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terça-feira, 31 de janeiro de 2017

A dominância dominada

Há cerca de um ano as expectativas de mercado para a inflação para 2017 se encontravam ao redor de 5,7% e em trajetória ascendente, atingindo um pico ao redor de 6,0% em março de 2016. Já os dados mais recentes apontam para algo próximo a 4,7%, ainda um tanto superior à meta, mas em nítida queda. Da mesma forma, as expectativas para 2018 e 2019 bateram as máximas no final do primeiro trimestre de 2016, para então recuar até 4,5%, marcando a reconquista da credibilidade do BC no período.

Esta afirmação não significa que a inflação vá seguir exatamente a trajetória acima descrita. Pelo contrário, muito provavelmente isto não ocorrerá. Por mais que bancos centrais calibrem sua política monetária com o maior esmero possível, não há como garantir que em dezembro de cada ano a inflação se encontrará precisamente na meta.

Como há defasagens longas entre a decisão de política monetária e a reação da inflação, eventos imprevisíveis tipicamente a desviam sem que haja tempo para o BC corrigir o rumo ainda dentro do ano calendário. Por exemplo, uma redução inesperada dos preços de combustíveis, digamos, em novembro de um determinado ano faria o IPCA escorregar para baixo da meta no período, independentemente de qualquer ação do BC a respeito.

O que se espera, portanto, sob um regime de metas para a inflação é que esta oscile pouco ao redor do objetivo, isto é, que sua média num horizonte de dois ou três anos fique bastante próxima do valor perseguido, com desvios relativamente modestos em cada período, aumentando a previsibilidade do ambiente econômico.

Com efeito, sob um cenário como este, uma empresa, ao avaliar um projeto de investimento, pode, com mais certeza, presumir que a inflação ficará em torno da meta durante o horizonte deste investimento, não por sorte, mas porque sabe que o BC estará continuamente agindo para contrabalançar eventuais desvios, ajustando a política monetária para compensar os fatores que os provocam.

É neste sentido que se avalia positivamente a reversão das expectativas, por mais que as projeções do Focus tenham demonstrado certa tendência a subestimar a inflação futura. Isto sugere que o BC recuperou a capacidade de ancorar as expectativas, que havia sido perdida – depois de duramente conquistada – pela gestão anterior.

Em conjunto com a queda da inflação observada em 2016 (objeto da coluna da semana passada), e que deve continuar ao longo deste ano, este desenvolvimento representa um sério golpe na tese da “dominância fiscal”. Esta última afirmava que, em face da óbvia deterioração das contas públicas e, consequentemente, da dívida do governo, o BC teria perdido a capacidade de influenciar tanto a inflação corrente quanto as expectativas inflacionárias.

Apontava, em particular, que estaríamos em um mundo onde as relações usuais funcionariam ao contrário, a saber, que a redução da taxa de juros levaria à queda da inflação e vice-versa.

Os fatos, sempre eles, porém, trataram de enterrar a elegante teoria sob toneladas de dados.


Com isto não se pretende minimizar a gravidade do problema fiscal, nem negar que a dominância fiscal possa se materializar caso o problema não seja devidamente tratado. Mas resta hoje pouca dúvida a tese se mostrou equivocada. Melhor sorte na próxima vez.



(Publicado 25/Jan/2017)

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O doloroso aprendizado do óbvio

Houve muita discussão sobre a eficácia da política monetária para reduzir a inflação. Segundo o argumento geográfico, que defende que as relações vigentes no Hemisfério Norte se invertem ao cruzar a linha do equador, não faltou quem afirmasse que a elevação da taxa de juros não resultaria em inflação mais baixa. Uma busca rápida pelo Google revela dezenas de comentários nesta linha, incluindo um prêmio Nobel em Economia, Joseph Stiglitz, que não perde chance de falar sobre assuntos que pouco domina.

Apesar disto, a inflação caiu quase 4,5 pontos percentuais. É verdade que parte da queda reflete a desaceleração dos preços administrados, que subiram 6,6% em 2016 contra 18,5% no ano anterior. Como já notado por Samuel Pessôa, isto colaborou para uma redução de 3 pontos percentuais  no IPCA. Houve, contudo, também queda de 2 pontos da chamada inflação de preços livres, de 8,5% em 2015 para 6,5% em 2016.

Da mesma forma, a média dos “núcleos” de inflação (menos sensíveis a aumentos de preços localizados e não persistentes) recuou de 8,5% para 6,3% no período. Por fim, em que pesem as dificuldades de comparar o comportamento do núcleo de inflação em meses diferentes, nossa análise dos números “limpos” dos efeitos sazonais, sugere queda expressiva da inflação, de 7-8% aa durante a maior parte de 2016 para 4-5% aa nos últimos meses do ano.

É, porém, fato que a queda foi demorada e custosa em termos de atividade. Em parte, creio, porque nenhuma pessoa minimamente informada acreditava na capacidade da administração Dilma de avançar no campo da reforma fiscal. Não que tenhamos 100% de certeza nisto hoje, mas são inegáveis as melhoras nesta frente com a aprovação do teto para a despesa federal, bem como a proposta de reforma previdenciária. Não faltam obstáculos, mas a paralisia política ficou para trás.

Em segundo lugar porque o histórico da diretoria anterior do Banco Central era lastimável. Alexandre Pombini não atingiu a meta em nenhum ano de sua administração, registrando inflação média superior a 7% ao ano em seu mandarinato no BC. Não apenas deu mostras que, em momento algum, buscou a meta de 4,5%, contentando-se o limite do intervalo de tolerância, como tipicamente reagiu lentamente à aceleração inflacionária.

Sua condução desastrada da política monetária contribuiu assim para desancorar as expectativas de inflação, assim como para fazer com que a inflação passada ganhasse maior peso na formação das expectativas. Estes dois desenvolvimentos aumentaram a inércia inflacionária e, por consequência, o custo da desinflação.

É revelador, portanto, que as expectativas de inflação só tenham começado a se mover em direção à meta com a substituição da antiga diretoria por outra que conseguiu convencer a sociedade, por atos, não conversa, acerca de seu compromisso com a convergência da inflação.

As lições que ficam deveriam ser óbvias, mas são sempre negligenciadas.


A política monetária é eficaz para reduzir a inflação, desde que apoiada pela perspectiva de uma política fiscal responsável. Adicionalmente o BC não pode se curvar às pressões políticas e descuidar da inflação, pois o custo de arrumar a casa no futuro se torna muito maior, como aprendemos (ou não!) do jeito mais doloroso possível.



(Publicado 18/Jan/2017)

quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Dentro da caixa

Tempos atrás levantei a hipótese que a equipe responsável pela (agora órfã) Nova Matriz Econômica fora vacinada contra a realidade. Neste fim de semana, ao ler a coluna de Clóvis Rossi,  me convenci que a vacina existe e está sendo aplicada em larga escala.

Rossi está maravilhado com as iniciativas de Donald Trump no campo econômico, em particular as de caráter protecionista, já que estas poderiam se traduzir em aumento de emprego. Em que pese um “mea culpa” meio fajuto (“confesso que já fui favorável a este tipo de medida”), no final da coluna Rossi deixa claro que acredita nesta solução e exorta um político (ou mesmo um “outsider”) a “fugir da corrente majoritária”, já que “o tamanho da crise brasileira pede ousadia e pensar fora da caixa” (anglicismos à parte).

Talvez seja o efeito da vacina, mas esta foi exatamente a política seguida durante o governo Dilma (e parte do governo Lula). Não faltaram iniciativas protecionistas, como, por exemplo, requisitos de conteúdo nacional nas compras da Petrobras, ou imposição de tarifas sobre automóveis importados, ou ainda a nova tentativa (a terceira) de relançar no país a indústria naval. Segundo relatório da OMC, publicado ao final de 2015, o Brasil havia adotado uma medida protecionista a cada 17 dias em média desde a eclosão da crise financeira de 2008.

Não foi, obviamente, apenas esta faceta da política econômica que nos lançou na atual crise (o descontrole fiscal, também cria da Nova Matriz, fez este serviço com muita eficiência), mas não restam dúvidas que: (a) o protecionismo foi testado (e não pela primeira vez, diga-se de passagem); e (b) falhou miseravelmente, como pungentemente iluminado pelos casos da Sete Brasil e da própria Petrobras.

Isto não deveria ser uma surpresa. Ainda que proteção possa aumentar (ou preservar) o emprego em uma dada atividade, há efeitos secundários que tipicamente reduzem o bem-estar para a economia como um todo, seja através de custos mais altos, seja porque recursos fiscais (que poderiam ser mais bem utilizados para outros fins) acabam sendo direcionados para setores pouco eficientes. Não bastasse isto, a repugnância nacional à avaliação de políticas públicas acaba por colaborar com a manutenção de programas que deveriam ter sido eliminados décadas atrás (alguém já ouviu falar da Zona Franca de Manaus, ou a vacina anti-realidade atingiu a perfeição?)

Não se trata, como Rossi escreveu, dos riscos (sic) de “cair numa Venezuela”, mas da certeza que vem do conhecimento da história econômica recente (e não tão recente) do Brasil. Em que pesem tentativas de abrir a economia à competição externa, é fato que permanecemos como um dos países mais fechados ao comércio internacional do mundo, mesmo levando em conta nossa dimensão continental. Já vimos o filme, a reprise, a refilmagem e a série de TV: em todas elas morremos no final.

Não faltou quem pensasse “fora da caixa”. A minúscula inserção do país no fluxo de comércio internacional não aconteceu por azar. Também não foi por acaso que a participação do governo na economia brasileira foge de todos os parâmetros e nos força agora a medidas desesperadas para conter o gasto público.


Um dia irão descobrir que ser ousado no Brasil é pensar “dentro da caixa”.



(Publicado 11/Jan/2017)

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Muro das lamentações

2017 deverá ser um ano melhor do que 2016, principalmente porque, se não fosse o caso, o melhor seria mudar de país. Com queda estimada do PIB ao redor de 3,5% (sobre redução de 3,8% em 2015), inflação pouco inferior a 6,5%, desemprego batendo em 12% e um sentimento de desesperança que parece ter contaminado a todos, o ano que se encerrou foi dos piores da nossa história. Neste sentido, é difícil que 2017 consiga ser ainda pior.

A melhor notícia que temos é o comportamento recente da inflação. Há cerca de um ano prevalecia entre analistas o temor que houvéssemos atingido uma situação de dominância fiscal, isto é, uma deterioração tão significativa das contas públicas que o Banco Central perderia a capacidade de controlar a inflação, pois qualquer elevação da taxa de juros só aumentaria a percepção de descontrole da dívida pública, levando à fuga de capitais e inflação ainda mais alta.

Em retrospecto, não chegamos a tanto (uma das poucas previsões que acertei), talvez porque as medidas de ajuste fiscal, ainda que graduais e com efeito demorado, tenham sido, por ora ao menos, suficientes para convencer o público que a trajetória de endividamento do país não será explosiva.

De qualquer forma, porém, a verdade é que não só a inflação observada começou a cair em resposta à fraqueza da economia (ao contrário do que afirmavam os keynesianos de quermesse), mas também as expectativas de inflação cederam fortemente. A inflação esperada para 2017, que chegou a atingir 6% no começo de 2016, recuou para 4,8%, enquanto a expectativa para 2018 veio de 5,5% para 4,5%.

Com as expectativas de inflação novamente ancoradas, o BC pode agora reduzir as taxas de juros, estimulando a atividade sem ameaçar o cumprimento da meta. O consenso capturado pela pesquisa Focus ainda sugere a Selic ao redor de 10% no final de 2017, mas já há quem aponte um processo mais longo (não necessariamente mais rápido) de redução da taxa básica de juros que poderia nos levar a valores de um dígito ao final do afrouxamento monetário, em particular se for aprovada a reforma da Previdência.

Historicamente reduções da taxa real de juros costumam afetar a demanda interna, especialmente o consumo, com defasagem ao redor de dois trimestres, indicando um efeito mais visível sobre a atividade a partir de meados deste ano.

Ainda assim, o crescimento em 2017 deverá ser baixo, em parte pelo efeito estatístico negativo de 2016. Conforme discutido em coluna recente, caso o PIB do quarto trimestre do ano passado (a ser conhecido no início de março) caia em torno de 0,5%, o carregamento estatístico deverá ser negativo e relativamente elevado (-0,9%).

Isto significa que, para manter o PIB de 2017 igual ao de 2016, seria necessária uma taxa média de expansão trimestral na casa de 1,5% ao ano, enquanto um aumento do PIB da ordem de 0,5% em 2017 precisaria de um ritmo trimestral de crescimento pouco inferior a 2,5% ao ano.

Neste sentido, à parte revisões dos dados passados (ressalva que sempre precisa ser feita), dificilmente observaremos aumento superior a 0,5% este ano.


Posto de outra forma, podemos esperar recuperação lenta da economia, mais vigorosa apenas na segunda metade do ano. Em outras circunstâncias, lamentaríamos; nas atuais, também.

Feels like talking to a wall


(Publicado 4/Jan/2017)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Os estados e a sobremesa

Não é a primeira vez que escrevo sobre a questão estadual. Já em 2009, na forma de uma parábola, argumentava que os estados cujas dívidas haviam sido renegociadas nos anos 90 tinham se beneficiado à custa dos estados mais pobres. Ainda assim, tentavam incessantemente obter novos privilégios, sempre culpando sua dívida por seus problemas.

Isto é, como já afirmei, falso. A dívida total dos estados correspondia a 15,5% do PIB no final de 2001; em outubro deste ano não passava de 11,3% do PIB. Em particular a dívida renegociada nos anos 90 foi reduzida de 11,7% do PIB em 2001 para 8,1% do PIB no mesmo período. Por qualquer ângulo que se examine, o endividamento estadual é bem menor do que era, embora tenha piorado de 2013 para cá.

A deterioração resulta essencialmente do aumento dos gastos do conjunto dos estados. Em 2011 estes atingiram (a preços de 2016) R$ 727 bilhões (11,8% do PIB); já nos 12 meses terminado em junho deste ano alcançaram R$ 835 bilhões (13,4% do PIB), aumento 15% superior à inflação. Dentre estes, a maior contribuição veio do gasto com pessoal, que saltou de R$ 246 bilhões (4,2% do PIB) para R$ 307 bilhões (4,9% do PIB), superando a inflação em nada menos do que 18%.

De forma mais concisa, se os estados se encontram em crise, a culpa é dos gestores que permitiram o descontrole, muitas vezes justificado com base em receitas voláteis, quando não temporárias.

Por outro lado, como se aprende em qualquer livro-texto de Economia, os incentivos importam. Neste sentido, a decisão da Câmara da semana passada de permitir nova rodada de reestruturação das dívidas estaduais sem contrapartida de medidas de ajuste fiscal não é um desastre apenas para a atual administração federal, mas também para todas que virão.

O projeto original previa que, em troca da suspensão do pagamento de suas dívidas por 3 anos, estados teriam que elevar a contribuição previdenciária de seus funcionários de 11% para 14%, adotar regimes previdenciários equilibrados, bem como eliminar incentivos fiscais e tributários, além de uma série de providências para recolocar suas contas em ordem. Nada permaneceu na versão aprovada.

É verdade que o governo federal ainda pode impor estas mesmas exigências para reestruturar as dívidas, mas, na prática, isto obriga a equipe econômica a uma negociação caso-a-caso, não só mais demorada, mas também mais difícil do que seria em um cenário de aplicação de um conjunto de regras gerais definidas a priori. As chances, portanto, que a União tenha, mais uma vez, que subsidiar os estados irresponsáveis (à custa, vale lembrar, dos mais pobres) aumentou ainda mais.

Além disto, ao novamente premiar os infratores, a decisão manda uma clara mensagem para as próximas gerações de governadores (e prefeitos): fiquem à vontade para gastar quanto quiserem; a conta, no final, será empurrada para o conjunto de contribuintes, apenas uma fração dos quais reside no estado.

Não é necessário um grande exercício de imaginação para concluir que este incentivo gera um equilíbrio perverso, em que o gasto de cada estado é maior do que seria sem esta garantia explícita.


Assim como no almoço entre amigos, todos se sentirão à vontade para pedir sobremesa, na crença cega que os demais pagarão por ela.



(Publicado 28/Dez/2016)