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quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Credulidade e credibilidade

Muito embora acompanhe há algum tempo as contas fiscais brasileiras e tenha me tornado bastante crítico da piora observada nesta dimensão, estaria mentindo para os 18 fiéis se dissesse não ter sido surpreendido com o péssimo balanço do setor público (união, estados, município e empresas estatais, exceto Petrobras e Eletrobras) registrado em setembro.

Naquele mês houve déficit primário (isto é, sem contabilizar o pagamento de juros) pouco superior a R$ 9 bilhões, o pior já registrado para o período desde que começamos a medir nosso desempenho fiscal. Assim, mesmo considerando se tratar de mês complicado, em que parcela do 13º salário dos aposentados é antecipada, não há dúvida que a deterioração se estendeu muito além da questão sazonal, ao contrário da justificativa dos (ir)responsáveis pelo fraco resultado.

Aliás, observamos estes nada honrosos recordes em quatro dos últimos doze meses, indicação clara que a piora não é uma questão pontual. Não é por acaso que o resultado (oficial) acumulado nos 9 primeiros meses de 2013, superávit equivalente a 1,3% do PIB, é o mais baixo dos últimos 15 anos, apesar do uso crescente de receitas extraordinárias (tipicamente concessões e dividendos) para “engordar” o saldo fiscal.

“Limpo” destes truques, o superávit primário dos últimos 12 meses corresponde a meros 0,7% do PIB, distância considerável da média superior a 3% do PIB registrada no período 2003-2008, assim como da observada entre 2009 e 2012 (1,6% do PIB).

Os dados também permitem concluir que, embora estados e municípios não sejam totalmente inocentes, a principal parcela da deterioração fiscal resulta do desempenho do governo federal, cujo superávit (“limpo”) caiu de uma média superior a 2% do PIB de 2003 a 2008 para apenas 0,4% do PIB nos últimos 12 meses.

A razão para isto não é arrecadação mais fraca, por mais que autoridades choraminguem. O principal motivo da redução do superávit primário federal é o aumento do gasto e, dentro dele, do dispêndio corrente, já que o investimento vem caindo na comparação com o observado no ano passado.

Assim, por qualquer ângulo que se observe o desempenho recente das contas públicas, torna-se difícil evitar a conclusão que a política fiscal tem sido extraordinariamente expansiva. E, como a expansão vem dos gastos correntes, em oposição aos investimentos, fica claro também que o governo terá uma dificuldade considerável para remover os estímulos hoje existentes no caso improvável de um dia resolver se corrigir.

Chega a ser patético observar o ministro da Fazenda e o secretário do Tesouro requentando medidas para conter o avanço de despesas como o abono salarial e seguro-desemprego, que já haviam sido anunciadas (e nunca adotadas) há mais de dois anos, dentro do pacote então lançado para convencer um crédulo Banco Central que poderia reduzir a taxa de juros sem riscos para a inflação, graças à prometida austeridade fiscal.

Soma-se a isto o provável efeito da alteração retroativa dos indexadores das dívidas de estados e municípios com a União. Como discutido em coluna anterior, tal medida deverá abrir a porteira para aumento substancial dos gastos dos governos locais, ainda mais num ano eleitoral.

O que não é patético, mas trágico, é a credulidade do BC que, mesmo em face de promessas quebradas e da extraordinária degradação das contas fiscais, prossegue com a ladainha afirmando que “o balanço do setor público se desloca para a zona de neutralidade”.


Tal alienação seria injustificável até para quem não tivesse vivido um período de enorme irresponsabilidade fiscal. Já para economistas da minha geração, que observaram este processo e suas consequências praticamente em tempo real, esta postura, mais que inexplicável, é, acima de tudo, insensata. Não é por outro motivo que a escassa credibilidade do BC se erode a cada dia.



(Publicado 6/Nov/2013)

15 comentários:

Estamos bem: relatório do Morgan Stanley coloca o Brasil junto de India,Indonesia,Turquia e A. do Sul nos ¨Fragile Five¨.Ainda não percebram que caminhamos para ficar juntos de Argentina,Venezuela... que os petistas vão ¨acirrar a luta de classes¨ no próximo mandato.

Espero que todo esse cenário descrito por você torne-se palpável para a maioria da população deste país em 2014, para que, em 2015, nos livremos da presidenta e de seus economistas INCOMPETENTES!

Interessante blog comparando mercados no Brasil e no resto do mundo

http://estamosricos.blogspot.com.br/

A culpa dos problemas da economia brasileira (poucos, se comparados com os do governo FHC) é de vocês, neoliberais do mercado financeiro, expropriadores de recursos públicos! Vocês ficam fazendo ataques especulativos contra a política fiscal para que o governo se sinta pressionado a elevar os juros, e para cumprir a sangria dos serviços da dívida, tenha que cortar investimentos em saúde e educação. Por que o banco central tem que se preocupar com sua credibilidade diante do mercado financeiro? Ele está se preocupando é com sua credibilidade diante do povo!

Já viu a capa do The Economist?

Vc realmente quer uma explicacao? VAmos la: o que esta sendo expropriado? Se o governo gastou mais do que tinha em algum momento e precisou pegar dinheiro emprestado, ele tem que pagar juros. Ou nao? Se vc acha que nao, por favor deposite 1 milhao na minha conta qeu daqui ha 20 anos te devolvo o mesmo 1 milhao e nao discutimos mais. Se vc entao entende a questao que juros eh o preco do dinheiro e ninguem vai emprestar dinheiro a ninguem sem juros, porque vc chama isso de sangria de servicos da divida e nao cumprimento do que foi prometido? Eu acho que ainda deveria agradecer, pois alguem te emprestou dinheiro no momento em qeu vc precisava. Eh o que eu faria. O banco central tem entao que se preocupar com a sua credibilidade pq se eu a tenho, e deixo claro que vou te pagar de volta o que eu te emprestei, estarei disposto a te emprestar ate mais, a uma taxa mais baixa, caso vc precise e me peca. Se eu nao tenho essa credibilidade, proxima vez que vc vier me pedir dinheiro, eu soh vou aceitar te emprestar a uma taxa mais alta. Faz sentido? Ou eh muito complexo?

"Já viu a capa do The Economist?"

Sim.

Esses neoliberais vão ficar estupefatos quando conseguirmos chegar ao calote da dívida.. juros é imoral segundo a bíblia!!

(tem um cara do meu lado me falando que se der calote, some o dinheiro da nossa poupança.. tenho que checar isso aí)

alguem explica o que é um ataque especulativo sobre a politica fiscal? sério, quero entender

Alex e fiéis:

como vcs, estou temeroso quanto ao futuro do país.
Os senhores acham seguro comprar títulos do tesouro direto com vencimento de curto prazo ( janeiro de 2016). Temo o calote deste nosso governo...economia de anos indo para o ralo...

abraços.

Caro Alex,
sou leitor assíduo e apreciador entusiasta de suas análises. Não sou economista. Como autodidata, venho estudando diferentes formas de abordar a macroeconomia (essencialmente, Krugman, David Romer, Marc Lavoie e MMT). O texto a seguir (postado em duas partes) vai no mesmo sentido que o apresentado no seu artigo. Nele, aproveito um debate recorrente para tratar o assunto num formato de abordagem científica em contraponto ao uso da pouco consistente denominação “identidades contábeis”.
Abraços.
Déficits Gêmeos ? (parte 1)
A expressão do título aparece, quase sempre, em oposição a uma interpretação alternativa (câmbio excessivamente apreciado), quando é preciso explicar a deterioração da conta-corrente. Vale a pena analisar o cenário de modo mais amplo.
A observação do comportamento dos agentes econômicos envolvidos nas transações comerciais de um país direcionadas a bens finais e serviços, levaram os estatísticos que organizaram as Contas Nacionais a estabelecer três setores para a classificação desses agentes: setor privado doméstico (englobando as famílias e as firmas), setor governamental e setor externo (o restante do mundo). Tal estrutura configura um sistema econômico fechado.
Visando à apuração dos fluxos de recursos financeiros envolvidos nessas transações, os contadores buscam medir acuradamente três variáveis macroeconômicas: a Demanda Agregada (DA), a Oferta Agregada (PIB) e a Renda Nacional (Y).
Para apurar a demanda agregada, são medidos em termos da unidade monetária os fluxos de recursos financeiros com origem nas categorias de transações associadas a gastos:
1. consumo das famílias (C);
2. investimento de firmas privadas (I);
3. despesas do governo (G); e
4. exportações líquidas para o resto do mundo (X – M).
Por definição:
DA = C + I + G + ( X – M ) (1)
Para apurar a renda nacional, os estatísticos recomendam a observação e a medição dos fluxos de recursos financeiros que caracterizam a o destino dado pelas famílias à renda obtida, que se supõe totalmente utilizada para:
1. consumo (C);
2. poupança (S); e
3. pagamento de impostos (T).
Por definição:
Y = C + S + T (2)
A medição dos fluxos contidos nas equações 1 e 2 refere-se a transações realizadas num dado intervalo de tempo (tipicamente, um ano ou um trimestre), durante o qual apura-se também a totalidade da oferta de bens finais e serviços da economia considerada, ou seja, seu produto interno bruto (PIB).
Tendo em vista que se trata de um sistema econômico fechado, duas conjecturas surgem naturalmente. A primeira, admite que a demanda agregada é totalmente satisfeita pelo PIB apurado durante o período considerado. A segunda, propõe que a renda nacional tenha como origem a venda da totalidade desse mesmo PIB. Assim, em termos da teoria macroeconômica, essas conjecturas constituiriam dois postulados, expressos pelas relações:
DA = PIB (3)
e
PIB = Y (4)

Déficits Gêmeos ? (parte 2)
A rigor, como em toda teoria que pretende explicar fenômenos complexos, os dois postulados são simplificações do que se observa no mundo real.
Por exemplo, admite-se que:
1. todas as transações financeiras consideradas começam e terminam dentro do intervalo de tempo considerado. No limite, seria possível admitir que os fluxos são quase sincronizados (ou seja, em modalidade ainda mais rígida, que os pagamentos devidos são todos à vista ou feitos no momento da recepção do fluxo de renda);
2. não ocorrem omissões de registro, deliberadas ou não (ou seja, os contadores são infalíveis e os agentes econômicos respeitam as leis);
3. não ocorrem perdas ou entesouramento (ou seja, os agentes econômicos são cuidadosos e não guardam recursos financeiros “debaixo do colchão”).
A natureza aproximada das relações (3) e (4), comumente designadas pela expressão “identidades contábeis”, pode ser constatada nas contas nacionais. Os desvios quantitativos evidenciados são, entretanto, erroneamente atribuídos a falhas de contabilidade (vide, por exemplo, a legenda da figura 23-3 na página 597 em “Economics”, segunda edição, de Paul Krugman e Robin Wells).
Com um pouco de manipulação aritmética das equações de 1 a 4 chega-se ao corolário representado pela igualdade
(I – S) + (G – T) + (X – M) = 0 (5)
revelando que é nula a soma dos balanços dos três setores da economia:
1. (I – S), balanço do setor privado doméstico, deficitário, se positivo, ou superavitário, em caso contrário;
2. (G – T), balanço do orçamento governamental, deficitário, se positivo, ou superavitário, em caso contrário;
3. (X – M), balanço do setor externo (superavitário, se positivo, ou deficitário, em caso contrário.
Admitidas as simplificações anteriormente apresentadas, a equação (5), derivada dos postulados expressos nas equações (3) e (4), pode ser considerada a Lei de Conservação do Patrimônio, uma lei natural dessa economia fechada, restrita às transações comerciais e à tributação consideradas.
Com efeito, qualquer saldo setorial (fluxo líquido) que resultasse em modificação do patrimônio (estoque) de um dos setores seria compensado pela soma dos saldos relativos aos dois outros setores: o patrimônio da economia global, apurado no final do período, permaneceria inalterado em relação a seu valor no início do período.
A equação (5) pode ser reescrita como:
( S + (T – G) ) – I = (X – M) (6)
revelando que, ao subtrair da poupança doméstica total o gasto com investimento doméstico, obtém-se o saldo em conta-corrente (exceto pagamentos de juros, lucros e dividendos) do país.
Considerando cada parcela isoladamente, verifica-se que um déficit em conta-corrente (saldo (X-M) negativo) pode resultar de:
1. queda das exportações X, mantido o nível das importações M e dos demais fatores;
2. aumento das importações M, mantido o nível das exportações X e dos demais fatores;
3. aumento dos gastos de investimento I, mantido o nível dos demais fatores;
4. diminuição do superávit primário ( poupança pública (T-G) ) ou aumento do déficit público (G-T), mantido o nível dos demais fatores;
5. diminuição da poupança privada S, associada a, ou em decorrência de, uma elevação desproporcional do consumo das famílias, mantido o nível dos demais fatores.
Ou seja, a expressão “déficits gêmeos” seleciona a alternativa 4 para explicar o déficit em conta corrente observado. Tal seleção justifica-se pela postura leniente do Governo em relação ao déficit público.
Será recomendável, entretanto, confirmar essa interpretação comparando aos do ano corrente os valores acumulados de um ano atrás relativos aos fatores considerados nas demais alternativas.
Em particular, tendo em vista a recente política do Governo no sentido de estimular intensamente o consumo das famílias, não é possível ignorar a alternativa 2, juntamente com a alternativa 5, da qual a alternativa 2 seria uma conseqüência provável.

Alex,

Para ver politica fiscal expansionista ou contracionista é preciso ver a variacao do resultado fiscal estrutural. Mas isso nao altera a conclusao do seu texto, qual seja, de que no brasil a politica fiscal tem sido fortemente expansionista.

Vlw

Claudio

Alex qual a sua opiniao sobre o Bitcoin? Isso mostra a tese da economia austríaca sobre moedas concorrentes.

Ref. post de 14/11/13: a seguir, versão mais consistente e precisa da parte 2
Abraços.
Déficits Gêmeos ? (parte 2 revisada)
Com um pouco de manipulação aritmética das equações de 1 a 4 chega-se ao corolário representado pela igualdade
(I – S) + (G – T) + (X – M) = 0 (5)
revelando que é nula a soma dos balanços dos três setores da economia:
1. (I – S), balanço do setor privado doméstico, deficitário, se positivo, ou superavitário, em caso contrário;
2. (G – T), balanço do setor público (federal, estadual e municipal), deficitário, se positivo, ou superavitário, em caso contrário;
3. (X – M), balanço do setor externo (superavitário, se positivo, ou deficitário, em caso contrário.
Admitidas as simplificações anteriormente apresentadas, a equação (5), derivada dos postulados expressos nas equações (3) e (4), pode ser considerada a Lei de Conservação do Patrimônio, uma lei natural dessa economia fechada, restrita às transações comerciais e à tributação consideradas.
Com efeito, qualquer saldo setorial (fluxo líquido) que resultasse em modificação do patrimônio (estoque) de um dos setores seria compensado pela soma dos saldos relativos aos dois outros setores: o patrimônio da economia global, apurado no final do período, permaneceria inalterado em relação a seu valor no início do período.
Essa lei deve ser utilizada para analisar um cenário de deterioração da conta-corrente do País.
O balanço do setor externo, (X – M), que resulta da apuração da conta-corrente quando são ignorados os pagamentos de juros, lucros e dividendos, pode se tornar deficitário, ou ter seu déficit aumentado, quando:
1. o balanço do setor privado doméstico, (I – S), aumenta, devido a um aumento do fluxo de investimento das firmas, (I), mantido o fluxo de poupança das famílias (S)¸ ou devido a uma diminuição do fluxo de poupança das famílias (S), mantido o fluxo de investimento das firmas, (I); ou
2. o balanço do setor público, (G – T), aumenta, devido a um aumento do fluxo de despesas desse setor, (G), mantido o fluxo de impostos pagos pelas famílias (T)¸ ou devido a uma diminuição do fluxo de impostos pagos pelas famílias (T), mantido o fluxo de despesas do setor público, (G); ou
3. ocorre uma combinação das alternativas precedentes.
Ou seja, a expressão “déficits gêmeos” seleciona a alternativa 2 para explicar o déficit em conta corrente observado.
Tal seleção justifica-se pela postura leniente do Governo em relação ao déficit público. Essa postura se revela tanto pelo aumento de gastos com transferências quanto pelas desonerações tributárias, duas políticas ad hoc visando estimular a demanda, sem contrapartida voltada para o aumento de uma oferta doméstica competitiva.
Será recomendável, entretanto, confirmar essa interpretação comparando aos do ano corrente os valores acumulados de um ano atrás relativos aos fluxos considerados na alternativa 1. Tendo em vista a postura expansionista do Governo nos últimos anos, visando estimular o consumo das famílias, não é possível ignorar essa alternativa, pois, uma mudança nos patamares de consumo das famílias (em prejuízo da poupança), conjugada a uma oferta doméstica pouco competitiva, certamente redunda num aumento relativo das importações, logo, do déficit em conta-corrente.
Quanto à opção de desvalorizar a moeda para combater esse déficit – defendida por alguns economistas –, vale comentar:
1. num regime de câmbio flutuante, a taxa de câmbio ajusta-se naturalmente aos fundamentos da economia;
2. uma intervenção no câmbio contrária ao ajuste de mercado, visando melhorar o saldo comercial, causará distorções na economia certamente danosas no curto prazo, sobretudo no que se refere ao controle da inflação e ao aumento de custos para o subconjunto de firmas que importa insumos, bens de produção e tecnologia.