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terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Mundo velho sem porteira


Já não tinha qualquer dúvida acerca do completo divórcio entre a classe política e a realidade das contas públicas no país, mas, se tivesse, bastaria a alteração da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) perpetrada recentemente pela Câmara para ter certeza absoluta a este respeito.

A LRF estabeleceu que estados e municípios não podem gastar mais do 60% de sua receita corrente líquida com pessoal, condição infringida mais vezes do que seria saudável, levando ao uso de critérios nebulosos de contabilidade para disfarçar a real extensão do problema. Já a mudança da LRF permite a municípios a violação deste limite, caso sua receita tenha caído mais do que 10% por força da redução das transferências federais (devido a isenções tributárias concedidas pela União), ou queda nos royalties.

À primeira vista parece uma mudança bastante razoável. Afinal de contas, o governante não poderia ser punido por fatores fora de seu controle como os acima descritos. Um olhar mais aprofundado, porém, revela consequências potencialmente destrutivas da decisão.

A começar porque, como sabe qualquer família, não é prudente fixar suas despesas em níveis elevados quando suas receitas podem variar. As receitas relativas a royalties flutuam, por exemplo, com os preços de commodities, como ilustrado pela crise do Rio de Janeiro. Caso as despesas, com pessoal inclusive, sejam definidas com bases em receitas originadas em um momento favorável do ciclo econômico, torna-se bastante provável seu “estouro” quando vier a reversão cíclica.

Neste sentido, a Câmara deu permissão a este tipo de comportamento, ao sinalizar que administradores não sofrerão sanções por conta de um evento que, num período razoavelmente longo, é praticamente uma certeza.

Afora isto, revela-se o que já sabíamos: boa parte, senão a maioria dos municípios do país, é financeiramente inviável sem as transferências federais, o que deveria nos levar a questionar sua existência autônoma, não o perdão ao comportamento irresponsável.

Abre-se, por fim, um precedente perigoso. Nada impede, mais à frente, que novas alterações ampliem o leque de alternativas para aumento de gastos, em particular relativos a pessoal.

Tudo isto ocorre num contexto em que, sob a LRF, municípios vêm gastando como nunca. As despesas municipais, medidas a preços constantes, atingiram R$ 606 bilhões (8,9% do PIB) nos 12 meses terminados em junho de 2018 contra R$ 490 bilhões (7,6% do PIB) em 2010. No mesmo período, as despesas com pessoal saltaram de R$ 223 bilhões (3,5% do PIB) para R$ 298 bilhões (4,4% do PIB), ou seja, de 46% para 49% da despesa corrente.

A contrapartida foi a queda da participação da provisão de serviços à população (de 35% para 30% da despesa). É bastante claro que o aumento do gasto beneficiou mais aos servidores municipais do que os munícipes, replicando um padrão infelizmente comum no setor público brasileiro.

Este episódio apenas reforça a percepção muito clara sobre a apropriação do orçamento público por grupos corporativos, alegremente sustentados por políticos cuja conexão com o interesse da população é mínima.

Num país em que estados importantes se encontram à beira da falência e mesmo o governo federal enfrenta sérias dificuldades, a última coisa que precisamos é abrir as porteiras para o gasto desenfreado. No entanto, é exatamente isto com que o Congresso nos brindou.




(Publicado 12/Dez/2018)

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Retórica e realidade


O presidente eleito, Jair Bolsonaro, manifestou sua oposição à proposta de reforma da previdência capitaneada por Michel Temer, afirmando que “não podemos querer salvar o Brasil matando idoso”. Parece não ter percebido nem que a campanha acabou, nem que o tema requer bem mais maturidade na análise.

A começar porque qualquer proposta de reforma não pode alterar direitos adquiridos dos atuais aposentados. Mais importante, porém, é que não há nada no projeto que autorize a visão particularmente cruel expressa acima.

A discussão hoje se concentra (embora não se esgote) em três aspectos. O primeiro é a criação de uma idade mínima de aposentadoria para o INSS, que atingiria 62 anos para mulheres e 65 para homens em 20 anos. O segundo é o estabelecimento de uma regra de transição, especificando que vale para mulheres acima de 53 anos e homens acima de 55. O terceiro é a equiparação do regime para o funcionalismo público às regras do regime para trabalhadores do setor privado.

No que se refere aos dois primeiros, noto que, dos 35 milhões de beneficiários da previdência (5 milhões de assistenciais e 30 milhões de previdenciários), há 6 milhões de aposentados por tempo de contribuição, ou seja, 18% do total. Apesar disto, recebem 30% do valor desembolsado, não só a maior fatia, mas também o maior valor médio, correspondente a R$ 3 mil/mês, tendo se aposentado em média aos 55 anos.

Para fins de comparação, quem se aposenta por idade (65 anos), recebe metade deste valor (a maioria recebe um salário mínimo); já os benefícios assistenciais equivalem a um salário mínimo, R$ 954/mês. Em outras palavras, o que se propõe é que os que ganham mais se aposentem (em 20 anos) na mesma idade dos que ganham menos.

Há, é verdade, um requisito adicional para o recebimento do benefício integral (cujo teto é hoje R$ 5,5 mil/mês): 42 anos de contribuição, ou seja, quem se aposentasse por tempo de contribuição aos 65 anos teria começado a contribuir pelo menos aos 23 anos. Contudo, para a maioria dos que se aposentam por idade, não haveria mudança: fariam jus a um salário mínimo e continuariam a recebê-lo após os 65 anos.

Já a equiparação de regimes eliminaria a inequidade hoje existente entre aqueles que se aposentam com salário integral e meros mortais. Em particular, no caso do funcionalismo federal, a aposentadoria média em 2016 era R$ 7,7 mil/mês, contra R$ 1,4 mil/mês para aposentados pelo INSS, 5,5 vezes maior.

Em suma, muito embora o projeto de reforma ora em discussão não seja perfeito, está longe de corrigir o problema previdenciário pelo assassinato em massa de velhinhos. Ao contrário, reduz desigualdades e preserva os direitos dos mais pobres.

Já deveria ficar claro para o presidente que o sucesso de sua administração está intimamente ligado à capacidade de aprovar, possivelmente ainda em 2019, uma reforma que limite os gastos com aposentadorias e pensões, sem o que o teto constitucional de despesas se tornará insustentável nos próximos anos.

A retórica de campanha, associada à declaração pessimista do deputado Eduardo Bolsonaro sobre a possibilidade de aprovação da reforma no Congresso, gera sérias dúvidas acerca de seu compromisso com o ajuste fiscal.

Não há margem de erro nesta frente: se não aprovarmos a reforma da previdência enfrentaremos uma grave crise fiscal, com repercussões óbvias sobre a estabilidade política do país.



(Publicado 5/Dez/2018)

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Autocrítica ou Fosfosol?


Em sua primeira entrevista após as eleições, o candidato derrotado, Fernando Haddad, analisa não só o pleito deste ano, mas arrisca previsões, bem como explicações para a derrota. Gostei muito de “se eu tivesse no mundo evangélico o mesmo percentual de votos que tive no mundo não evangélico, eu teria ganho a eleição”. É o equivalente de “se todos que não votaram em mim tivessem me escolhido, eu seria presidente”. Mas não é disto que queria falar.

Em determinado momento Fernando é perguntado sobre a necessária autocrítica petista, ao que responde “não tem uma entrevista minha em que não tenha apontado um erro de diagnóstico, uma falha”. Pode ser verdade, porque erros e falhas não faltaram na administração petista, mas, do ponto de vista econômico, nenhum prócer do PT, certamente não o Fernando, renegou o conjunto de políticas que nos levaram à maior recessão dos últimos 25 anos, que dobrou a taxa de desemprego e jogou de volta à pobreza 8,6 milhões de brasileiros entre 2014 e 2016.

Muito pelo contrário, quem teve a oportunidade de ler as propostas do programa petista, coordenado por Marcio Pinochmann, não teve a menor dificuldade de perceber que se tratava essencialmente da mesma Nova Matriz Econômica, posta em prática por Guido Mantega e seus asseclas, incluindo o nefasto Arno Augustin.

A nova Nova Matriz trazia aumento dos gastos públicos, inclusive com eliminação do teto das despesas, intervenção no mercado de câmbio (“temos que ter estabilidade do câmbio em patamar competitivo”), uso dos bancos públicos, recursos do BNDES (agora acrescidos de reservas  internacionais) para financiar obras de infraestrutura, fim do foco exclusivo do BC na inflação (e com sindicalistas participando da definição das metas para a inflação).

A lista poderia ser ampliada sem dificuldade, mas acredito que os leitores já pegaram a essência da proposta: a política econômica seria, no que interessa, a mesma aplicada durante o primeiro governo de Dilma Rousseff, que até mesmo nelson barbooosa, depois de muito refugar, admite ter sido um equívoco, reconhecendo que “o ajuste de 2015 foi necessário para corrigir os erros política econômica de 2012-14”.

Por mais que, ao longo do segundo turno, novas propostas fossem surgindo, nem tão depressa que parecesse covardia, nem tão devagar que soasse como provocação, a triste verdade é que o partido e seus economistas permanecem presos ao keynesianismo de quermesse em sua expressão mais vulgar.

Obviamente não deveria ser, nem é, meu problema.

Por mais que o Fernando considere que foi a “elite econômica” quem botou o PT fora do governo, elegendo Jair Bolsonaro (devemos ser um país muito rico, em que 55% dos votantes faz parte da elite econômica), é fato que a maioria da população rejeitou suas propostas (e aqui me refiro ao conjunto delas, não apenas as econômicas). Quem tem um problema é o PT.

Isso dito, se é para termos uma oposição séria, talvez fosse uma boa ideia modernizar um tanto o modelito de política econômica. Nem é preciso ir tão longe: o próprio PT adotou, ainda que a contragosto (e abandonou assim que teve chance) o hoje amaldiçoado tripé macroeconômico, bem como as políticas sociais focadas, que um dia foram motivo para Maria da Conceição Tavares chamar Marcos Lisboa de “débil mental”, em ambos os casos com grande sucesso.

Não é preciso autocrítica; só melhorar um pouco a memória.



(Publicado 28/Nov/2018)


terça-feira, 27 de novembro de 2018

Irresponsabilidade revelada


O Tesouro Nacional, antes sob o comando de Ana Paula Vescovi, hoje liderado por Mansueto Almeida, tem feito um esforço louvável para detalhar o estado das contas públicas, não só no que se refere ao governo federal, mas expondo também as mazelas dos governos locais. O exemplo mais recente deste trabalho é o Boletim de Finanças dos Entes Subnacionais, publicação que traz dados sobre estados e municípios até 2017.

Os números são preocupantes. A começar pelo aumento do déficit primário dos estados, que pulou de R$ 1,8 bilhão em 2015 e R$ 2,9 bilhões em 2016 (valores irrisórios na comparação com o PIB) para R$ 13,9 bilhões em 2017 (0,2% do PIB). Note-se que esta medida leva em consideração a despesa empenhada naqueles anos, não a efetivamente paga. A diferença reflete principalmente o atraso no pagamento de fornecedores e servidores, mecanismo adotado por vários estados, na prática “empurrando com a barriga” o problema, ao invés de atacá-lo frontalmente.

A piora do desempenho não decorre da receita. Pelo contrário, durante o período destacado esta cresceu relativamente ao PIB, embora não muito. Por outro lado, a despesa do conjunto dos estados cresceu bem à frente do PIB, em parte pela recessão observada até 2016, mas além da modesta expansão da atividade no ano passado. A verdade é que os gastos estaduais vêm aumentando mais do que a inflação, reproduzindo o padrão do gasto federal até 2016.

Dentre esses, a despesa com pessoal, R$ 403 bilhões, merece atenção, representando pouco mais da metade do dispêndio primário registrado no ano passado, R$ 766 bilhões. Segundo o Tesouro, os gastos dos estados com pessoal aumentaram 32% acima da inflação entre 2011 e 2017. Nada menos do que 14 dos 27 estados (incluindo o Distrito Federal) superaram no ano passado o limite (fixado na LRF) de 60% entre despesas de pessoal e receita corrente líquida.

Há muito mais a ser explorado na publicação, mas acredito que os números acima já deixam claro que boa parte dos estados está na lona por conta da péssima administração fiscal a que foram submetidos. Não é por outro motivo que, mais uma vez, se fala em novo resgate por parte do governo federal, apenas dois anos depois da última tentativa.

A questão parecia superada com a reestruturação firmada no final dos anos 90, quando o governo federal assumiu a dívida de alguns estados e capitais, os mais ricos, em troca de programas de ajuste fiscal que foram bastante bem-sucedidos por praticamente uma década. Em particular, esta dívida – apesar da choradeira de governadores e prefeitos – caiu de 13% do PIB para pouco mais de 7% do PIB de 2002 a 2014. Todavia, sob a gestão de Dilma Rousseff, Guido Mantega e Arno Augustin os estados foram liberados das amarras fiscais, o que acabou nos levando à crise atual.

Muito embora a experiência daquela reestruturação não tenha sido perfeita, seu longo período de sucesso nos deixa lições importantes.

Em hipótese alguma o governo federal pode salvar os estados sem exigir contrapartidas muito duras e claras em termos de redução de gastos, privatização e modernização das práticas públicas, sem as quais nenhum recurso pode ser adiantado.

Por óbvio, nenhum estado é obrigado a aceitar quaisquer condições, mas é ainda mais certo que o governo federal não pode empurrar novamente para a população as contas de governos fiscalmente irresponsáveis.


Quer ajuda?


(Publicado 21/Nov/2018)

terça-feira, 20 de novembro de 2018

A “farsa” do desemprego



Errou em todos os exemplos mencionados, refletindo ignorância comum sobre a matéria. Vale a pena entender os conceitos, virtudes e limitações desta estatística para não cometer os mesmos equívocos.

Segundo o IBGE a população brasileira em setembro deste ano era aproximadamente 209 milhões de pessoas. Nem todos, porém, estão aptos a trabalhar. O IBGE define a População em Idade Ativa, PIA, como aqueles com mais de 14 anos, em torno de 170 milhões de pessoas.

Obviamente, apenas parte dos maiores de 14 anos estão no mercado de trabalho. Alguns, por exemplo, estudam (ainda bem!), outros já se aposentaram e há quem decida não tomar parte no mercado por uma série de motivos, alguns dos quais trataremos à frente. Os que participam, seja trabalhando, seja buscando por emprego, são definidos como “força de trabalho”, ou População Economicamente Ativa (PEA), e montavam a 105 milhões de pessoas em setembro.

Desses 92,6 milhões estavam ocupados e 12,5 milhões desempregados. Assim a taxa de desemprego atingiu 11,9% (12,5÷105).

Esta é a definição internacional da taxa de desemprego, adotada por todos os países com boas estatísticas na área. No caso, se a pessoa recebe o Bolsa-Família (sem estar empregada), ou o seguro-desemprego, ela obviamente não conta como empregada. Caso esteja procurando trabalho contará como desempregada (e participante da PEA); caso contrário não aparecerá nesta estatística de desemprego.

Ocorre que a taxa de desemprego descrita acima não esgota o conjunto de estatísticas sobre o mercado de trabalho. O IBGE também discrimina dentre os ocupados aqueles que trabalham menos do que desejam e calcula a taxa de desempregados (12,5 milhões) e subocupados (6,9 milhões) com relação à PEA: 18,4% (19,4÷105).

Há, por outro lado, dentre as pessoas que estão fora da PEA, as que gostariam de trabalhar, mas não estão buscando emprego, a chamada “força de trabalho potencial”, 8 milhões de pessoas.

A estatística mais ampla do IBGE a respeito (a taxa de subutilização da força de trabalho) junta os desempregados, os subocupados e a força de trabalho potencial, um conjunto de pouco mais de 27 milhões de pessoas como proporção da “PEA ampliada”, isto é, os 105 milhões da PEA mais os 8 milhões da força de trabalho potencial (123 milhões), revelando uma taxa de subutilização na casa de 24%.

A coexistência de várias medidas de desemprego não é uma jabuticaba. Nos EUA, por exemplo, o Bureau of Labor Statistics publica a cada mês nada menos do que seis alternativas: a taxa denominada U3, calculada de forma similar à nossa, é a mais disseminada, 3,7% no mês passado; a taxa mais ampla, U6, se encontrava em 7,4%, o dobro da oficial, por incorporar também os que gostariam de trabalhar mais e os participantes da força de trabalho potencial.

Economia, apesar das aparências em contrário, não é para aspirantes. Como regra, antes de falar do assunto, não custa nada dar uma passada no posto Ipiranga.





(Publicado 14/Nov/2018)

terça-feira, 13 de novembro de 2018

Faça a coisa certa


Poucos parecem ter notado, mas os números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD contínua) divulgados semana passada pelo IBGE revelaram que o emprego, ajustado ao padrão sazonal, retornou em setembro aos níveis vigentes antes da crise.

De fato, entre o primeiro trimestre de 2015 e o primeiro de 2017 houve destruição de pouco mais de 3 milhões de postos de trabalho, cerca de 2/3 dos quais no setor industrial. De lá para cá, porém, foram recriados 3 milhões de empregos, cuja configuração é, contudo, muito distinta da que prevalecia quando a recessão atingiu em cheio o mercado de trabalho.

Em grandes linhas, ainda que o emprego industrial tenha crescido, não conseguiu repor as perdas. A expansão foi puxada por segmentos ligados à administração pública e, em menor grau, por várias atividades de serviços. Pela ótica da situação no emprego houve crescimento expressivo dos trabalhadores por conta própria e informais, assim como dos empregados pelo setor público.

Já o trabalho formal, de acordo com os dados da PNAD, ficou para trás, embora outras fontes, em particular o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED), indiquem geração líquida de 375 mil postos nos últimos 12 meses, desmentindo os arautos da tragédia que resultaria da reforma trabalhista aprovada no ano passado.

Com isto, a massa salarial real também retornou aos níveis pré-crise, na casa de R$ 200 bilhões/mês, contra R$ 189 bilhões/mês registrados há dois anos.

Noto por fim que o terceiro trimestre deste ano marcou o melhor desempenho em termos de criação de empregos desde o início da série em 2012, mas não está claro se falamos aqui de uma nova tendência, ou apenas o rebote natural que se seguiu a um período anormalmente fraco, por conta dos problemas ligados ao movimento dos caminhoneiros em maio.

De qualquer forma, os dados mostram uma recuperação em curso no mercado de trabalho, embora ainda aquém do necessário para acompanhar a expansão da população economicamente ativa (PEA). Não é por outro motivo que a taxa de desemprego permanece alta, ainda que tenha se reduzido, lenta, porém consistentemente, nos últimos 18 meses.

Nossas estimativas recentes sugerem que quedas mais pronunciadas da taxa de desemprego só se materializarão com crescimento mais vigoroso, acima de 2,5% ao ano pelo menos. Indicam também, mas com grau muito menor de certeza, que a taxa de desemprego consistente com a inflação estável se encontra na casa de 9,0% a 9,5% (o risco é que seja até menor do que isto), isto é, que haveria um espaço considerável para crescer sem que a redução do desemprego possa pressionar a inflação.

As condições econômicas estão dadas, portanto, para uma retomada cíclica considerável, desde que a nova administração consiga afastar o espectro da crise fiscal que se desenha.

Já as condições políticas para tanto permanecem nebulosas. Do lado do novo governo precisamos saber sua disposição para levar em frente reformas que custarão, por certo, muito de seu capital político. Do lado da sociedade, representada (ainda que imperfeitamente) pelo Congresso, sua disposição aceitar cortes severos nos gastos públicos, em particular os previdenciários.

Acredito que o segundo aspecto seja ainda mais problemático do que o primeiro. Quem apoiou a chantagem dos caminhoneiros em maio não me parece nada disposto a abrir mão de qualquer privilégio.




(Publicado 7/Nov/2018)

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Ausência


O debate econômico nas eleições passadas conseguiu ser ainda mais raso do que o observado em 2014, feito que muitos acreditavam impossível. Se, por um lado, as propostas do PT foram de uma leviandade absoluta (congelar o preço do gás depois do desastre da administração Dilma?), por outro, as ideias do campo vencedor foram extraordinariamente vagas, ainda mais depois que o então candidato impôs silêncio obsequioso a seu futuro ministro da Fazenda.

Deixar de lado os problemas, contudo, não os faz desaparecer. Pelo contrário, se há algo que aprendi nestes anos todos, é que ignorá-los só os faz maiores e mais difíceis de resolver no futuro.

Há, para começar, um enorme desequilíbrio fiscal. Estimo que o déficit recorrente do setor público, já deduzido o impacto da inflação, se encontra próximo a R$ 320 bilhões (4,7% do PIB) nos 12 meses até setembro. Destes R$ 170 bilhões resultam do déficit primário recorrente, enquanto R$ 150 bilhões refletem o pagamento dos juros reais sobre a dívida pública, hoje na casa de R$ 5,2 trilhões (77% do PIB).

Mesmo levando em conta a melhora visível de desempenho fiscal de 2016 para cá, deve ficar claro que a situação exposta acima é insustentável, pois implica expansão persistente da dívida pública com relação ao PIB (e, portanto, à capacidade de pagamento).

É bem verdade que a dívida é, quase toda, denominada em moeda nacional, ao contrário dos exemplos grego e argentino, em que a incapacidade de pagamento levou ao calote explícito. No caso brasileiro uma “solução” possível para o problema seria a fixação de taxas de juros inferiores à inflação, provavelmente acompanhada de mecanismos de repressão financeira. A dívida cairia, mas à custa de aceleração forte da inflação, ou seja, da volta a velhos problemas, dos quais escapamos há menos de um quarto de século.

Se quisermos evitar este cenário não há alternativa à austeridade fiscal, o que foi explicitamente reconhecido pelo futuro ministro logo após a remoção do silêncio obsequioso. Bem menos claro, contudo, é como se pretende chegar lá.

Em que pesem juras de eliminação do déficit primário no ano que vem, é conhecimento comum que, sem reformas de grande porte, tais promessas são inexequíveis. Como tenho notado há muito, o governo federal controla de fato menos de 10% do que gasta. Mesmo que conseguisse cortar toda esta despesa (sem, por milagre, paralisar a administração pública) não chegaria próximo de cumprir a promessa.

Para este fim é essencial reformar a previdência, bem como repensar e reduzir o grau de vinculação das demais despesas do orçamento.

Nada disto, porém, foi explicado ao distinto público, que possivelmente ainda crê na balela que o combate à corrupção resolverá nossos desequilíbrios. Não é por outro motivo que, apesar da renovação inesperada no Congresso, o apoio a causas como esta é bastante inferior ao requerido, ainda mais quando se explicitam os efeitos das mudanças requeridas sobre a população em geral.

Omitir os reais problemas do país do debate eleitoral pode ser uma medida acertada no sentido de chegar ao poder, mas certamente criará dificuldades apreciáveis para aprovar medidas que, a rigor, não chegaram a passar pelo crivo do voto popular.

Para quem se vangloria da sinceridade, a ausência de um debate econômico sério foi mais que sentida.




(Publicado 31/Out/2018)

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Por que votarei nulo


Defendo a democracia liberal, caracterizada pelo respeito às liberdades individuais, dentre elas a liberdade de expressão, a conquista do poder pelo voto popular e a possibilidade real de alternância de poder. Do ponto de vista econômico sou adepto do livre mercado e favorável à existência de alguma rede de proteção social, bem como de políticas que facilitem o acesso à educação.

Com base nisto votei em João Amoedo, do Novo, no primeiro turno das eleições presidenciais e irei anular meu voto no segundo turno.

Tenho criticado com certa frequência o programa econômico de vários candidatos, precisamente por não estarem de acordo com o que acredito ser o melhor para o país. Isto é mais nítido no caso de Fernando Haddad (e do eliminado Ciro Gomes), cujas propostas, se implementadas, nos levariam a um desastre como o vivido recentemente por conta da Nova Matriz Econômica, cuja responsabilidade, é claro, é de Dilma Rousseff e do PT.

No caso de Jair Bolsonaro, como pude expressar na última semana, as críticas não são relacionadas diretamente ao programa econômico (que, de qualquer forma, é para lá de vago), mas ao que acredito ser a baixa probabilidade de adesão do candidato a uma plataforma realmente liberal, expressa, entre outras coisas, na privatização das estatais que ele considera “estratégicas”: Petrobras, Eletrobrás, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal (o resto é perfumaria).

Hoje, porém, quem escreve não é o economista, mas o cidadão que acredita no modelo de democracia breve e imperfeitamente descrito no primeiro parágrafo. Neste quesito ambos os candidatos deixam muito a desejar.

Elogios à ditadura militar, louvor a um conhecido torturador e outras manifestações do mesmo calibre tornam impossível para mim votar em Bolsonaro. Simplesmente não cabem no meu credo, mesmo que fosse possível acreditar em sua conversão ao liberalismo econômico e à austeridade fiscal.

Quanto a Fernando Haddad, bem, em nome da transparência, fomos colegas de mestrado (e, não, ele nunca “colou” de mim, nem do Naércio Menezes), eu o considero um amigo (não sei se a recíproca é verdadeira, mas espero que sim) e uma pessoa de bem. Representa, todavia, forças políticas cujo compromisso com a democracia me convence ainda menos que o liberalismo econômico de Bolsonaro.

Aqui me refiro tanto a propostas concretas (“adormecidas” no segundo turno) – na linha da convocação de uma constituinte e manobras pouco disfarçadas de controle da mídia – como ao histórico do PT, inclusive sua recusa descarada em aceitar decisões do Judiciário. 

Sua autocrítica não vai além do lamento de não terem conseguido controlar instituições como o Ministério Público, a Polícia Federal e as Forças Armadas, além, é claro, de “democratizar a mídia”. Isto sem esquecer do “guerreiro do povo brasileiro”, o condenado José Dirceu, que recentemente proclamou que o partido pretendia “tomar o poder, que é diferente de ganhar uma eleição”.

Que me desculpem os amigos que pretendem votar no Fernando em nome da defesa da democracia, mas um partido com tais posições não tem qualquer comprometimento com a causa democrática, além de usá-la como trampolim para “tomar o poder”.

Só me sobra, portanto, anular o voto e torcer para que na próxima eleição apareçam candidatos com posicionamentos mais próximos ao meu, de preferência com reais chances de serem eleitos.

Boa escolha a todos.




(Publicado 24/Out/2018)

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Um conto chinês


“Suponha que você tenha um galinheiro no fundo da tua casa e viva dele. Você vende todo dia ovos e algumas galinhas. Quando você vende aquilo e privatiza, você não vai ter a garantia no final de semana de comer um ovo cozido. Nós vamos deixar a energia na mão de terceiros? (...) Você vai deixar a nossa energia na mão do chinês?”

Foi com base neste raciocínio sofisticado que Jair Bolsonaro negou a possibilidade de privatizar a geração de energia elétrica no país. Afinal de contas, “o chinês” pode vir aqui e mandar todas as nossas hidroelétricas para a China, presumivelmente com as respectivas bacias hidrográficas. Ou, sei lá, vender toda nossa energia elétrica na Ásia, atravessando mares tempestuosos, ao invés de atender o consumidor nacional.

O candidato diz que evoluiu de suas posições anteriores, mas a declaração acima ecoa a mesma visão expressa em 1999, quando afirmou que “barbaridade é privatizar a Vale do Rio Doce, é privatizar telecomunicações, é entregar nossas reservas petrolíferas para o capital externo”.

De lá para cá a Vale saltou de patamar, tornando-se uma competidora global. No campo das telecomunicações o progresso foi igualmente notável. Antes das privatizações telefones eram para poucos, tão escassos que linhas telefônicas faziam parte das declarações de bens e direitos para fins de imposto de renda. Hoje, em contraste, qualquer pessoa tem acesso a serviços impensáveis há meros 20 anos.

Não há motivo para crer que seria diferente no caso da energia, independentemente da nacionalidade do eventual comprador. No frigir dos ovos (perdão), quem investir no setor não terá apenas o objetivo de ganhar o máximo de dinheiro possível, motivação que esteve por trás da melhora de desempenho nos setores privatizados (bem como, com imenso sucesso, naqueles que nasceram privados), mas também terá que se submeter às leis e normas locais.

Há um conflito óbvio entre a tosca visão econômica do candidato e o presumido viés liberal de sua equipe de assessores na área, cuja solução é bem menos fácil do que muitos parecem acreditar. Se o assessor tem carta branca para formular propostas, mas só pode “bater o martelo” depois de falar com o chefe, a noção que o domador segurará o urso se torna ainda mais complicada do que soava uns meses atrás.

A verdade é que o mercado financeiro se ilude com a promessa de um programa econômico liberal (ou talvez apenas se faça de bobo enquanto for conveniente) contra evidências crescentes sobre a dificuldade política de avançar nesta frente.

Repisando um tema que me é particularmente caro, a discussão nas eleições passou longe das questões de fundo, mais recentemente se concentrando nos esforços de desconstrução dos adversários.

A verdade é que nenhum dos candidatos deixa claro para a população o que pretende fazer do ponto de vista de reformas, como fica aparente no contorcionismo do provável ministro da Casa Civil num governo Bolsonaro, Onyx Lorenzoni, sobre a vexatória questão do déficit da previdência, para não falar do duplo mortal carpado que o PT tenta aplicar para se distanciar do programa proposto no primeiro turno, coordenado, vejam só, pelo próprio Fernando Haddad.

Vai ser difícil dar a real quando a bomba explodir. Parece que ninguém aprendeu com o fiasco formidável de Dilma Rousseff: nem os candidatos e certamente não os eleitores.




(Publicado 17/Out/2018)

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Eterno retorno


Já nos livramos do mediocrérrimo Ciro Gomes, mas algumas de suas propostas ainda nos assombram, como o uso das reservas internacionais para financiar obras no país, também apropriada pela agenda econômica de Fernando Haddad. Parece, à primeira vista, um negócio para lá de razoável, mas não sobrevive a 27 segundos de reflexão séria.

Há, de fato, quem defenda que o país detém hoje mais dólares do que precisaria para manter suas contas externas em ordem caso sobrevenha nova crise internacional. Sou agnóstico a este respeito, mas, como ponto de partida, podemos admitir que seja verdade. Neste caso, o que deveríamos fazer com o presumido excesso de reservas, no programa estimado em US$ 40 bilhões?

Dado que as reservas nos rendem 2% ao ano, enquanto pagamos 6,5% ao ano sobre nossa dívida interna, uma das possibilidades seria vender a parcela excedente e usar o dinheiro para reduzir a dívida e o pagamento de juros sobre ela. No câmbio atual, US$ 40 bilhões permitiriam reduzir a dívida do governo em R$ 150 bilhões, de 77,3% do PIB para 75,1% do PIB, cortando nossa conta de juros em quase R$ 7 bilhões/ano (4,5% ao ano sobre R$ 150 bilhões).

Alternativamente, poderíamos adotar a agenda petista e emprestar o dinheiro aqui dentro, ao invés de usá-lo para reduzir o endividamento do governo. Para que esta escolha seja superior precisará render mais que a economia de juros resultante da opção de abater a dívida. Isto significa que os gestores dos recursos retirados das reservas terão que empregá-los em projetos cujo retorno seja maior do que o custo da dívida, nosso custo de oportunidade no presente contexto.

Isto nos leva a duas considerações.  A mais geral é que, se existissem tais projetos, nada impediria que o setor privado usasse seus próprios recursos, não os do Tesouro.

A réplica habitual a esta crítica aponta para alguma hipotética falha de mercado, supostamente corrigida por meio da cobrança de juros abaixo dos pagos pelo Tesouro Nacional, como foi feito de forma avassaladora pelo BNDES entre 2008 e 2014.

Naquele período empréstimos do BNDES saltaram de pouco mais de R$ 300 bilhões para R$ 800 bilhões (a preços de hoje), uma transferência maciça de recursos para empresários bem conectados, que gozaram do benefício devidamente apelidado de Bolsa-Empresário, bem mais generoso que o Bolsa-Família, com resultados conhecidos.

Deve ficar claro, pois, que se trata de alternativa inferior à redução do endividamento, dado que o retorno neste caso é, por construção, inferior ao custo da dívida.

A segunda consideração diz respeito gerenciamento da bolada. Quem garante que os incentivos serão os corretos, ou se, a exemplo do ocorrido com o BNDES, o dinheiro será direcionado por critérios não relacionados à eficiência econômica, mas determinados por causas nada republicanas, como financiamento de um projeto de poder, na forma de recursos para campanhas, “construção” de maiorias parlamentares e outros aspectos da corrupção que assola o país?

A bem da verdade, apelar às reservas internacionais como fonte de financiamento é apenas um disfarce. Trata-se, em última análise, de replicar os mesmos mecanismos usados à exaustão pela assim chamada Nova Matriz Econômica, cujo legado ainda pagamos, muito provavelmente com o mesmo grau de fracasso.

Posso apostar que, ao escrever sobre o eterno retorno, não era isto o que Nietzsche tinha em mente.


Fazendo a economia girar...


(Publicado 10/Out/2018)

terça-feira, 9 de outubro de 2018

Cada vez aumenta mais



A começar pelo (des)conhecimento de aritmética, que rivaliza com o de seu ídolo. Ele insiste na tese (apresentada uns meses atrás) que a elevação de 3% na alíquota efetiva de imposto de renda para as 70 mil famílias mais ricas “conseguiria arrecadar o suficiente para cobrir praticamente todo o déficit primário de cerca de R$ 170 bilhões”.

Isto implica dizer que a renda tributável dessas 70 mil famílias seria da ordem de R$ 5,7 trilhões (3% de R$ 5,7 trilhões equivale a R$ 170 bilhões). Dado que o PIB nos últimos 12 meses atingiu R$ 6,7 trilhões, para que o argumento fosse válido 85% da renda no Brasil teria que estar nas mãos de 0,14% das famílias.

Não é o que diz o IBGE. Embora a renda seja mesmo muito concentrada no Brasil, os números nem passam sequer perto do padrão decorrente da curiosa tese acima: os 10% mais ricos detinham 43,4% da renda em 2017. Errou só por um fator de 140 vezes...

A ânsia desenfreada para acobertar Pinochmann leva a outros erros grosseiros. Afirma, por exemplo, que eu “deveria saber de cor que [o desemprego de] 8,4% foi no último ano de Dilma, e 11,7% foi no primeiro ano de Temer”. Exceto que não, a menos que, por motivos desconhecidos, Feldmann tenha afastado a presidente 5 meses antes da decisão da Câmara dos Deputados a respeito: em 2015 o desemprego foi 8,3%, mas nos 12 meses até maio de 2016 o número já havia saltado para 9,5%.

Isto já revela a inadequação do uso de médias no caso de uma variável que vinha subindo aceleradamente, procedimento que esconde mais do que revela. Na verdade, o desemprego (ajustado à sazonalidade) atingiu 11% em maio de 2016, ou seja, mesmo se deixarmos de lado que se trata de variável que reage com longa defasagem às decisões de política econômica (e que, portanto, a responsabilidade da presidente se estende também aos meses que se seguiram à sua saída), não podemos ignorar que o legado dela foi uma forte elevação, de 8% para 11% entre sua posse e seu afastamento.

Feldmann passa então à exegese dos escritos de Pinochmann, isto é, buscar algo que não foi dito para justificar o que foi, na realidade, dito.

Assim, de acordo com Feldmann, Pinochmann teria tentado dizer que a dívida cresceu em ambos os governos, mas de forma mais rápida no período Temer. Exceto que não foi o que Pinochmann alegou: ele usou uma estatística imprópria (no caso a dívida líquida) para fingir que não houve elevação do endividamento no período Dilma, mas sim no período Temer, o que é pura e simplesmente falso, como atestado pelos dados do BC, que, sim, conheço com certa profundidade. Exegese à parte, vale o que está escrito.

Por fim, Feldmann persiste na ideia que exista um “potencial arrecadatório de 1,5% do PIB (...) possível de ser conseguido com pequenas mudanças” no imposto de renda e imposto sobre herança sem jamais mostrar as contas que justificam a estimativa, isto é, para defender Pinochmann utiliza-se da mesma técnica estatística favorita de seu ídolo: o chute desenfreado.

A única conclusão possível é que a sabujice de Feldmann só não foi capaz de impedir sua tentativa de roubar o título de economista mais desonesto do Brasil de quem, por direito, o detém. Mas que a tentativa foi boa, isto eu não posso negar.




(Publicado 2/Out/2018)

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Futuro sombrio - artigo publicado no La Nación


Não é exagero afirmar que as eleições presidenciais de 2018 podem ser as mais importantes desde a redemocratização do Brasil. Todavia, discutem-se na campanha eleitoral questões que pouco dizem respeito aos desafios gigantescos que o país precisa enfrentar no futuro imediato.

Há uma crise fiscal em curso. Depois de anos de contas públicas sob certo controle – mais pelo aumento da receita do que pelo controle de despesas – o setor público apresenta fortes desequilíbrios desde 2014 e não há certeza quanto à sua correção em horizonte razoável.

A principal causa é o comportamento das despesas. No caso do governo federal, para o qual temos informações detalhadas desde 1997, as despesas não-financeiras saltaram de 14% para 20% do PIB em 20 anos. Não bastasse isto, o orçamento federal se tornou cada vez mais rígido: estima-se hoje que, de cada R$ 10 gastos pelo governo, R$ 9 tenham destinação predeterminada pela Constituição; a margem de manobra do Tesouro para reduzir despesas é quase nenhuma, implicando sacrifício crescente do investimento.

Dentre as despesas obrigatórias a maior é a previdenciária: quase 60% do dispêndio. Embora o Brasil seja um país jovem, nossos gastos com previdência são comparáveis ao de países como a Alemanha, cuja proporção de idosos é algo como três vezes maior que a nossa.

Contra este pano de fundo há um crescimento preocupante da dívida do governo, que, pelas medidas oficiais, já se aproxima de 80% do PIB, contra 50% há apenas 5 anos. Muito embora a dívida seja praticamente toda denominada em moeda nacional, seu crescimento acelerado leva à percepção que, na ausência de reformas, o governo não tenha como pagá-la, senão com a emissão de moeda, processo que nos levou a sérios problemas inflacionários no passado.

O desafio, portanto, é retomar o processo reformista. Mudança de regras previdenciárias para conter os gastos. Redução das vinculações no orçamento para dar flexibilidade à política econômica. Reforma radical do sistema tributário, não apenas custoso, mas distorcivo, cujo efeito sobre produtividade é tremendamente negativo. A lista é longa e o tempo é curto, principalmente em face da trajetória da dívida, que já afeta a percepção de risco do país, deprimindo o investimento e elevando as taxas de juros para períodos mais longos.

Em vista de impossibilidade do atual governo de avançar neste campo, caberá ao novo presidente a tarefa de propor uma agenda neste sentido. Seria, pois, de se esperar que a campanha presidencial fosse centrada nas reformas.

Todavia, a atual configuração política não mostra isto.

Temos de um lado a tentativa do Partido dos Trabalhadores de voltar ao poder sem reconhecer que seus erros nos levaram à atual crise. O máximo de autocrítica a que o partido se permite é lamentar não ter controlado a Polícia Federal, os procuradores, o Judiciário e a mídia enquanto estava no comando.

De outro um candidato que cresceu à sombra de sua oposição ao PT, mas cuja atuação parlamentar o qualificaria como um líder sindical militar, que jamais se preocupou com a agenda de austeridade fiscal.

Tal cenário não nos permite sonhar com reformas e retomada do crescimento; pelo contrário, a estagnação da economia com alta inflação são riscos reais e bastante elevados nos anos que virão.




terça-feira, 2 de outubro de 2018

Pinochmann


Não posso ainda afirmar que Marcio Pochmann seja o pior economista do Brasil, mais por excesso de competição do que por falta de esforço, mas garanto que ganha fácil o título de mais desonesto.

Não me entendam mal. Não se trata aqui de usar a velha falácia “ad hominem”, qual seja, tentar desmerecer o argumento pelas falhas de seu autor, mas sim apontar as falhas do autor pelas carências, no caso gritantes, de seus argumentos.

A questão no fundo é simples. Pochmann afirmou que um imposto de 1% sobre grandes fortunas eliminaria o déficit previsto para 2019, R$ 139 bilhões, conforme o orçamento para o ano que vem. Isto requereria que grandes fortunas montassem a R$ 13,9 trilhões; todavia, segundo os dados da Receita Federal, o conjunto total de bens e direitos declarados pelos pouco mais 27 milhões de contribuintes que preencheram o formulário do imposto de renda atingia R$ 8 trilhões.

Posto de outra forma, nem tributando todos os declarantes de imposto de renda a proposta de Pochmann chegaria perto de resolver o enorme desequilíbrio fiscal do país.

Confrontado à simples aritmética, Pochmann pôs em prática um enorme arsenal de desonestidade, sem jamais enfrentar a questão.

Começa atribuindo a desordem fiscal ao atual governo. Em que pesem decisões equivocadas, como levar adiante a proposta de reajuste do funcionalismo gestada no governo Rousseff, não é preciso mais do que saber contar para perceber a falsidade do argumento.

Quando Dilma assumiu o superávit do governo federal era (a preços de hoje) R$ 126 bilhões; quando saiu o déficit superava R$ 170 bilhões, deterioração da ordem de R$ 300 bilhões. Primeira mentira.

A segunda é mais sutil, mas não menos desonesta. Pochmann faz malabarismos para mostrar que a dívida do governo não subiu no período Dilma, utilizando-se para tanto do conceito de dívida líquida, que deduz da dívida total as reservas internacionais de posse do BC.

Ocorre que, quando o dólar se encarece as reservas se apreciam, fenômeno que reduz a dívida líquida. Todavia, isto não reflete de forma alguma o desempenho fiscal do país, apenas a valorização do dólar. A medida correta de endividamento fiscal é a dívida bruta, que saltou de 52% para 67% do PIB no período Dilma (e, em julho deste ano, atingiu 77% do PIB). Em outras palavras, o avanço do endividamento do governo foi muito maior no governo Dilma, fato escamoteado por Pochmann. Segunda mentira.

De passagem Pochmann menciona que o desemprego subiu de 8,4% para 11,7%, sem se dignar a esclarecer a qual período se refere. Já eu noto que o desemprego (ajustado à sazonalidade) era pouco inferior a 8% quando Dilma assumiu, 11% quando foi impedida e hoje se encontra na casa de 12% (depois de bater em 13% no início de 2017), ou seja, o grande salto ocorreu precisamente no governo Rousseff. Terceira mentira.

Pochmann conclui seu artigo agora afirmando que, além da taxação de grandes fortunas, seriam necessárias também a reformulação do imposto sobre heranças e taxação de dividendos para fechar as contas. Não admite que errou e também não mostra de onde tirou a estimativa do “potencial arrecadatório” equivalente a 1,5% do PIB. Quarta mentira (e um tanto a mais de mistificação).

Quando afirmarem que o pragmatismo há de prevalecer caso Fernando Haddad se eleja presidente, lembrem-se que Pinochmann, o economista mais desonesto do país, é também o coordenador de seu programa econômico.