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quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

As mancadas do ministro

Parece que pego no pé (ou seria na “perna manca”?) do ministro da Fazenda, mas, asseguro, trata-se da mais pura verdade. Penso às vezes que não deveria ser assim, até por gratidão. Eu começo a me torturar sobre o tema de uma coluna assim que termino de escrever a anterior; é apenas a presença do ministro que alegra minh’alma com a certeza que, graças a ele, não me faltará assunto.

No caso, a contribuição ministerial para a análise desta semana é uma gema em estado bruto. Segundo ele, o desempenho sofrível da economia (aquele mesmo que ele não previu, contaminado por um otimismo de fazer o Dr. Pangloss enverdecer de inveja) se deve a “duas pernas mancas”: o escasso financiamento ao consumo e a fraqueza da economia internacional.

Isto mostra que, conforme o esperado, ele ainda não compreendeu a natureza da desaceleração da economia brasileira e que, portanto, continua tratando a doença com remédios errados. Diga-se, aliás, que este deve ser o principal motivo de sua internacionalmente reconhecida falta de pontaria nas previsões. Se o diagnóstico está equivocado, só com muita sorte a previsão poderia dar certo.

As ações de política econômica revelam – até mais do que as inúmeras entrevistas do ministro – que o governo atribui à insuficiência de demanda os números medíocres de crescimento observados desde 2011. De fato, medida após medida, o que observamos são novos estímulos ao consumo, restrições às importações e tentativas canhestras de ressuscitar o investimento com doses maciças de créditos subsidiados. Pouco, em contraste, tem sido feito no sentido de buscar aumentar a capacidade produtiva da economia, em particular no que se refere ao crescimento da produtividade.

No entanto, a um observador mais atento não há de ter escapado os sinais crescentes de dificuldades pelo lado da produção. A taxa de desemprego, por exemplo, segue nos níveis mais baixos de sua (curta) história, pouco abaixo de 5,5%, e o ritmo anual de geração de empregos, em que pese alguma desaceleração nos últimos meses, ainda supera a expansão da população em idade ativa.

Mais importante, as estimativas de aumento da produtividade permanecem muito baixas. Considerando, por exemplo, que nos 4 trimestres terminados em setembro deste ano o PIB aumentou 2,3% contra aumento de 1,6% do emprego, segundo a Pesquisa Mensal do Emprego, a produtividade, tomada ao pé da letra, teria crescido apenas 0,6% naquele período.

Uma estimativa mais caridosa, cujo foco é na tendência mais do que na observação de alguns poucos trimestres, sugere números um pouco maiores, na casa de 1% ao ano, mas, ainda assim, insuficientes para sustentar um ritmo de crescimento mais vigoroso do que o hoje observado.

Na verdade, visto que tanto a população em idade ativa quanto a produtividade parecem crescer em torno de 1% ao ano cada, qualquer crescimento muito superior a 2% ao ano requer queda adicional do desemprego, o que não era problema há alguns anos, mas hoje, em face da baixa taxa acima mencionada, passa a ser uma limitação relevante.

Ao perder isto de vista e insistir nas “pernas mancas” como motivos para nosso crescimento medíocre o governo produz uma política econômica, agora sim, capenga.

Estímulos à demanda, em particular pelo aumento do gasto público, quando a oferta se encontra restrita agravam nossos desequilíbrios. Do lado doméstico aceleram a inflação, contida apenas a golpes de controle de preços. Do lado externo se traduzem em elevação do déficit em conta corrente, que este ano deve ultrapassar US$ 80 bilhões (pouco menos do que 4% do PIB).


A política econômica hoje em vigor é perfeita para quem precisa escrever semanalmente sobre o assunto, mas incapaz de recolocar o país na rota do crescimento acelerado e sustentável. A mudança de rumos é imperativa, ainda que possa atrapalhar minha vida como colunista, sacrifício que encararia com satisfação.



(Publicado 18/Dez/2013)

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

Canção do exílio

Não é preciso grande poder de observação para notar que a economia brasileira anda mal das pernas. A inflação, descontadas intervenções pontuais do governo, segue pressionada e o déficit externo é crescente, caminhando para fechar o ano acima de US$ 80 bilhões. Esta combinação de inflação e déficit sugere uma economia com excesso de demanda, apesar do crescimento pífio, ao redor de 2%. Trata-se de indicação clara que a capacidade de expansão do país é baixa, reflexo de investimento insuficiente, particularmente em infraestrutura, deficiências na formação de mão-de-obra e produtividade lerda.

Por outro lado, é necessária enorme desatenção para atribuir este resultado ao chamado “tripé macroeconômico”, que foi praticamente abandonado, de forma mais clara a partir de 2011, período em que a economia nacional se deteriorou a olhos vistos.

Assim, quando economistas propõem “flexibilizar” o regime de metas para a inflação, preconizando a adoção de “núcleos” de inflação, ou prazo de convergência mais longo para a meta, eu me pergunto em que galáxia estiveram exilados desde então.

Como tive a oportunidade de discutir em coluna recente, “núcleos” são medidas de inflação menos afetadas por fenômenos transitórios ou localizados, que ajudam analistas na tarefa de diferenciar os verdadeiros processos inflacionários de desvios temporários da inflação. Em particular, se a inflação “cheia” estiver muito acima dos “núcleos”, há bons argumentos para que o BC modere altas da taxa de juros e vice-versa.

Ocorre que, nos últimos 10 anos, o desvio médio da inflação “cheia” relativamente aos “núcleos” foi da ordem de 0,02% (2 centésimos de 1%) por ano, jamais superior a 0,45%, ou inferior a 0,50% negativo. Na verdade, a inflação oficial nunca esteve distante dos núcleos e muito menos de forma persistente: em 5 dos 10 anos, a inflação ficou acima dos núcleos e, obviamente, abaixo deles nos outros 5.

Posto de outra forma, o histórico brasileiro sugere – ao menos para economistas que permaneceram na Via Láctea – que o uso de núcleos de inflação não seria a panaceia imaginada pelos exilados. Hoje em dia, aliás, em tese forçaria o BC a ser mais agressivo no que se refere ao aumento da taxa de juros.

Já fixar o prazo de convergência para a meta em 2 anos seria um avanço, se considerarmos que a inflação permanece acima dela desde 2010 e sem perspectivas de retorno até depois de 2015, fato aparentemente não percebido pelos exilados.

O que a distância astronômica também não lhes permite captar são os efeitos colaterais da convergência lenta da inflação.

Imagine, por exemplo, que a inflação em determinado ano atinja 6,5%, dois pontos acima da meta e que o BC, ao invés de trazê-la de volta em um ano, prometa fazê-lo em dois. É claro que – de posse desta informação – trabalhadores e empresas passariam a esperar (na melhor das hipóteses) que a inflação seja de 5,5% no primeiro ano e 4,5% no segundo.

Ao reajustarem hoje seus salários e preços, portanto, incorporarão 5,5% de aumento (ao invés de 4,5%), tornando mais difícil a tarefa do BC. Caso a convergência seja mais lenta (digamos, em 4 anos, ou redução de 0,5% por ano), as expectativas de inflação para o primeiro ano seriam 6%, devidamente repassadas a preços e salários.

Em outras palavras, a persistência da inflação, que muitos atribuem apenas a fatores culturais (a tal “indexação”), também reflete a velocidade de convergência: quanto mais lenta, maior a persistência, comportamento desconhecido nas galáxias vizinhas.


A verdade é que os exilados tentam, de forma nada sutil, esconder que a política econômica dos últimos anos reflete exatamente suas propostas, sem guardar nenhum parentesco com o tripé macroeconômico, gerando os resultados lamentáveis descritos no primeiro parágrafo. O que lhes falta é apenas a coragem de assumir a paternidade do modelo fracassado.

Os dados que lá publicam
Eu não sei interpretar

(Publicado 11/Dez/2013)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A conta do desleixo

Embora tenha finalmente reajustado os preços dos combustíveis, o governo ainda resiste a adotar uma regra que relacione preços domésticos aos externos, usando para isto dois argumentos, como de hábito, equivocados. Afirma, primeiro, que não poderia “indexar” a gasolina num momento em que supostamente luta contra a indexação. Adicionalmente alega que trabalhadores ganham em reais, não em dólares, não sendo, portanto, justo que tenham que arcar com o preço internacional do combustível.

O primeiro argumento é risível. A começar porque ligar o preço doméstico da gasolina à sua contrapartida internacional não guarda qualquer relação com indexação. Esta consiste em reajustar automaticamente preços (ou salários) de acordo com a inflação passada, como por exemplo, ocorre com os aluguéis, ou mensalidades escolares.

No caso da gasolina, seu preço lá fora pode aumentar ou diminuir, assim como o preço do dólar (a taxa de câmbio) pode subir ou descer. Nada sugere que preços internacionais de gasolina se guiem pela inflação (americana?) passada, nem que a taxa de câmbio passe por qualquer processo semelhante.

Diga-se, aliás, que – se isto fosse mesmo um problema de indexação – o governo teria também problemas com os preços de carne, soja, aço, TVs, automóveis ou qualquer outra mercadoria que fosse comercializada no mercado externo, pois seu preço doméstico, ao menos numa primeira aproximação, não pode se distanciar muito do preço internacional (mais eventuais custos de transporte e impostos), devidamente convertido em moeda nacional.

Na verdade, os preços destes bens (denominados “comercializáveis”, pois podem ser internacionalmente transacionados) não são indexados, e até há pouco cresciam menos do que o IPCA, na prática contribuindo para reduzir a inflação.

(A propósito, se o governo quisesse mesmo combater a indexação, deveria trazer a inflação mais rapidamente em direção à meta. É a própria lentidão – quando não recusa – do BC em desempenhar seu papel que induz empresas e trabalhadores a reajustarem preços e salários de acordo com a inflação passada).

Já o segundo argumento consegue a proeza de ser ainda pior. A própria existência de bens comercializáveis mostra ser possível (na verdade comum) que preços de coisas tão essenciais como alimentos estejam, de alguma forma, ligados aos praticados no mercado internacional, muito embora consumidores, como regra, tenham sua renda denominada em reais.

Mais importante que isto, porém, é que a quebra da ligação entre os preços externos e internos causa problemas sérios do ponto de vista de eficiência, pois introduz ruídos no sistema de comunicação da economia.

Na prática o aumento do preço de um bem qualquer envia dois sinais: consumam menos e produzam mais. São estes sinais que garantem que a economia produza aquilo que se queira consumir. Quando este sinal não funciona, no caso por interferência do governo, o consumo não cai e a produção não aumenta, perenizando o desequilíbrio.

No caso específico dos combustíveis, isto implica também importações maiores, agravando o déficit externo, assim como impactos negativos no caixa da Petrobras, já que a empresa é forçada a vender produtos a preços inferiores aos que pagou por eles.

Pensando bem, é difícil imaginar uma política de preços mais errada do que a atualmente em vigor, e isto num momento em que não faltam políticas equivocadas.


E a verdadeira justificativa não é nenhuma das apresentadas acima, mas sim a perda de controle do processo inflacionário, que leva o governo a agir diretamente sobre preços para não perder a meta de inflação. O que começou como desleixo com relação à estabilidade agora cobra seu preço na forma de políticas que ampliam os desequilíbrios. Estabilidade não garante crescimento, mas sua ausência é certeza de desempenho pífio e nossa experiência recente comprova exatamente isto.

Como começa


(Publicado 4/Dez/2013)

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Perdido

O déficit externo brasileiro atingiu quase US$ 68 bilhões de janeiro a outubro deste ano, US$ 28 bilhões acima do registrado no mesmo período do ano passado, caminhando para ultrapassar com folga US$ 80 bilhões (pouco menos que 4% do PIB) este ano, bem acima da previsão mais recente do BC, que ainda sugere um número na casa dos US$ 75 bilhões.

A maior parte deste aumento reflete a queda abrupta do saldo comercial, que passou de US$ 17,4 bilhões positivos nos dez primeiros meses do ano passado para US$ 1,8 bilhão negativo em 2013.

É, como sempre, difícil apontar uma única causa por trás do fenômeno. Vários fatores contribuíram para o resultado, da queda dos preços de commodities à contabilização tardia das importações de petróleo realizadas no ano passado, passando pela continuidade de incentivos à demanda interna, mesmo em face de indicações cada vez mais claras que a economia opera muito mais próxima à sua capacidade máxima do que supõe a vã imaginação dos nossos gestores de política econômica.

Os dados, porém, sugerem que a piora dos preços externos desempenhou papel de menor peso na redução do saldo comercial.

Estimo que, caso os preços dos produtos exportados tivessem se mantido inalterados, as exportações aumentariam pouco mais de US$ 3 bilhões entre janeiro e setembro, ao invés de caírem US$ 3 bilhões, como de fato ocorreu, uma diferença de US$ 6 bilhões. Por outro lado, sob as mesmas condições, as importações cresceriam US$ 17 bilhões no ano, cerca de US$ 2,5 bilhões a mais do que o efetivamente observado.

A diferença de preços, portanto, explica queda de US$ 3,5 bilhões do saldo até setembro, um valor nada desprezível, mas bem menor que a redução de US$ 17 bilhões observada na balança comercial do período.

Dois problemas, contudo, complicam os cálculos. Um é a contabilização de importações de petróleo realizadas no ano passado, mas registradas apenas em 2013. Caso todo aumento observado se devesse a isto, haveria uma superestimação das importações da ordem de US$ 5 bilhões até setembro.

Por outro lado, a Petrobrás realizou exportações fictas de plataformas de exploração de petróleo (foram vendidas e alugadas de volta) de cerca de US$ 3 bilhões no mesmo período, de forma que o resultado líquido das operações extraordinárias fica ao redor de US$ 2 bilhões.

Há, portanto, uma redução da ordem de US$ 12 bilhões no saldo comercial que não pode ser atribuída nem à alteração de preços, nem a fatores pontuais tais quais os mencionados acima. Resta, assim, analisar o descompasso entre demanda e oferta domésticas.

Como tenho insistido aqui, quando a produção, principalmente de manufaturados, sofre constrangimentos à sua expansão, seja por força do encarecimento da mão-de-obra, seja pelos gargalos de infraestrutura, a tendência é que as importações cresçam à frente das exportações para atender a demanda interna em expansão. Já nos setores em que as importações não têm papel relevante a desempenhar, são os preços que reagem, o que explica, por exemplo, a elevada inflação de serviços.

Isto resulta, em larga margem, da política deliberada de aumento da demanda doméstica por meio do gasto público, incluindo a expansão do crédito oficial. O descontrole fiscal está, portanto, na raiz dos dois desequilíbrios observados no país: a inflação alta e o elevado (e crescente) déficit externo.


A contabilidade criativa pode mostrar o que o governo quiser, mas não muda a natureza do fenômeno. Da mesma forma, de nada serve o governo comparar seus números (criativos) aos de outros países. Lá o problema é tipicamente insuficiência de demanda interna; aqui sofremos com gargalos de oferta. Enquanto a natureza distinta do problema não for compreendida continuaremos à busca de desculpas, mas sem uma ideia clara de como tratar os desequilíbrios visíveis da economia brasileira.

Hããã...


(Publicado 27/Nov/2013)