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terça-feira, 28 de março de 2017

Para adultos apenas

Os 18 leitores já sabem que tenho algumas obsessões, dentre elas profundo desprezo à desonestidade intelectual e quase asco a quem trata os dados de maneira desrespeitosa. Podem, então, imaginar como me sinto em meio ao debate sobre a reforma previdenciária agora no Congresso.

Há um vídeo particularmente desonesto narrado por Wagner Moura, mas isto não chega a me surpreender, dados os nítidos objetivos político-partidários de quem defendia, há não muito tempo, a reforma da previdência. Nada surpreendente, mas igualmente abominável, é ver economistas atacarem a reforma argumentando, como fez Laura Carvalho, que a expectativa de vida no Brasil é de 75 anos.


Qualquer economista que deseje discutir a questão previdenciária não pode ignorar que a expectativa de vida ao nascer é irrelevante para o tema. O que interessa é a expectativa de vida quando se chega à idade de aposentadoria. Para este fim convido o leitor a inspecionar o gráfico anexo, que mostra a evolução da expectativa de vida a cada faixa etária, para a população em geral e também separando entre homens e mulheres.

http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/tabuadevida/2013/defaulttab_xls.shtm  

De fato, a expectativa de vida ao nascer se encontra ao redor de 75 anos, porque (infelizmente) a mortalidade infantil ainda é relativamente elevada e a violência cobra muitas vidas de homens jovens. Quem, porém, se aposenta por tempo de contribuição atinge esta condição em média aos 54,5 anos (homens 55,5 e mulheres 52,3), idade em que, como mostrado no gráfico, a expectativa de vida supera 80 anos (78,4 homens, 82,1 mulheres). Quem não comprova tempo de contribuição, os mais pobres, já se aposenta hoje aos 65 anos, com expectativa de vida de 83 anos.

É falso, portanto, que a proposta obrigue as pessoas a trabalharem até morrer, como se diz com alarmante frequência.

O tema é sério e requer um debate adulto, ao menos entre os que se acham qualificados para tanto. Comecemos respeitando os dados.



(Publicado 22/Mar/2017)

quarta-feira, 22 de março de 2017

O PIB e os fatos alternativos

A queda do PIB virou motivo de debate. Há quem a atribua às políticas de austeridade, mas, como mencionei na minha última coluna, trata-se de uma falsidade. Só não sei dizer se sua origem é ignorância, desonestidade intelectual, ou a mistura tóxica de ambas.

A começar porque não houve, pelo menos até agora, nenhum sinal de austeridade fiscal. Ao contrário, os dados disponíveis revelam que os gastos públicos continuaram firmes e fortes, aliás, bem mais firmes e fortes do que a economia brasileira.

Tomemos, para começar, os gastos do governo federal que, ajustados à inflação, atingiram R$ 1,27 trilhão em 2016 contra R$ 1,26 trilhão em 2014. É verdade que parte destes gastos corresponde a transferências operadas pelo governo federal (por exemplo, R$ 518 bilhões em benefícios previdenciários), que obviamente têm impacto sobre a carga tributária e causam toda sorte de distorções, mas não necessariamente capturam o consumo do setor público.

Já o consumo da administração pública, conforme calculado nas contas nacionais, mede aquilo que o governo (federal, estadual e municipal) toma para si em termos dos recursos reais (pessoal, material, serviços, etc). Em 2014 equivalia a R$ 1,47 trilhão; em 2016, R$ 1,45 trilhão, queda inferior a 2%, em período marcado por redução do PIB superior a 7%. Posto de outra forma, o consumo público caiu pouco menos de R$ 24 bilhões; já o PIB despencou R$ 511 bilhões.

Não há como, de forma honesta ao menos, atribuir o colapso ao “desmonte do Estado”. Não se trata de opinião, mas de fatos amparados por mais de um conjunto de estatísticas. Há apenas uma promessa de ajuste, centrada essencialmente na questão previdenciária, que começou a ser debatida em meados do ano passado e pode, ou não, se tornar realidade.

Já o investimento veio em queda livre, e não apenas nos últimos dois anos, mas desde o terceiro trimestre de 2013 (em plena vigência da “Nova Matriz”), acumulando retração de R$ 306 bilhões entre 2014 e 2016 (R$ 365 bilhões na comparação com 2013), o que me parece, de longe, o fator mais importante para explicar o desempenho lamentável da economia no período.

Dentre as múltiplas variáveis que afetaram negativamente o investimento (e não foram poucas) destaco a forte elevação do risco-país, não só porque representa um aumento direto no custo de capital das empresas, mas porque também encarece o dólar (portanto o custo dos bens de capital), e pressiona a inflação e a taxa de juros, cujo impacto sobre o investimento é também negativo.

A evidência empírica sugere que estes efeitos se materializam com defasagem ao redor de 3 trimestres, ou seja, o desempenho do investimento ao final do ano passado refletia um risco-país na casa de 4,5% ao ano observado no primeiro trimestre, resultado da percepção de um governo politicamente morto.

Com a aprovação do teto de gastos e a proposta de reforma da Previdência, porém, temos hoje um risco-país na casa de 2,5%. A austeridade, ainda na fase da promessa, deve, ao contrário do que dizem, impulsionar o investimento e, com ele, o crescimento.

Mais certo do que isto apenas a crença que, quando isto acontecer, não há de faltar gente dançando na ponta de uma agulha para tentar criar fatos alternativos. Vai ser divertido.




(Publicado 15/Mar/2017)

quarta-feira, 15 de março de 2017

Sete anos em três

Vivemos a mais longa recessão da história recente do país: onze trimestres, dos quais o PIB registrou queda em nove (e estagnação nos demais). No primeiro trimestre de 2014 o produto atingiu R$ 1,783 trilhão; no último trimestre do ano passado R$ 1,622 trilhão (-9%), praticamente o mesmo nível observado no terceiro trimestre de 2010. Regredimos, portanto, sete anos em três.

Há quem atribua tal desempenho à austeridade fiscal, principalmente por parte do governo federal. Isso é falso: como divulgado ontem, o consumo do setor público se manteve virtualmente inalterado (R$ 361 bilhões agora contra R$ 365 bilhões no início de 2014). Outras medidas de gastos, no caso do governo federal, incluindo despesas como pagamentos de aposentadorias e pensões, mostram aumento do dispêndio, jamais queda.

Só mesmo apreciável contorcionismo mental poderia atribuir ao ajuste fiscal, sequer iniciado, a queda vertiginosa da atividade econômica, iniciada ainda em 2014.

Por outro lado, o investimento não apenas caiu muito mais do que o consumo público (R$ 97 bilhões no mesmo período), como, na verdade, começou seu colapso já em 2013, não por acaso também o ano em que se iniciou a piora da percepção de risco soberano. O prêmio de risco cobrado do país praticamente dobrou naquele ano, saindo de 1% para 2% ao ano (em dólar), escalada que continuou à medida que a administração Dilma se mostrou incapaz de endereçar o problema do gasto público crescente.

Assim, em janeiro do ano passado empresas que precisassem acessar o mercado internacional de capitais encaravam um prêmio de risco de quase 5% ao ano, o que não apenas encarecia a captação de dívidas novas, mas também deprimia o preço de suas ações, encarecendo também a opção de obter recursos por meio de emissão de novo capital.

Neste contexto a queda de quase 30% do investimento entre seu pico no terceiro trimestre de 2013 (R$ 357 bilhões, já corrigidos pela inflação) e o último trimestre de 2016 (R$ 255 bilhões) não chega a ser uma anormalidade, mas a reação natural de empresas em face de um aumento considerável do custo do seu capital.

Para não deixar dúvidas, a recessão histórica é resultado direto das políticas desastradas adotadas pela administração anterior, em particular no plano fiscal, mas muito agravada pelo intervencionismo excessivo em diversas frentes.

O estrago foi imenso e segue afetando a atividade por meio de suas consequências, como no caso do emprego (com reflexos sobre o consumo), bem como o investimento, por conta da enorme capacidade ociosa criada de 2014 para cá.

Contra este pano de fundo é que espero uma modesta recuperação, expressa em crescimento ao redor de 0,5% para 2017. Como expliquei recentemente este número não é tão ruim como parece, pois equivale a expansão trimestral do produto ao ritmo de 2,5% ao ano, impulsionada pela queda da taxa de juros e redução do risco país.

Não há dúvida que esses desenvolvimentos se amparam principalmente na aprovação do teto para o gasto público e a proposta de reforma previdenciária.


Podemos sair da recessão em 2017, mas apenas se seguirmos no caminho do ajuste fiscal, ainda que lento. Se desviarmos dele, como defendido pelos suspeitos de sempre, corremos o risco de perder outros sete anos.



(Publicado 8/Mar/2017)

segunda-feira, 13 de março de 2017

Vídeo da entrevista à Gazeta Mercantil




http://gmehub.com/br/estudio/14-estudio-gme/172-recuperacao-do-emprego-so-em-2020.html#

terça-feira, 7 de março de 2017

A seta e o alvo

Foi desperdício de tempo e energia discutir a possibilidade de redução da meta para a inflação nos últimos anos. De 2010 a 2016 a inflação média atingiu 6,8% ao ano, bastante superior à meta de 4,5%, registrando seu menor valor, 5,8%, em 2012 e o maior, 10,7%, em 2015. Neste contexto, a única discussão relevante era como fazer a inflação retornar à meta.

Este desafio parece superado, como apontado por expectativas inflacionárias próximas à meta para 2017, bem como para os próximos anos, não apenas pelo que sugere a pesquisa do BC (Focus), mas também pela diferença das taxas de juros nominal (NTN-F) e real (NTN-B), a chamada “inflação implícita”. Volta, portanto, à mesa a possibilidade e a conveniência de redução da meta para a inflação.

Vejo com bons olhos a iniciativa, mas há quem não concorde.

Em geral, os que se opõem à redução da meta preocupam-se com a possibilidade de que a busca por uma inflação menor (digamos, 4%) possa levar a taxas de juros mais elevadas do que as que vigorariam caso se mantivesse o objetivo em 4,5%.

Não me parece ser este o caso, desde que: (a) o BC consiga ancorar as expectativas ao redor da meta, qualquer que seja esta; (b) expectativas sobre a inflação futura afetem a inflação corrente; e (c) o BC siga uma regra de política monetária estabelecendo reação mais que proporcional das taxas de juros com respeito a alterações da inflação esperada (isto é, que o BC obedeça ao que se convencionou chamar de “princípio de Taylor).

Assim, caso o BC seja capaz de ancorar as expectativas, uma redução da meta à frente implicaria também menores expectativas de inflação para o período em questão. Por outro lado, ao fixar preços e salários, empresas e trabalhadores embutem nestes as expectativas acerca do comportamento dos preços, para se protegerem da corrosão de sua renda pela inflação futura. Deste modo, menores expectativas hoje tendem a se traduzir em reajustes mais modestos, isto é, a inflação corrente se reduz em comparação a um cenário em que a meta permanecesse inalterada.

Neste caso, como tanto a inflação corrente quanto a esperada caem, abre-se espaço para corte adicional da taxa de juros. Em particular, se o BC segue o princípio de Taylor acima definido, a queda da inflação deve levar à redução mais do que proporcional da taxa de juros, ou seja, o juro real (Selic menos inflação esperada) no curto prazo cai, estimulando a economia por algum tempo, antes de retornar a seus níveis históricos. Ao final do processo, a taxa Selic cai permanentemente, refletindo a meta mais baixa.

Sob estas condições, portanto, diz a boa teoria que uma menor meta de inflação não apenas implicaria juros mais baixos quando a nova meta passasse a vigorar, como haveria ainda um modesto estímulo por conta de uma queda temporária do juro real.

Isto dito, é necessário saber se as condições (a), (b) e (c) são observadas. Tenho poucas dúvidas sobre a aderência da atual diretoria do BC ao princípio de Taylor (c), bem como sobre a relevância das expectativas para a inflação corrente (b).


O essencial, portanto, é saber se a capacidade de ancoragem do BC com relação às expectativas permanecerá. Há razões para crer que sim, mas a falta de espaço me obriga a finalizar o assunto apenas na próxima semana.

(Publicado 01/Mar/2017)

sábado, 4 de março de 2017

Crime e castigo

Andei investigando crime e policiamento. Em 1.323 episódios cobrindo 119 países descobri que não há relação alguma entre estes fenômenos. O maior caso de sucesso foi a redução do policiamento: em 62,18% dos casos o crime caiu quando isto ocorreu. Em contraste, em apenas 50,75% dos casos em que houve aumento do policiamento o crime caiu, enquanto em 53,45% dos casos em que não se mexeu no policiamento o crime caiu da mesma maneira.

Conclui-se, assim, que gastos com policiamento representam apenas uma transferência de renda para grupos privilegiados. (Segundo Daniel Cerqueira, do IPEA, gastos com segurança pública equivaliam a 5,4% do PIB em 2014, quase 11 vezes o gasto com o Bolsa-Família naquele ano).

OK, já posso parar a brincadeira, torcendo para que nenhum dos 18 leitores tenha desistido ali pelo final do primeiro parágrafo: é óbvio que policiamento tem relação estreita com criminalidade (na verdade duas, e este é o problema).

Não há dúvida que o aumento do policiamento reduz a ação criminosa. No entanto, em geral, mais policiamento não é uma decisão independente da criminalidade: o poder público reage ao aumento dos crimes botando mais polícia na rua.

O pesquisador ingênuo que observa apenas a correlação entre um fenômeno e outro não demora a notar que esta parece ser zero. Há casos em que o crime aumenta quando há mais policiais na rua (espelhando a segunda relação) e há casos em que a elevação do policiamento reduz a criminalidade (a primeira relação), o que leva ao tipo de confusão que descrevi no primeiro parágrafo.

Há momentos, porém, em que os fenômenos ocorrem (quase) como que em laboratório e são por isto chamados de “experimentos naturais”. Tome-se, por exemplo, o acontecido no Espírito Santo, quando a greve dos policiais reduziu seu efetivo nas ruas, não por uma queda de criminalidade, mas por motivo externo (ou “exógeno”). Neste caso houve um grave aumento da criminalidade em resposta à redução “exógena” do policiamento. Em outras palavras nosso “experimento natural” confirma que mais polícia na rua diminui o crime (e vice-versa).

Na verdade, se trocarmos “policiamento” por “taxa de juros” e “criminalidade” por “inflação” temos o “estudo” descrito por Clóvis Rossi em sua coluna deste último domingo. Como na minha investigação fictícia, em muitos casos a taxa de juros cai porque a inflação (esperada) também cai, como hoje no Brasil; em outros casos, a taxa de juros sobe porque a inflação esperada se eleva.

O pesquisador despreparado, que ignora que as relações de causa e efeito correm tanto da taxa de juros para a inflação como da inflação para a taxa de juros, comete o mesmo erro acima: conclui que não há relação entre estas variáveis quando na verdade elas existem.

Não há muitos “experimentos naturais” na área. Uma possível exceção foi a redução na marra da Selic entre 2011 e 2012, que levou à aceleração da inflação logo em seguida. Há também técnicas estatísticas que permitem superar o problema e elas apontam robustamente que aumento do juro reduz a inflação, o que, aliás, foi exatamente o que ocorreu no Brasil ao longo do ano passado.


O que apenas prova outra relação estatística robusta: quem menos entende de um assunto é tipicamente o mais inclinado a dar palpite.



(Publicado 22/Fev/2017)