recessões aponta para uma recuperação bem mais demorada, em parte pela própria distância maior em relação ao pico anterior, mas também por conta de uma velocidade de escape que parece ser bem menor do que no caso das recessões moderadas (com somente duas observações a média deve ser tratada com muita cautela).

O motivo por trás da lentidão aparente requer um tanto mais de estudo (a começar por dados mais detalhados de contas nacionais), embora haja candidatos óbvios ao papel de vilão da história (enorme capacidade ociosa, elevado endividamento de famílias e empresas, e crises políticas, entre outros).

Isto dito, porém, à luz da história dos últimos 38 anos, não parece razoável imaginar uma saída rápida da recessão de 2014-2016. Pelo contrário, os dados disponíveis até agora apontam para um padrão de recuperação muito semelhante ao das grandes recessões de 1981-83 e 1989-92, isto é, o retorno ao pico anterior à crise provavelmente apenas em 2019.


Neste sentido, apenas a famigerada desonestidade daqueles mesmos que juravam que a recessão não seria superada pode explicar a nova trincheira, que agora reclama da velocidade da recuperação, ignorando tanto a história como os estragos causados por sua própria política desastrosa.


Hmpf, tá, voltou a crescer, mas a recuperação é muito lenta...

17 comentários:

Interessante (e se você me permitir uma “apropriação indébita” do tema que, aqui, trata com tanta propriedade) é que esses períodos sombrios de crise econômica da história do país sempre acarretaram desdobramentos políticos insólitos. Remontando um pouco mais longe, o colapso do governo JK presentou-nos com o Jânio (a “vassourinha” anti-corrupção), que nos brindou com seu vice e as famosas “filas do feijão”, que nos deu os militares (a vassourinha converteu-se em baionetas, de novo anti-corrupção e anti-comunista}, militares que, chegando a um melancólico final de descrédito, nos ofertaram o sonho da Nova República, com a dupla Tancredo e seu vice, que alcançando colapso portentoso, nos deu o novo deslumbramento do caçador de marajás, que, indo pro espaço, nos abrilhantou a esperança com o príncipe dos sociólogos, que com aquele final melancólico, apagão geral, nos insuflou novo ídolo, agora, após longo interregno, decaído, que nos trará um novo-novo, ainda apenas esboçado, mas certo é que virá vestido de púrpuras. Agora, o que não entendo é se essas tragédias econômicas produzem as tragédias políticas ou vice-versa. Ouso perguntar-lhe: repetem-se soluções ineficazes porque o magno problema é insolúvel ou todo esse ciclo histórico é que garante a mesma felicidade para as famílias felizes e garante o macabro e sinistro leque de infelicidades para as famílias infelizes?

anônimo do meio dia

Excelente!!!

eu sei que a pergunta ousada é dessas perguntas retóricas do qual todos sabemos a resposta.

A opção 2 é a mais completa, porque ela incorpora a opção 1, sim é insolúvel, porque é melhor assim, os vencedores ficam mais felizes e os vencidos também ficam mais felizes porque apesar de +pobres, a "solução" enriquece o ego destes em ganhar tetas do populista de plantão e assim espertamente "se dar bem"!!!

dizem que a crise é moral
eu acho que é uma crise cognitiva
Isso aqui sempre será assim, porque vc pode doa rtudo a um pobre, roupas, remédios, comida, até educacação vc pode dar, mas capacidade cognitiva!!! só quando invetarem o transplante de cérebro.

"embora haja candidatos óbvios ao papel de vilão da história (enorme capacidade ociosa, elevado endividamento de famílias e empresas, e crises políticas, entre outros)"

E tbm os problemas estruturais, como por exemplo o baixo grau de complexibilidade econômica, baixa produtividade da mão de obra e a Rigidez das contas públicas!

Alex,

Me tira uma dúvida, por favor.

Quando estimo por OLS uma regressão de série temporal, p.ex. uma curva IS, porém utilizo regressores defasados (pré-determinação), sabendo que existe uma relação de contemporaneidade entre as variáveis explicativas e dependente, consigo, com isto, eliminar o problema de endogeneidade? Os parâmetros estimados na forma reduzida apresentam viés?

Abs,

Marco Júnior

Marco:

Depois tento responder a primeira parte da sua pergunta. Quanto à segunda, na forma reduzida, se for mesmo a forma reduzida, não há, por definição problema de endogeneidade (todas as variáveis do lado direito da equação são, por definição, exógenas).

Ocorre que suas estimativas não são os parâmetros do modelo, mas uma combinação dos parâmetros de cada equação. Em suma, você não consegue identificar os parâmetros originais.

Abs

Isto significa que a geração que hoje tem 50 anos construiu toda a sua vida profissional entre recessões. Explica também muitas das nossas mazelas sociais. Estes dados me impressionaram realmente e trouxeram um profundo desalento.
Eu não fiz as contas mas me parece que nossa realidade é de baixo crescimento, intercalado por recessões, sendo os períodos de crescimento exceções.

Marcos:

Penso na seguinte forma estrutural já que você disse saber que há simultaneidade no seu problema:

xt = a*yt + b*xt-1 + ut (1)
yt = c*xt + d*yt-1 + vt (2)

Como há simultaneidade, você não pode estimar (1) ou (2) diretamente por MQO. A simultaneidade viola um dos pressupostos do estimador de MQO, qual seja, de que não deve haver correlação contemporânea entre os resíduos e regressores da equação estimada. O problema da endogeneidade se faz presente, portanto, justamente por causa da simultaneidade.

Pense, por exemplo, num aumento de vt. Isso aumenta contemporanemanete yt (por 2) e y(t) aumenta contemporaneamente xt (por 1). Ou seja, você não pode estimar (2) por MQO. O mesmo vale no caso de um aumento de ut, o que impede você de estimar (1) diretamente por MQO. Caso insista em usar MQO, saiba que seus regressores serão viesados, inconsistentes e ineficientes. Em bom português, seus resultados não são confiáveis.

Agora, se você substituir (1) em (2) ou vice versa, aí você poderá estimar por MQO a equação que surge (que se chama forma reduzida). Nesse caso, não haverá endogeneidade (pergunta que você fez ao Alex). O problema, no entanto, é que os parâmetros que você estima não são realmente os parâmetros estruturais que você gostaria de estimar (resposta que o Alex te deu).

Por fim, se teu parâmetro estimado na forma reduzida tem ou não problema de viés, isso depende. Certamente não terá por causa da endogeneidade que você se livrou, mas pode ter a ver com causas distintas. Por exemplo, caso você não esteja considerando o verdadeiro modelo estrutural. Ao invés de (1) e (2), na verdade, as equações corretas seriam outras, vamos supor com um regressor a mais em cada uma das equações. Nesse caso, sua estratégia implementadas através de (1) e (2) poderá ter viés de variável omitida.

Se falei besteira, me corrige, Alex. Espero ter ajudado,

Abs, Ricardo

Para o Anônimo das 13:43. Isso é verdade. Faço 50 anos este ano e falo para meus filhos que o Brasil me permitiu apenas uns 15 anos de relativa estabilidade e possibilidade de crescimento. Não sou empreendedor e há anos trabalho sem carteira assinada (melhor assim do que ficar desempregado). Ou seja, não contribuo há anos para a Previdência. Todo o dinheiro recebido pela família é usado para pagar contas e custos do dia a dia, ou seja, nossa poupança é praticamente inexistente. Imagino que muitos brasileiros passem pela mesma situação.
É desanimador!
João Luís

"Se falei besteira, me corrige, Alex. Espero ter ajudado,"

Valeu, Ricardo. Estava sem tempo e sua explicação foi bem completa.

Abs

Oi Alex! tudo bem?

Tenho duas perguntas sobre contas públicas.

1) Na sua opinião, porque o gasto do governo ficou 30 bi abaixo do previsto na avaliação extemporânea de dez/17?
Muito pouco tempo pra muito "erro", não? Sobretudo nas obrigatórias...

2) Por que mesmo como déficit primário (e nominal) em dezembro, a dívida bruta caiu entre nov/17 e dez/17? (não foi efeito denominador).
Notei que as compromissadas caíram bastante (e ao mesmo tempo o passivo do BC tbm aumentou!)

Existe algum motivo para explicar o fato de que a base monetária (quase) sempre sobe em dezembro?

Obrigado e abraços
Guilherme

"Quando estimo por OLS uma regressão de série temporal, p.ex. uma curva IS, porém utilizo regressores defasados (pré-determinação), sabendo que existe uma relação de contemporaneidade entre as variáveis explicativas e dependente, consigo, com isto, eliminar o problema de endogeneidade?"

Acho que agora consegui entender a pergunta.

Digamos que a relação que você quer estimar é:

y(t) = a + bx(t-1) + e(t)

Mas há outra equação que liga x(t) a y(t)

x(t) = c + dy(t) + v(t)

No caso, não parece haver endogeneidade, porque, embora x(t) seja afetado por y(t), x(t-1), em geral, não o é. Note que é um caso diferente do apontado pelo Ricardo, onde há também variáveis contemporâneas na primeira equação.

Se houver, porém, correlação serial dos erros, o problema de viés volta. Um choque em y(t-1), no caso e(t-1), afeta simultaneamente x(t-1) e o erro contemporâneo e(t). Neste caso x(t-1) é correlacionado com o erro e(t) e sua estimação, mesmo com variáveis defasadas (predeterminadas_ será viesada e inconsistente.

Abs

Verdade, Alex. Isso mesmo.

Abs
Ricardo Barboza

O senhor tem algo a dizer sobre o Paulo Rabello? Ele sempre foi um economista independente,nunca teve ligação forte com o governo.

Alex, Conhece o Victor Whiller? O que acha dele? Bjo, Carla

Tive um breve contato pessoal com ele há uns anos em Vitória, num evento. Acompanho de longe o ótimo trabalho que ele faz na área de macroeconometria.

Indicaram o texto para mim, achei bem coerente, só acho que chamar opositores de desonestos (especialmente Laura Carvalho) é um exagero que tira mérito do argumento. Vejamos o que acontecerá. Continuarei acompanhando o blog. Parabéns.

"só acho que chamar opositores de desonestos (especialmente Laura Carvalho) é um exagero que tira mérito do argumento"

Exagero nenhum; só uma verdade dolorida...