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terça-feira, 19 de setembro de 2017

Imortal

Há algo comum entre Jason Vorhees, Freddy Krueger, Michael Myers e certas afirmações econômicas: não importa quantas vezes sejam mortos, seguem aparecendo, sem jamais se dar ao trabalho de explicar como renasceram.

Uma destas ideias, divulgada com mais frequência do que recomendável, diz respeito à suposta alternativa portuguesa à austeridade fiscal e seu imenso sucesso, em geral acompanhada da sugestão que o Brasil persiga caminho semelhante, muito mais fácil do que a penosa busca pela redução de gastos.

Para deixar claro desde o início, trata-se de uma falsidade e, o que é pior, uma falsidade facilmente demonstrável com não mais do que alguns minutos dedicados à nobre (e tão vilipendiada) tarefa de procurar os dados no sítio da OCDE (e devidamente cruzados com números provenientes do FMI, para termos mais confiança acerca da sua consistência). 

Pois bem, depois desse imenso esforço de pesquisa descobrimos que em seu pior momento (2010) o déficit português superava 11% do PIB; já no ano passado registrou valor equivalente a 2% do PIB, o menor da série histórica iniciada em 1995. Na verdade, exceção feita a 2014, o déficit caiu de forma contínua de 201o em diante, revelando que – a despeito da troca de governo em 2015 – não houve mudança de rumo na política fiscal, muito pelo contrário.

Sim, há quem possa contra argumentar que a melhora das contas públicas teria sido resultado da própria recuperação da economia e que, portanto, a redução do déficit não teria se originado das decisões de política, isto é, teria ocorrido mesmo sem medidas de austeridade.

Noto, porém, que o desemprego em Portugal hoje, pouco abaixo de 10% da força de trabalho, não difere muito do registrado em 2010, embora tenha caído cerca de 7 pontos percentuais desde meados de 2013 (quando o déficit já havia caído a menos da metade do observado em 2010). Posto de outra forma, é possível (e até provável) que a retomada da economia tenha contribuído para reduzir o buraco nas contas públicas, mas a magnitude da melhora fiscal é muito maior do que a que resultaria apenas do crescimento mais rápido.

A excitação acerca da experiência portuguesa provém da mudança política acima mencionada. Naquele momento, muito embora a centro-direita tenha obtido a maior votação, não conseguiu formar o governo, que acabou nas mãos da coalizão de esquerda liderada pelo Partido Socialista. Apesar disto, como se vê, acabou por manter a austeridade.

Muito menos atenção se dá, por exemplo, à vizinha Espanha, que se recuperou de forma semelhante (lá o desemprego caiu os mesmos 7 pontos percentuais entre 2013 e 2017), enquanto o déficit fiscal foi reduzido de 11% do PIB em 2009 para 4,5% do PIB no ano passado. A Espanha manteve a austeridade e retomou o crescimento, mas, por se tratar de continuidade (ainda que minoritária) da administração de centro-direita que governa o país desde a eclosão da crise, sua experiência tem sido convenientemente ignorada pelos adversários do ajuste fiscal.

Isso dito, não tenho a menor ilusão de ter matado mais um zumbi. Como no debate econômico brasileiro o que menos importa é a evidência empírica (e sim, a “narrativa”), não tenho a menor dúvida que ainda ouviremos falar da “alternativa portuguesa”.


A desonestidade é imortal...



(Publicado 13/Set/2017)

15 comentários:

Oi Alex, tudo bem?
Conhece alguma boa estimativa para o impacto do FGTS do PIB do 2º trimestre?
Acha que o terceiro trimestre pode ser prejudicado por conta desse efeito, caindo na margem?
Abraços, Guilherme

Vale a pena o senhor ler o artigo do seu colega Benjamin:http://www1.folha.uol.com.br/colunas/benjaminsteinbruch/2017/09/1919694-pec-do-teto-e-mudanca-nos-juros-do-bndes-sao-travas-para-investimento.shtml?utm_source=facebook&utm_medium=social&utm_campaign=compfb.

voce esta 100% certo mas teve um fator que ajudou bem nos ultimos anos pra ganharem tempo que foi o ECB comprando titulos. Caso contrario o ajuste ia ser ainda pior com chances de quebradeira e etc...

quanto ao combate aos zumbis, esquece. Voce esta no Brasil onde escolas e muitas universidades pregam claramente seu anti capitalismo. Zumbi aqui é mato

"Vale a pena o senhor ler o artigo do seu colega "

Ô se vale; ri como nunca...

Na mesma linha deste post:
http://mises.org.br/Article.aspx?id=2700

Alexandre,

A historinha oficial de cinco em cada cinco analistas, inclusive do guilherme acima, é que o consumo do segundo tri bombou por causa do FGTS. Mas o FGTS foi aumento temporario de renda. Em teoria, isso deveria elevar a poupança, nao o consumo, a menos que os agentes sejam credit constrained. Como interpretar isso? (I) ha evidencia de ampla restricao de credito no brasil? (II) a teoria nao tem validade empirica no Brasil e o que parece valer é a velha teoria keynesiana, que ve o consumo como dependente da renda corrente (e nao da renda permanente)?

Grande abraço, Ricardo

Alex, o que vc usa como instrumento de juro e primario na tua IS, quando quer prever inflação no modelo de pequeno porte?

abs
Julio

Ricardo,

acho que "aumento temporário de renda", pra quem está sem renda, vira consumo. Uma pesquisa qualitativa do IBRE mostrou que cerca de 30% das pessoas (não necessariamente dos recursos) que recebeu dinheiro do FGTS gastou prioritariamente com consumo.

Assim, façamos as contas:

1. PIB do 2T/17 = 1,6 trilhão, dos quais 1,023 trilhão foi consumo.
2. FGTS: 40 bi, dos quais 20 a 30% foi consumo = 8 a 12 bi

Acho que é significante, mas ainda não explica toda a variação do consumo no tri (1,4% de 1 trilhão =~ 14 bi).

Fora isso, condições gerais para consumo no 3 tri estão melhores: massa salarial (*), crédito (balanço das famílias e juros), etc. Até porque o que não foi consumido do FGTS, serviu para melhorar balanço das famílias.

(*) Massa salarial deve ficar uns 8 bi maior no 3 tri do que no 2 tri

Dito tudo isso, acho que consumo não reverte no 3 tri (embora deva se desacelerar).

Está de acordo, AS?

Abraços, Guilherme

Guilherme
Deixa eu por minha colher nesse angu

Teve o FGTS, teve distribuição do Pis, agora vai ter 13°, entre outras tantas bondades regularmente distribuídas pelo novo governo na tentativa de frear a crise, vendendo a janta de amanhã pra comprar o almoço de hoje, nada muito diferente do que os anteriores tentaram fazer mas sem tanta competência.

Pra mim é sim um pulo de galinha, mas não pra cair agora, vai afetar lá na frente, de preferência depois das eleições, com o homi preso, lembre do enrosco político onde se meteram.

O saldo final será positivo???
Depende... eleições, previdencia, privatizações
Continuando assim, dando tempo ao tempo, acho que sim.

L.

Cade a crise anunciada quando ao Trump assumir o cargo?

Em “Derruba sim …”, 08/04/2014:
“(...) mostra forte relação negativa entre a taxa real de juros e a inflação, com defasagem de 18 meses.”

Em “Na janelinha”:
“(...) a redução persistente da taxa real de juros (de 7% há um ano para menos de 4% agora), resultado da queda da inflação, é a causa mais provável da recuperação. Notando ainda que seus efeitos costumam aparecer com defasagem ao redor de seis meses.”

A defasagem varia entre 6 e 18 meses?

Com essa variação de 200%, não fica mais fácil defender a relação negativa entre inflação e juros?

"Cade a crise anunciada quando ao Trump assumir o cargo?"

Cadê as medidas do Trump?

http://www.valor.com.br/internacional/5135662/plano-de-reforma-tributaria-de-trump-reduz-impostos-corporativos-20

"The nine-page framework is more extensive than a one-page White House tax proposal that was widely ridiculed in April, but its components are non-binding aspirations and it is far from being a piece of legislation on which lawmakers could vote.

Steve Rosenthal at the Tax Policy Center, a think-tank, said: “What is most interesting is how ill-formed this plan is. We have been waiting months and months for a Trump plan. They promised us a plan, then delivered principles. They promised us a plan again, then delivered a nine page skeleton with wide margins. So where’s the beef? We have yet to see anything of any content.”

https://www.ft.com/content/79538ba6-a35b-11e7-b797-b61809486fe2

"Com essa variação de 200%, não fica mais fácil defender a relação negativa entre inflação e juros?"

6 meses na atividade...
18 meses na inflação...