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terça-feira, 26 de dezembro de 2017

Pirâmides

Boa parte das dificuldades para explicar a necessidade de reforma da Previdência vem do desconhecimento dos rudimentos do regime previdenciário. Em retrospecto, deveria ter escrito isto antes, mas, já que a reforma não irá ocorrer no atual mandato, podemos deixar pronto para recomeçar a discussão mais à frente. Ainda é possível adiar o encontro com a realidade; fugir dele é outra história.

Imagine um mundo em que há sempre duas gerações: uma jovem, trabalhando; outra mais velha, já aposentada. Há basicamente duas formas de garantir que a geração aposentada possa se manter durante a velhice.

Uma alternativa requer que a geração ativa poupe para seus anos futuros, por exemplo, criando fundos de pensão que investirão os recursos guardados e, quando da aposentadoria, pagarão aos investidores certa renda, que depende da rentabilidade de suas aplicações, bem como de um conjunto de outros parâmetros, como expectativa de vida, idade de aposentadoria, etc. Este regime previdenciário é denominado “capitalização” e são poucos países que o adotam como elemento central para sua previdência.

A outra é um regime de repartição. Sob esta organização, a geração ativa transfere uma parcela de sua renda para a geração inativa, em troca de ser tratada da mesma forma quando chegar sua vez de se aposentar e uma nova geração tomar seu lugar no mercado de trabalho.

O leitor mais atento há de notar alguma semelhança com o esquema de “pirâmides” financeiras, exceto por um elemento crucial: a população de um país ao longo do tempo é, para efeitos práticos, infinita. Sempre haverá uma geração substituindo a outra e o esquema funciona enquanto novas gerações vierem à vida, sob algumas condições.

Caso a proporção entre inativos e ativos fosse sempre a mesma, não seria difícil calibrar o regime para que funcionasse indefinidamente. Ocorre que não é este o caso, nem no Brasil, nem no mundo.

Por um lado as pessoas têm vivido mais. No Brasil a expectativa de vida ao alcançar a idade de aposentadoria tem subido continuamente (em 1980 a expectativa de sobrevida aos 60 anos chegava a 16 anos; hoje atinge 22), o que implica aumento da população aposentada. Por outro lado, a fecundidade tem caído: em 1980 cada mulher dava à luz, em média, 4 filhos; em 2017 esta média já havia recuado para 1,8 nascimentos/mulher. Posto de outra forma, a geração ativa também se tornou menor.

Em consequência de ambos os desenvolvimentos, a relação entre idosos e jovens (também chamada “razão de dependência”) vem caindo subindo e cairá subirá ainda mais no futuro, independentemente do que fizermos, pois o dado demográfico já foi lançado. [Obrigado pela correção, https://twitter.com/RicardoRangel_)

Assim, em 1980 a razão de dependência apontava uma população acima de 60 anos equivalente a 11% da população em idade ativa (de 15 a 59 anos); já em 2020 se espera que esta proporção se eleve para quase 21%, chegando a 52% em 2050.

A previdência no Brasil já é desequilibrada hoje, não só pela demografia, mas também pelos privilégios de categorias que se aposentam em condições muito mais favoráveis, sem contrapartida de contribuições equivalentes na ativa.


Caso os parâmetros do regime não sejam corrigidos, o que parecia ser uma pirâmide se tornará um monumento real aos faraós que hoje lutam – e com sucesso! – para manter suas regalias.

Pirâmides



(Publicado 20/Dez/2017) 

terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Barbooosa, o destruidor

nelson barbosa ficou chateado com minha última coluna. Acha que é perseguição pessoal. Sinto decepcioná-lo, mas, como diria Michael Corleone, “it’s not personal; it’s strictly business”. O fato é que barbosa tem sido porta-voz ativo de um conjunto de ideias particularmente destrutivo; meu papel é apenas apontar isto, principalmente quando barbosa finge que não tem nada a ver com a crise pela qual passamos.

Além de ministro no governo Dilma, quando, em meio à dramática recessão da qual apenas recentemente emergimos (apesar de sua garantia em 2015 que seria rapidamente superada), se gabava de ter feito a maior contingenciamento de gastos da história, barbosa esteve diretamente implicado na experiência da assim chamada Nova Matriz Econômica, NME.

A NME se manifestou em várias dimensões. Do lado fiscal transformou um superávit primário recorrente (isto é, sem “pedaladas”, receitas extraordinárias, etc.) da ordem de 2% do PIB no triênio 2006-2008 em déficit de 1,2% do PIB já em 2014, por força de aumento dos gastos primários e desonerações injustificadas, sem qualquer elevação do investimento público, muito pelo contrário.

As desonerações, aliás, tiveram efeitos ainda piores do que apenas a deterioração das contas públicas. Como basicamente foram concedidas na base de quem gritava (ou chorava) mais, incentivou o comportamento de
caça à renda (rent-seeking), cujos efeitos negativos sobre o crescimento da produtividade explorei em outra coluna.

Já a política microeconômica conseguiu ser ainda pior do que a macro. Regras de conteúdo nacional, a nova tentativa de recriar a indústria naval, a política de créditos subsidiados do BNDES, os estímulos à compra de caminhões, a gestão desastrada do setor petrolífero, a intervenção no setor elétrico, a devastação do setor sucroalcooleiro compõem uma amostra parcial das iniciativas de políticas setoriais adotadas enquanto barbosa ocupava diferentes cargos na alta hierarquia do ministério da Fazenda.

À luz desse impecável currículo, seria de se esperar que barbosa, agora afastado (ainda bem!) de qualquer cargo de responsabilidade pela condução da política econômica, examinasse sua extensa capivara de equívocos e tentasse aprender algo de útil.

Não foi o caso.

Ele segue como defensor das mesmas políticas que nos levaram à crise. Em artigo recente, por exemplo, defende liberar R$ 18 bilhões. Por outro lado, apoia aumento da tributação e invoca artigo de Alberto Alesina, o qual, suspeito, não deve ter lido mais do que o resumo, visto que nele se afirma que ajustes baseados em cortes de gastos têm efeitos recessivos moderados e de pouca duração, enquanto aqueles que se amparam em elevações de impostos apresentam efeitos recessivos mais profundos e persistentes.

Mais recentemente reclama da velocidade de recuperação da economia, a mesma recuperação que jurava ser impossível por força do “austericídio”, e recomenda... aumento de gastos, seu elixir de óleo de cobra para qualquer ocasião.


Tais ideias têm que ser combatidas e se barbosa resolveu ser seu arauto, seria bom também se acostumar com as críticas, em particular sobre sua competência para educar qualquer um, que está severamente comprometida por sua visível incapacidade de aprender com seus próprios erros.

Alesiiiinaaa...


(Publicado 18/Dez/2017)

Barbooosa e a recuperação proibida

O ex-ministro da Fazenda, nelson barbosa, lamenta em coluna publicada aqui na Folha a baixa velocidade de recuperação do país na saída da crise, aquela mesma recuperação que afirmava não ser possível sob a política econômica adotada depois de sua saída do ministério, e aquela mesma crise que resultou das escolhas de política econômica que subscreveu durante sua longa estadia como secretário também na Fazenda.

Considerando que em janeiro de 2015 ele previa uma saída rápida da recessão, projeção que voltou a repetir em setembro daquele ano, ecoando, aliás, promessa de 2013, deve estar mais do que claro que não levo a sério qualquer pronunciamento seu. De qualquer forma, sua conhecida honestidade intelectual serve de mote para entender o que vem acontecendo com o país.

Por exemplo, dentre os lamentos de barbosa destaca-se sua “surpresa” com a lentidão, dado que “o cenário internacional se tornou bem mais favorável ao Brasil desde 2016”. De fato, o FMI estima crescimento global no biênio 2016-2017 de 3,2% e 3,6%, respectivamente, que se compara a crescimento de 3,4% em 2015 e o supracitado 3,2% em 2016. Já preços de commodities, em que pese melhora recente, são ainda 5% inferiores àqueles que barbosa encontrou quando se tornou ministro do Planejamento em 2015, enquanto as taxas de juros mundiais são hoje um pouco mais elevadas do que eram naquele momento.

A verdade é que o cenário global, de maneira geral positivo, não é tão distinto daquele vigente durante a recessão.

Por outro lado, atribui a recuperação proibida à reversão do contingenciamento, adotada em agosto deste ano, muito embora a inflexão da economia tenha ocorrido já no último trimestre do ano passado. Como sempre, para barbosa, é o gasto público que impulsiona a economia, mesmo quando os dados da execução fiscal do governo apontem exatamente o contrário.

Por fim, muito embora tenha de mostrado cético quanto à capacidade das menores taxas de juros estimularem a retomada, afirma que “o BC demorou em reduzir a Selic diante da queda abrupta da inflação, e isso elevou excessivamente nossa taxa real de juro no início de 2017”. Já os dados mostram a taxa real de juros caindo de pouco menos de 7% aa no último trimestre de 2016 para 5,5% no primeiro trimestre deste ano, 4,5% no segundo, pouco menos de 3,5% no terceiro e cerca de 3% no quarto, feito que ajuda a explicar o crescimento do consumo, apesar do ceticismo de barbosa.

Isto dito, é óbvio que a retomada da economia tem sido lenta, ponto que tenho feito repetidas vezes aqui neste espaço, bem como em outros. Em boa parte isto de seve à própria profundidade da crise, que criou imensa capacidade ociosa, fenômeno que deve manter o investimento baixo ainda por alguns anos.

A outra questão é a incerteza fiscal. Ao contrário, porém do que barbosa argumenta (o medo da austeridade renovada seguraria o investimento), é  o receio do abandono prematuro do ajuste fiscal à luz do quadro eleitoral para 2018 que leva investidores a evitarem se comprometer em prazos mais longos.


Se gasto público gerasse crescimento o Brasil seria uma nação próspera e barbosa o ministro da Fazenda. Tolerar barbosa como ministro seria preço baixo a pagar pela prosperidade, mas a realidade costuma prevenir este tipo de absurdo.

I wish...


(Publicado 13/Dez/2017)

terça-feira, 12 de dezembro de 2017

Para celebrar, sim

Em comentário no Twitter, Marcelo Rubens Paiva compara festejar o crescimento de 0,1% no terceiro trimestre a “comemorar um jogo que termina 0x0, mas teve uma bola na trave”. Esperaria de um escritor algo mais original que outra metáfora futebolística, mas acredito que há bons motivos para, sim, celebrar o número divulgado semana passada pelo IBGE.

A começar porque não veio sozinho. O IBGE revisou as estimativas do desempenho da economia no primeiro trimestre (de 1,0% para 1,3%) e no segundo (de 0,3% para 0,8%), revelando uma economia bem mais dinâmica do que se imaginava. Ao longo dos 3 trimestres a economia cresceu a uma velocidade média próxima a 3% ao ano.

Com isto, o crescimento em 2017 deve atingir pouco mais do que 1%, desempenho que ainda deixa a desejar, mas muito melhor do que se esperava no começo do ano e o mais vigoroso desde 2013.

Noto ainda que o desempenho do terceiro trimestre foi negativamente afetado pela agropecuária, que registrou queda de 3% no período. Já a indústria cresceu 0,8% no trimestre, enquanto o setor de serviços, de longe o maior, registrou a terceira marca consecutiva de expansão, 0,6%, sinal inequívoco de recuperação. Em particular, dentro do setor industrial, a indústria de transformação também se expandiu por três trimestres consecutivos, algo que não se observava desde meados de 2011, desmentindo a historinha de “câmbio fora do equilíbrio” a impedir a recuperação do setor.

No conjunto da obra, 8 dos 12 setores seguidos pelo IBGE registraram crescimento, ou seja, a recuperação não decorre de uns poucos segmentos, mas da maioria deles.

Analisando o resultado pelo prisma da demanda, há pelo menos outras duas boas notícias. Em primeiro lugar o consumo voltou a subir e, como nos dois exemplos acima, pelo terceiro trimestre em seguida, o que não se via desde 2013, tendo aumentado 1,2% no período de julho a setembro comparado ao trimestre imediatamente anterior.

Havia quem defendesse que a elevação do consumo no segundo trimestre só fora possível por conta da liberação das contas inativas do FGTS e que, portanto, passado este efeito, o consumo desaceleraria. Pelo contrário, o ritmo se manteve forte, sugerindo que a expansão tem bases mais permanentes, a saber, o aumento da renda do trabalho (pouco mais de 4% no ano) e a queda da taxa real de juros.

Ainda pela ótica da demanda, registrou-se também a primeira variação positiva do investimento (1,6%) depois de nada menos do que 30% de queda e 15 trimestres consecutivos de contração, iniciados no quarto trimestre de 2013. Ainda se trata, é claro, de um nível reduzido (15,5% do PIB nos últimos 12 meses), mas a inflexão é mais do que bem-vinda.

Com base nestes resultados, se não fizermos nenhum grande bobagem em 2018, poderemos ver a economia crescendo ao redor de 3%, ainda não o desempenho dos sonhos, mas bastante decente à luz da crise pela qual o país passou com o fracasso da Nova Matriz.

Se é para manter a desgastada metáfora, o time está invicto há 3 jogos, depois de ter apanhado por 8 em seguida e ido parar na zona de rebaixamento.


Mais interessante, voltou a ganhar apesar de os técnicos demitidos (por incompetência) jurarem que o esquema atual jamais funcionaria. Só isto já é motivo de sobra para muita comemoração.



(Publicado 6/Dez/2017)

terça-feira, 5 de dezembro de 2017

O Cobrador

A história é provavelmente apócrifa e há relatos semelhantes com outras pessoas, mas, como aprendi com Neil Gaiman, uma história não precisa ter ocorrido para ser verdadeira.

De qualquer forma, conta-se que Milton Friedman, em visita à China, teria perguntado o porquê de, em determinada construção, trabalhadores usarem pás ao invés de máquinas, ao que o burocrata que o acompanhava teria respondido que se tratava de um programa de empregos, motivando o seguinte comentário: “Ah, achei que vocês estavam construindo um canal; se querem emprego, vocês não deveriam dar aos trabalhadores pás, mas colheres”.

Digo isto, claro, a propósito da decisão da Câmara Municipal do Rio de eliminar a figura do motorista-cobrador, comemorada por luminares da esquerda como Marcelo Freixo. Embora o pretexto tenha sido garantir “menos estresse ao motorista e mais segurança na condução do veículo”, a lógica por trás da proposta era a velha proposta ludita, igual, em espírito, por exemplo, à do deputado (e ex-ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação!), Aldo Rebelo, que proíbe bombas de autosserviço em postos de gasolina.

A ideia, que permeia tipicamente o “pensamento” de esquerda, é que avanços da produtividade resultariam em redução do nível de emprego, apesar de evidências avassaladoras em contrário.

Aproveitando, por exemplo, a base de dados do Banco Mundial, que permite comparações não apenas entre países distintos, mas também em diferentes momentos, noto que o produto norte-americano por trabalhador entre 1991 e 2016 aumentou nada menos do que 47% (em média pouco mais do que 1,5% ao ano). Caso a relação entre emprego e produtividade fosse como a sugerida acima, tal desenvolvimento deveria implicar aumento maciço do desemprego.

Ao contrário, porém, durante esse período o emprego cresceu 33% (36% no caso do emprego privado), enquanto a taxa de desemprego caiu de 7% para 5%. Muito embora a comparação ponto a ponto não esgote o assunto, não há qualquer tendência crescente da taxa de desemprego nos EUA; pelo contrário, em que pesem flutuações cíclicas consideráveis (como na crise de 2008-09), se há alguma tendência, é de leve queda do desemprego, independentemente da particular medida que se escolha.

Já no Brasil os desenvolvimentos não foram dos mais auspiciosos: o produto por trabalhador no mesmo intervalo aumentou 16% (0,6% ao ano); usando dados até 2013, desconsiderando os anos de recessão, o avanço fica em 24% (1,0% ao ano).  Dentre as 230 economias (países e regiões) listadas, éramos a 89ª em termos de produto por trabalhador em 1991, mas caímos para 112ª posição em 2016 (105ª em 2013)

O Brasil tem um sério problema de produtividade, que vem se agravando, mesmo antes da recessão mais grave da história recente. Obviamente isto não se deve exclusivamente à obrigatoriedade de frentistas (ou cobradores), mesmo quando desenvolvimentos tecnológicos tornam obsoletas estas funções.

No entanto, a reação dos setores afetados pelas mudanças tecnológicas e a rapidez com que políticos, principalmente dentre os autodenominados “progressistas”, abraçam estas causas perdidas colaboram, e não pouco, para a perda persistente de competitividade na arena internacional.

Mas querem, em compensação, controlar câmbio e juros...




(Publicado 29/Nov/2017)

terça-feira, 28 de novembro de 2017

A janela se fecha

A calma do mercado financeiro esconde uma preocupação séria. Muito embora o Banco Central tenha reduzido a Selic a 7,5% e praticamente prometido que chegará a 7% no final do ano, nível mais baixo da história, o mercado de renda fixa tem apontado na direção de juros bem mais altos à frente.

Para entender esse aparente paradoxo, considere um exemplo simples. Imagine que uma investidora possa aplicar seu dinheiro por um ano (e reaplicá-lo no ano seguinte), ou fazer uma aplicação diretamente por dois anos. Vamos admitir que ela saiba que a taxa de juros será, com certeza, 5% no primeiro ano e 10% no segundo. Assim, uma aplicação de R$ 100 valeria R$ 105 ao final do primeiro ano e R$ 115,50 no segundo.

A alternativa sob tais circunstâncias, o investimento por dois anos, não pode render menos do que R$ 115,50 (senão jamais será escolhido), nem mais (senão o tomador de dinheiro preferirá fazer a operação em dois passos). É fácil concluir, portanto, que uma aplicação por dois anos requer uma taxa de juros equivalente a 7,5% aa, que gera este exato valor.

Na prática as coisas não são tão simples, a começar porque não sabemos toda sequência de taxas de juros de curto prazo ao longo de períodos mais extensos. Imagine agora que a taxa de juros do segundo período possa ser 10% ou 15% (cada qual com 50% de chance). Agora o valor esperado do investimento é R$ 118,125 (0,5xR$115,50 + 0,5xR$120,75), ou seja, a taxa de juros para dois anos subiria para 8,7% aa, sob a suposição que nossa investidora seja neutra com relação a risco. Se não gostar de correr riscos, pedirá um pouco mais, talvez 9% aa para aplicar por dois anos.

Hoje vemos um caso semelhante. A taxa de juros para uma aplicação de um ano é pouco superior a 7% aa, enquanto a taxa de juros para cinco anos se encontra ao redor de 10% aa. Interpretado à luz do exemplo acima, isto sugere que o mercado de renda fixa embute expectativas de um aumento considerável das taxas de juros nos próximos anos, chegando a 11% aa, mesmo com as expectativas de inflação bem comportadas.

A elevação da taxa de juros ao longo de 2019 não é exatamente uma surpresa. Embora a Selic deva mesmo cair e continuar baixa em 2018, pelo menos, à medida que a inflação retorne à meta e a economia se aproxime do pleno emprego, é natural que a taxa Selic também suba. O problema, no caso, é que – de acordo com as melhores estimativas hoje disponíveis – com uma meta de inflação de 4%, a Selic deveria atingir perto de 8% aa, não 10% ou 11%, como implicado no mercado de renda fixa. Por que tamanha diferença?

Prêmios de risco crescentes podem explicar o fenômeno, ao menos parcialmente, refletindo a incerteza que cerca a trajetória de juros depois de 2018.

Uma explicação alternativa (mas não excludente) sugere que, na ausência de um ajuste fiscal consistente, tanto a inflação tenderia a subir mais, como a taxa real de juros necessária para combater este fenômeno também teria que ser mais alta. Em outras palavras, é o medo do futuro que empurra o juro longo para cima.

A incapacidade do atual governo de aprovar reformas essenciais e o receio acerca do comprometimento de futuras administrações com o ajuste começam a cobrar a conta. Não perdemos jamais a oportunidade de perder uma oportunidade.




(Publicado 22/Nov/2017) 

terça-feira, 21 de novembro de 2017

E o dólar?

Nos últimos 12 meses o país acumulou um saldo comercial recorde, US$ 68 bilhões. O aumento do resultado comercial tem sido o principal fator (embora não o único) para a redução do déficit nas transações com o resto do mundo – que incluem, além da balança comercial, o resultado de serviços, bem como o pagamento de juros e dividendos, entre outros – de US$ 104 bilhões em 2014 para pouco menos de US$ 13 bilhões nos 12 meses terminados em setembro deste ano.

É bem verdade que tanto em 2015 quanto em 2016 esse fenômeno resultou da forte queda das importações, efeito colateral da maior recessão da história recente do país. No entanto, o desempenho a partir de final do ano passado apresenta natureza distinta: as exportações voltaram a crescer, de algo como US$ 186 bilhões nos 12 meses terminados em junho de 2016 para quase US$ 216 bilhões nos 12 meses até outubro de 2017.

Da mesma forma, importações também ganharam fôlego, embora menor: saíram de um mínimo de US$ 136 bilhões em novembro do ano passado para US$ 148 bilhões em outubro, isto, lembremos, em contexto de melhora, ainda que discreta, da atividade doméstica.

A combinação de um balanço de pagamentos em melhor forma (mesmo com a atividade em alta) e inflação em queda sugere que a taxa de câmbio está bem alinhada a seus fundamentos, apesar das reclamações persistentes daqueles para quem o preço do dólar está sempre 30% abaixo de seu “valor justo” (perdão, a expressão agora é “taxa de câmbio de equilíbrio industrial”, embora o significado prático seja exatamente o mesmo, isto é, nada).

Posto de outra forma, considerada a atual constelação de preços de commodities, crescimento do comércio global e condições de liquidez internacional, a sempre tão criticada taxa de câmbio não é um obstáculo à recuperação, muito pelo contrário.

De fato, no caso da indústria automobilística, por exemplo, o aumento das exportações líquidas tem sido o principal fator de impulso à produção doméstica. Já no que se refere à indústria como um todo, há também indicações de que maiores exportações de manufaturas têm desempenhado papel relevante na recuperação do setor, 4% de alta desde outubro de 2016.

A desvalorização recente da moeda nacional, ainda modesta, reflete mais a percepção (correta, a propósito) que, depois de um bom início, o ímpeto reformista do governo Temer vem perdendo momento. Talvez não por acaso, o dólar começa a se aproximar do valor registrado no momento de eclosão do escândalo da JBS, quando, ao que parece, houve o entendimento que reformas do porte da previdenciária estavam fora do alcance da atual administração.

Aos poucos vai caindo a ficha que a situação fiscal é muito mais delicada do que se supõe. A falsa sensação de calma só torna ainda mais remota a tomada de ações corretivas e é o que mais me deixa preocupado com nosso futuro imediato.

*

Tenho a honra e o prazer de conhecer William Waak e acredito que a coluna de Demétrio Magnoli no sábado passado é a melhor análise deste episódio lamentável. A frase é, de fato, abominável, mas tenho certeza que William está longe de ser racista, e certeza ainda maior da hipocrisia de vários de seus críticos, que em face de manifestações semelhantes se calaram por razões de conveniência político-partidária.



(Publicado 15/Nov/2107)

terça-feira, 14 de novembro de 2017

No país das Luislindas

O artigo 37, inciso XI, da Constituição Federal estabelece um teto salarial para o funcionalismo: “o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal”. Apesar disto, a ministra dos Direito Humanos, Luislinda Valois, foi manchete de vários jornais por conta de seu requerimento à Casa Civil, pedindo que fosse somado à sua aposentadoria como desembargadora (R$ 30,5 mil/mês) também o salário integral de ministra (R$ 30,9 mil/mês), o que traria seu ganho mensal para R$ 61,4 mil/mês, ultrapassando, em muito, os vencimentos dos ministros do STF (R$ 33,7 mil/mês).

O “argumento” da ministra (entre outros de validade tão duvidosa quanto se “vestir com dignidade”), é que, devido ao teto, seu trabalho no ministério acrescenta “apenas” R$ 3,3 mil/mês a seu rendimento, o que, no seu imparcial entendimento, configuraria trabalho análogo à escravidão, pois, “todo mundo sabe que quem trabalha sem receber é escravo”.

Noto somente que o rendimento adicional da ministra supera, com folga, a média de todos os trabalhadores brasileiros, R$ 2,1 mil/mês, e equivale à média da categoria com maior rendimento, o funcionalismo. Da mesma forma, não podemos deixar passar que ninguém a forçou a assumir um ministério; neste sentido, sua decisão se equipara à de milhares de pessoas que se dedicam ao trabalho voluntário, sem receber nada, e que, certamente, não se consideram escravos.

Não é esse, porém, o ponto central da coluna, por mais escandalosa que seja sua postura. Em parte porque o fiasco de seu pedido – consequência da exposição à mídia –é a exceção, não a regra, em casos como estes. Em agosto deste ano houve também notícias sobre juízes cujos vencimentos superavam o teto constitucional, por força de vantagens eventuais, indenizações e demais penduricalhos que, por entendimento, vejam só, da própria justiça, não estariam sujeitos a limitação do teto. E, diga-se de passagem, uma breve busca pelo Google nota casos similares em 2016, 2015, 2014...

Mais relevante ainda é que tais casos ainda não correspondem, nem de longe, à totalidade dos privilégios que tipicamente são conferidos pelo setor público a grupos próximos ao poder.

A triste verdade é que a sociedade brasileira se tornou, e não de hoje, prisioneira de um círculo vicioso de caça à renda (a melhor tradução que vi para rent-seeking).

“Renda”, no sentido econômico do termo, representa a remuneração a algum insumo acima do valor que seria necessário para mantê-lo empregado nas condições atuais. Parece abstrato, mas os exemplos abundam: de licenças para táxis (um caso bastante atual, a propósito) à proteção contra concorrência internacional, passando por subsídios e toda sorte de privilégios.

A caça à renda representa um imenso jogo de rouba-monte, com o agravante que sua prática contribui para reduzir o tamanho do monte, pois recursos reais da sociedade são utilizados para este fim e não para a produção, além de tipicamente favorecer setores menos produtivos. Embora possa enriquecer alguns de seus participantes, este jogo empobrece as sociedades que o praticam.


Curioso mesmo, porém, é como economistas autodenominados “progressistas” se engajam facilmente na defesa da caça à renda. Eu já passei da idade de achar que se trata apenas de ingenuidade.



(Publicado 8/Nov/2017)

terça-feira, 7 de novembro de 2017

A recessão acabou: e daí?

Na semana passada, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos anunciou que a recessão iniciada no segundo trimestre de 2014 se encerrou no quarto trimestre de 2016 (11 trimestres), não só a mais longa desde 1980 (empatada com a observada entre 1989 e 1992), como também a associada à maior queda de produto, 8,6%, um pouco pior do que a registrada durante a crise da dívida, de 1981 a 1983.

Isso significa que a economia, que vinha em processo de encolhimento a partir de meados de 2014, interrompeu sua queda e voltou a crescer moderadamente, uma boa notícia, mas que precisa ser qualificada.

Assim como inflação mais baixa denota preços subindo mais vagarosamente (e não preços em queda; fenômeno que chamamos de deflação), o fim da recessão não equivale a dizer que a economia está pujante; apenas que parou de piorar.

Dados do segundo trimestre deste ano, já com alguma melhora, dão uma ideia de quanto ainda falta para a recuperação: o PIB ainda se encontra 7,5% (R$ 132 bilhões) abaixo do observado no primeiro trimestre de 2014, enquanto a demanda doméstica (consumo das famílias, investimento e consumo do governo) caiu quase 11% (R$ 197 bilhões) no período, valor apenas parcialmente compensado pelo aumento do superávit nas transações com o resto do mundo.

Já o desemprego, ajustado à sazonalidade, se encontrava em 12,8% no segundo trimestre de 2017, contra 6,7% no primeiro trimestre de 2014, associado à perda de quase 1,6 milhões de postos de trabalho neste intervalo, lembrando que ao longo do período a População em Idade Ativa aumentou em 7,3 milhões de pessoas, enquanto a População Economicamente Ativa cresceu 5,4 milhões.

Considerando que o crescimento potencial do país seja algo da ordem de 2,2% aa, conforme mencionamos em coluna recente, seriam necessários quase 9 anos de expansão a 3,5% aa para que voltássemos ao nível de produto potencial do país, ou pouco menos de 7 anos, caso nosso crescimento médio retomasse o ritmo de 4% aa observado durante o longo ciclo positivo de preços de commodities, entre 2004 e 2011. Pela ótica do desemprego, mesmo sob os ritmos de expansão acima considerados, precisaríamos de 6 a 8 anos para retomar os níveis vigentes antes da recessão.

Resumindo, muito embora a recessão tenha ficado para trás, a “sensação térmica” da economia ainda se encontra distante daquilo que deixaria famílias e empresas em condição mais confortável. E, mesmo com a provável aceleração do ritmo de crescimento no final deste ano e ao longo do ano que vem, será difícil superar tal sensação.

A verdade é que o estrago da Nova Matriz, pobre órfã, foi muito profundo. Parte do dano foi reparada, em particular do lado regulatório, onde houve boas iniciativas (a transição para a TLP, a gestão da Petrobras, retomada dos leilões para exploração de petróleo, para citar apenas algumas), mas há consequências muito mais duradouras do lado fiscal, cuja reversão tem se mostrado extraordinariamente difícil, sugerindo se tratar de tarefa que alcança bem mais do que um mandato presidencial.


Tendo obtido sucesso moderado ao estancar a recessão, precisamos agora melhorar a sensação térmica, limpando de vez o legado desastroso da Nova Matriz e, principalmente, ignorando conselhos dos pais (ausentes) deste desastre.



(Publicado 1/Nov/2017)

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Do "Por Quê?"

Elvis não morreu. Encontrei-o no Senado ontem.
Convidei-o para tomar uma cachaça. É difícil de acreditar, mas ele recusou. Não bebe nem cheira mais. Virou especialista em contabilidade. Acompanhou-me ao bar e pediu um copo de água sem gelo. Elvis me garantiu:
— É possível afirmar, com convicção, que inexiste déficit da Previdência Social ou da Seguridade Social.
Explicou-me que quando o Tribunal de Contas da União (TCU), usando metodologia reconhecida, aponta um déficit de 226 bilhões de reais em 2016, está apresentando apenas uma abstração.
— Você já viu 226 bilhões de reais? Lembra o apartamento do Geddel? Eram malas e malas e só tinha uns 50 milhões. Atenção: milhões, não bilhões. Estou lhe dizendo: não existem 226 bilhões de reais. Nem você nem ninguém vai me provar o contrário.
Achei que fazia sentido. Eu, por exemplo, nunca vi mais do que 20 mil reais na minha conta… E isso foi quando recebi a herança da tia Cotinha, que Deus a tenha.
Mas fiquei intrigado. Por que então o governo, a imprensa, o TCU, as instituições internacionais, praticamente todos os economistas batem na tecla da necessidade de reformar a Previdência?
Já ouvi por aí que o gasto da Previdência estaria crescendo e iria sufocar outras despesas. E que o Brasil gasta com Previdência o mesmo que países muito mais velhos.
Elvis explicou-me:
— Conspiração! São as mesmas pessoas que insistem que eu morri. Não sei as intenções… Talvez queiram vender planos de Previdência privada! O boato de meu passamento foi para vender seguros de vida… Aumenta 10% a venda de apólices sempre que a mídia sugere que não estou vivo!
É um ângulo interessante. Faz algum sentido.
— Os poderosos querem fazer as pessoas acreditarem que a morte é inevitável. É uma mentira milenar! Sustenta igrejas, especuladores de terras, cemitérios. A indústria de caixões movimenta bilhões de dólares todo ano. E olha eu aqui, 82 anos, mesma aparência que tinha em 1960! Eu disse “não” aos mentirosos e aqui estou.
Entendi, pela primeira vez em minha vida: a morte não é inevitável. Basta olhá-la nos olhos e dizer “você não existe”. Aos alarmistas de sempre: o déficit da Previdência não existe.
Lembrei-me das minhas aulas de sociologia. O déficit é uma construção social, como a aritmética. Certamente não foi criado para melhorar a vida das pessoas – ao contrário! Quais os interesses escondidos? Dominação por extraterrestres? Ou meramente eles… os ianques!?
Eu sei que você não deve estar acreditando em mim. Negar o déficit da Previdência parece algo absurdo. Afinal, a aritmética não nega. É também um erro arriscado. Já vimos como o Rio de Janeiro está sofrendo em grande parte por causa dos custos da aposentadoria dos servidores lá. Ok, admito, não vou insistir em convencê-los de que o déficit não existe.
Mas que eu encontrei o Elvis… juro que encontrei.

Na contramão

Decidi que irei subir a Haddock Lobo na contramão. As disposições da CET não devem ser consideradas, pois contrariam a Constituição Federal, artigo 5º, inciso XV, que estabelece a liberdade de locomoção. Aliás, a Declaração Universal de Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário, deixa claro que toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção, o que reforça a minha interpretação da CF e me libera automaticamente de todas as multas que possam ser aplicadas.

Concordam? Desconfio que não.

Não bastasse o absurdo generalizado do primeiro parágrafo, a verdade é que, muito embora eu possa interpretar a CF da maneira que quiser, a única instituição capaz de fazer valer sua própria interpretação do texto constitucional é o Supremo Tribunal Federal. Podemos gostar (ou não) da hermenêutica do STF, mas a palavra final, conforme estabelecido pelo regramento básico do país, é dele, não minha, nem de qualquer outra pessoa, ou instituição.

Isto é óbvio, claro. No entanto, recentemente a Anamatra (Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho) orientou seus filiados a não obedecer às mudanças estabelecidas pela reforma trabalhista (lei 13.467/2017) aprovada este ano pelo Congresso Nacional, e que deverá entrar em vigor no dia 11 de novembro. Segundo alguns juízes, preceitos da lei contrariariam a Constituição, bem como acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário.

Isso dito, trata-se apenas de opinião de juízes (e, em alguns casos, procuradores) da Justiça do Trabalho. Posso estar perdendo algo, mas, até onde sei, nenhum deles faz parte do STF, e, mesmo se fizessem, não houve nenhuma manifestação do Supremo quanto à constitucionalidade da lei. Sua opinião a respeito vale, do ponto de vista jurídico, tanto quanto a minha acerca de conduzir meu carro sem consideração pelas regras de trânsito, ou seja, nada.

Fosse este um caso único, o dano ainda poderia ser limitado, ainda que a incerteza apenas em torno do mercado de trabalho ainda possa fazer um estrago considerável. O problema, porém, não se resume a um exemplo solitário. A incerteza jurídica, ou melhor, institucional, é pervasiva no país, abrangendo do mercado de trabalho à questão ambiental, passando por quebras de contratos em setores privatizados, ou concedidos à iniciativa privada, entre outros.

Não se trata simplesmente de termos regras ruins; em tal caso o investidor incorpora a regra ao seu planejamento e preços refletem sua qualidade. Em muitos casos, porém, não há como saber ao certo se as regras acertadas entre as partes (boas ou ruins) serão devidamente aplicadas. Neste contexto não há como investidores – e notem que aqui pouco me preocupa se falamos de nacionais ou estrangeiros – determinarem taxas esperadas de retorno, porque estas dependem do conjunto de normas efetivamente vigente, desconhecido no caso.

O resultado é pouco investimento e baixo crescimento, em linha com a teoria econômica, que aponta para a qualidade das instituições como o fator determinante da prosperidade, proposição corroborada pela evidência empírica disponível.


À luz do desempenho nacional dos últimos 40 anos (crescimento de 1% aa da renda per capita), o que parece uma teoria abstrata se torna subitamente uma realidade para lá de dolorosa.

Fazendo valer meu direito constitucional


(Publicado 25/Out/2017)