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terça-feira, 25 de julho de 2017

No céu com diamantes

O artigo de Laura Carvalho semana passada é um primor: é raro encontrar tantos erros concentrados em apenas 3200 caracteres. Resumindo, ela afirma que a reforma trabalhista não representa um ganho de competitividade no agregado porque “se uma mudança reduz o custo com a mão de obra de todos os empresários ao mesmo tempo, não é possível ganhar competitividade em relação aos concorrentes nacionais”. Esta afirmação trai o desconhecimento do que é a reforma trabalhista, para começar, bem como falhas não menos consideráveis a respeito de como funciona a economia.

Como tive oportunidade de explorar em coluna escrita com meu irmão, Sérgio Schwartsman, a reforma trabalhista essencialmente regula uma série de práticas até então à margem da legislação e dá aos acordos coletivos peso de lei, ressalvados direitos como férias, 13º, horas extras, jornada de trabalho, etc. Seu principal mérito, portanto, consiste em reduzir a incerteza judicial na relação trabalhista.

Assim, o risco de um empregador acabar incorrendo em custos adicionais (por força de decisões da justiça trabalhista) se reduz, o equivalente a um aumento de produtividade: produz-se o mesmo com menor custo esperado.  Adicionalmente a reforma encoraja a formalização do trabalho, o que também tem sido associado a maior produtividade, por ganhos de escala, acesso a crédito e outros mecanismos.

Caso soe estranho afirmar que maior produtividade não tem efeitos positivos sobre a economia é porque é estranho mesmo (se fosse verdade, teríamos que concluir que redução da produtividade não traria consequências negativas, algo que qualquer venezuelano pode atestar em contrário).

Falta à análise de Laura considerar os impactos da produtividade sobre a economia. Por exemplo, é esquisito considerar que a reforma trabalhista implicaria salários menores; ao contrário, a redução do custo esperado aumenta a demanda por trabalho, elevando consequentemente o salário recebido. Assim, sua conclusão sobre a reforma reduzir a remuneração dos trabalhadores não se segue.

Isso dito, também não é verdade que a reforma não implique ganhos relativos de competitividade.

Para ver isto imagine duas empresas com R$ 100 de capital, remunerado a 10% ao ano, ou seja, custo de capital de R$ 10/ano. Uma emprega 10 trabalhadores ao custo de R$ 1,00 por trabalhador/ano; a outra, 100 trabalhadores ao mesmo custo unitário, implicando custo de trabalho de R$ 10/ano na primeira e R$ 100/ano na segunda. Seus custos totais, portanto, são R$ 20/ano e R$ 110/ano respectivamente.

Uma redução de 10% no custo do trabalho reduz o custo total da primeira para R$ 19/ano, ganho de 5%. No caso da segunda o custo cai para R$ 100/ano, ganho de 9%.

Vale dizer, empresas intensivas em trabalho ganham mais do que as intensivas em capital, o que deve ser sempre verdade em um mundo em que não exista apenas um insumo para a produção, ou seja, o mundo como ele é...

Relendo a coluna percebo que afirmei apenas o óbvio: aumento da produtividade é sempre benéfico e eleva salários; já os efeitos de redução do custo do trabalho beneficiam mais quem usa trabalho mais intensamente. Como podem ter escapado a uma professora da USP?


A resposta é simples: quando a conclusão precede a análise, a lógica é sempre sacrificada.




(Publicado 19/jul/2017)

terça-feira, 18 de julho de 2017

Seis anos em seis meses

Boa parte do empresariado nacional, em particular os encastelados na pirâmide da Paulista, se especializou em ganhar dinheiro à custa de transferência de recursos do resto da população. São vários os mecanismos, da proteção contra a concorrência (não só internacional, mas também doméstica) ao uso intensivo de subsídios. Uma das formas mais insidiosas e menos transparentes, porém, se dá por meio do BNDES.

Empresas com acesso privilegiado ao banco tomam lá recursos balizados pela Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que tipicamente se situa muito abaixo do custo a que o Tesouro Nacional se financia (numa primeira aproximação, a taxa Selic), quando não da própria inflação.

Nos últimos 10 anos, por exemplo, a TJLP ficou, em média, 4 pontos percentuais abaixo da Selic a cada ano; nos últimos 3 anos, 5 pontos percentuais. No acumulado destes 3 anos foi também 4 pontos percentuais inferior à inflação. Tudo isto implica transferência maciça de renda do contribuinte para os que têm acesso a estes recursos, devidamente apelidada Bolsa-Empresário.

No entanto, os efeitos negativos desse arranjo não se limitam ao seu impacto fiscal, já explorado em outras colunas. Para começar, trata-se de um subsídio gigantesco que não passa pelo orçamento federal: dá-se, portanto, a um ramo do executivo o poder de promover transferências de renda sem qualquer transparência, sem qualquer discussão com a sociedade, seja de cunho técnico, ou democrático.

E, exatamente por ser pouco transparente, é também um incentivo considerável para os que apreciam participar do jogo da corrupção. A questão aí não é só o quanto de “bola” se paga para agentes que possam favorecer uns e outros. A própria lógica de uma economia de mercado se inverte quando a principal atividade empresarial deixa de ser a inovação para se concentrar na obtenção de facilidades de modo a canalizar renda do resto da sociedade para si.

Países em que esta atividade se torna dominante, em detrimento à inovação (e consequente aumento de produtividade), se encontram precisamente entre as nações que fracassam, em oposição àquelas em que a destruição criativa é o principal modo de enriquecimento. Veem alguma semelhança?

Para mudar isso, governo pretende migrar ao longo de cinco anos o balizamento do custo dos recursos do BNDES da TJLP para uma nova taxa (TLP), que por sua vez seria guiada pelo custo de financiamento de longo prazo do Tesouro, na prática eliminando aos poucos o colossal subsídio implícito para as novas operações do banco (a partir de janeiro de 2018).

A reação, como esperada, é feroz. Até o novo presidente do banco se manifestou contra, alegando que a mudança tornaria as condições de financiamento menos previsíveis, já que o custo de financiamento do Tesouro poderia se alterar drasticamente, por exemplo, em condições de crise, aparentemente esquecido da possibilidade de empresas contratarem diversas formas de seguro para mitigar este risco.

Ainda menos auspiciosa é sua promessa de fazer “seis anos em seis meses”, ecoando justamente o faraó da pirâmide paulista quando pedia a cabeça de Maria Sílvia Marques para manter os privilégios dos suspeitos de sempre.

Se cumprir a promessa posso garantir que regrediremos bem mais do que seis anos em seis meses.

O presidente da Fiesp, em momento relax


(Publicado 12/Jul/2017)


terça-feira, 11 de julho de 2017

Deixai aqui toda a esperança

Em artigo para lá de interessante, Caio Farah Rodriguez defende que uma das consequências da Lava-Jato seria a imposição do capitalismo ao empresariado nacional por força dos acordos de leniência, que criariam uma governança severa para as empresas, supostamente as impedindo de continuar com as práticas expostas ao público de 2014 para cá. É um argumento bem formulado, e, juro, bem que queria acreditar, mas não estou convencido de sua validade.

Não é de hoje que o capitalismo brasileiro vai mal das pernas. Louvada em verso e prosa em alguns círculos, a industrialização do país se deu sob o manto protetor do governo, à base de subsídios, crédito artificialmente barato, proteção desmedida e outras formas de intervenção. Com raras exceções, a indústria nacional se mostrou incapaz de competir na arena global e – a despeito dos protestos de neodesenvolvimentistas, novo-desenvolvimentistas, velho-desenvolvimentistas e o diabo – não há taxa de câmbio que compense a baixa produtividade.

E que não se diga que este problema se deve à presumida concentração em setores pouco produtivos. Trabalho recente da FGV (O Brasil em Comparações Internacionais de Produtividade: Uma Análise Setorial) revela que este fenômeno explica fração modesta do hiato entre o país e a fronteira tecnológica; a maior parcela se deve à distância existente em todos os setores da economia nacional com relação aos países desenvolvidos.

Em outras palavras, não jogamos mal porque nossos atletas estão na posição errada; o plantel é que é ruim mesmo...

Parte disto reflete a qualidade lamentável da educação nacional, visível em qualquer comparação internacional, como, por exemplo, os resultados do PISA. Outra parte resulta da nossa má organização institucional.

Como chamei a atenção há alguns meses, sob o arranjo institucional brasileiro, o empresário, como regra, não vai ficar rico pela inovação, mas pela sua capacidade de cultivar as ligações corretas com os donos do poder. Se restasse alguma dúvida (a mim não, há muito tempo), esta teria se dissipado com a revelação das conversas entre o presidente Temer e o inefável Joesley.

Uma empresa de proteína animal foi elevada às maiores do país não por qualquer coisa que cheirasse a competência empresarial, mas porque teve acesso a toda sorte de favores governamentais. E, como fica claro pelo acordo de leniência, tais favores não foram obtidos gratuitamente, muito pelo contrário...

Iremos mudar esse estado de coisas?

Não, a depender de políticos como a senadora Vanessa Grazziotin, que aqui mesmo na Folha cometeu um artigo defendendo a Zona Franca de Manaus, mamata que apenas em renúncias fiscais consumiu algo como R$ 28 bilhões/ano entre 2012 e 2016 (pouco mais que o Bolsa-Família) e foi prorrogada para 2073, na expectativa de que nos próximos 56 anos consiga atingir o que não obteve nos últimos 50.

Se quem se pretende defensor dos desvalidos promove mecanismos tão óbvios de captura e concentração de renda, com efeitos nefastos sobre a produtividade e crescimento, o que esperar do mundo político?


Ando pessimista com o país há mais do que gostaria, mas não falta quem se esforce para confirmar meus piores temores e destruir as poucas esperanças que me restam.



(Publicado 5/Jul/2017)

terça-feira, 4 de julho de 2017

Quicando na frente da meta

O Conselho Monetário Nacional deve anunciar esta semana a meta de inflação para 2019, seguindo as diretrizes do Decreto 3088/99. Não será surpresa se o CMN decidir pela sua redução, a primeira desde junho de 2003, provavelmente para 4,25%, talvez para 4%, caminhando no sentido da maioria dos países emergentes, que busca manter a inflação ao redor de 3% ao ano.

A verdade é que já se espera, e não de hoje, tal decisão. As expectativas de inflação para 2019, conforme capturadas pela pesquisa Focus, já se encontram em 4,25% desde o início de abril. Há bons motivos para crer que esta crença já reflita a perspectiva de redução da meta e não a baixa inflação corrente, pois quaisquer desvios da inflação, sob uma política monetária correta, devem se dissipar com folga em dois anos e meio, o intervalo entre a definição da meta e o momento de sua aferição.

Trata-se de uma mudança radical. Em 2015 e 2016, por exemplo, considerando o mesmo intervalo para que a política monetária pudesse trazer a inflação de volta, as expectativas dois anos e meio à frente permaneceram teimosamente acima da meta. Posto de outra forma, em pouco mais de um ano o BC recuperou a credibilidade perdida na era em que Alexandre Pombini e asseclas estiveram à frente da instituição.

Isto sugere, ao contrário do senso comum, que taxas de juros poderão cair um pouco mais do que cairiam caso a meta se mantivesse inalterada em 4,5%. O motivo para isto é a influência que as expectativas de inflação para 2019 têm sobre a inflação de 2018.

Ao fixarem salários e preços por um determinado período (digamos, um ano), trabalhadores e empresas precisam levar em conta a perda de poder de compra resultante da inflação que ocorrerá ao longo daquele ano. Assim, se a inflação esperada para o futuro é elevada, salários e preços sobem mais hoje, acelerando a inflação corrente e vice-versa. Em particular, uma taxa de inflação mais baixa em 2019 deve reduzir, em alguma medida, também a inflação de 2018.

Como a política monetária opera com defasagens relativamente longas, as decisões do Copom durante a segunda metade deste ano deverão dar peso crescente ao desempenho esperado para 2018. Neste sentido, uma meta menor para 2019, ao reduzir a inflação esperada para 2018, possibilita ao BC reduzir a Selic um tanto a mais do que conseguiria em cenário de meta mantida em 4,5%.

“Delírio teórico”, dirão alguns.

Pois bem, a evolução das expectativas para 2018 se mostra absolutamente coerente com a explicação acima. Até abril deste ano se encontravam próximas a 4,5%, mesmo com a queda da inflação esperada para 2017, refletindo a crença na capacidade do BC trazer a inflação de volta para 4,5%, mas começaram a cair quando se cristalizou a perspectiva de redução da meta para 2019. Da mesma forma, a revisão para baixo em 2018 reduz a velocidade de aumento de preços em 2017.

Isto tem possibilitado a queda da taxa de juros, bem mais forte do que se esperava. Há um ano o consenso apontava para a Selic a 11,0% no final deste ano e 10,5% em 2018; hoje aponta para 8,5% nos dois anos, além da queda observada na inflação esperada, ou seja, redução também da taxa real de juros.


Caso o CMN nos surpreenda e decida por 4%, veremos novas quedas da taxa de juros. Agora é só empurrar para o gol.



(Publicado 28/Jun/2017)