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terça-feira, 30 de julho de 2013

Chico e Francisco

Não tem nada a ver, juro, com a visita do Papa, mas lendo a entrevista dominical da presidente da República à Folha de S. Paulo me lembrei do ditado favorito da minha amiga, e economista de respeito, Tatiana Pinheiro (que, às vezes, também produz pérolas inesquecíveis, como a “menina dos ovos de ouro”): “pau que bate em Chico, também bate em Francisco”. A frase é geralmente citada quando surge uma assimetria grave na análise, isto é, quando determinado argumento é formulado sem muita noção de suas consequências lógicas caso a premissa seja alterada.

Lendo o parágrafo anterior noto que a última frase não é um primor de clareza, mas acredito que o ponto pode ser facilmente ilustrado pelos inúmeros casos que pululam na fala presidencial.

Questionada, por exemplo, sobre o baixo crescimento, a presidente saiu-se com: “O mundo cresce pouco. Não somos uma ilha”.

Trata-se de resposta aparentemente sensata, mas que não passa no teste de simetria, pois, quando o Brasil viveu um período de crescimento mais acelerado, em momento algum se ouviu a presidente dizer que nosso desempenho resultava do bom momento mundial. Pelo contrário, o mérito era do governo, embora o PIB brasileiro tenha se expandido a uma taxa pouco inferior à média global. Da mesma forma, quando o país se encontrou entre aqueles que saíram de forma mais vigorosa da crise dizia-se que era uma ilha de prosperidade. Somos e deixamos de sê-lo ao sabor das conveniências do governo.

Igualmente, a presidente enche a boca para falar da inflação baixa de julho, resultado pontual, fortemente influenciado pela redução das tarifas de transporte urbano, mas não veio a público para externar sua preocupação com a inflação alta no primeiro quadrimestre do ano. A inflação alta é “sazonal”, ou “resultado de um choque agrícola”, mas a inflação baixa (em um único mês!) é mérito governamental. E, posso apostar, quando a inflação voltar a se acelerar mais para o final do ano, a presidente não assumirá a responsabilidade, mas voltará a invocar razões sazonais e pontuais, que, na visão do governo, só são importantes para explicar a inflação alta; jamais a inflação baixa.

Segundo a presidente, tudo também vai bem no campo do gasto público (“O déficit da Previdência é 1% do PIB. As despesas com pessoal, de 4,2%, as menores em dez anos.”), apesar do dispêndio, medido como proporção do PIB, se encontrar no nível mais alto da história (18,3% do PIB). Já o investimento federal, mesmo vitaminado desde o ano passado com a contabilização dos recursos do programa “Minha Casa, Minha Vida”, cresce como rabo de cavalo e responde por modestos 1,3% do PIB nos últimos 12 meses, insuficiente para atender os requisitos de expansão da infraestrutura.

Na verdade, na primeira metade deste ano os gastos correntes aumentaram (descontada a inflação) cerca de R$ 26 bilhões; o investimento caiu R$ 1,8 bilhão. Assim, mesmo o aumento das receitas, pouco superior a R$ 5 bilhões, não foi capaz de impedir a visível redução do superávit primário federal (oficial), de R$ 52 bilhões no primeiro semestre de 2012 para R$ 35 bilhões no mesmo período de 2013. 

Este aumento do gasto, porém, é ainda “vendido” como uma atuação anticíclica, convenientemente deixando de lado que, mesmo nos anos bons, em momento algum houve sequer tentativa de redução da despesa pública, em particular a despesa corrente, que, a valer o que dizia a Ministra Chefe da Casa Civil do governo Lula, “é vida”. Só a visão persistentemente assimétrica pode explicar a tentativa de negar o caráter expansionista da política fiscal.


Ao final, a entrevista da presidente é reveladora: se alguém ainda imaginava ser possível uma correção de rota no rumo da política econômica, seu conteúdo deve ter convencido mesmo os otimistas mais renitentes a removerem o proverbial cavalinho da chuva. Vai sobrar para Chico e também para Francisco.

Visão sempre equilibrada

(Publicado 31/Jul/2013)

18 comentários:

Gostaria de ter acesso aos dados de investimento descontados os recursos aplicados por estatais e pelo MCMV (supondo se tratar de empresas com receitas próprias, cujas despesas não deveriam ser pagas com dinheiro público). Com certeza seria esse percentual inferior a 1% do PIB, o que dá uma ótima noção do poder de gestão governo. Acumular capital para crescer? Não neste país, onde eficiência e produtividade são pecados mortais e governo é o mais santo de todos os devotos...

Boa Alex.
A presidente parece aquele sujeito que se joga do 10.o andar, no 5,o alguem abre a janela e pergunta como ele esta.
Até aqui tudo bem!

jcw

Vamos ver o que o governo vai dizer agora com o IPP de 1,33% em junho. BC está preocupado com o câmbio e com razão. A desvalorização do real começou a surtir efeito na inflação (muito rápido por sinal), e ao que tudo indica, é só o começo. Infelizmente.

Uau...que coisa né: se é bom o governo se apropria, se é ruim ele arruma um bode expiatório...genial a descoberta.

Só lamento que você (aparentemente) tenha descoberto isso só agora, do alto dos seus mais de 40 anos...antes tarde do que nunca!

50 anos.

E, para ser claro, o problema não é "descobrir" que o governo faz isto; o que me incomoda é que:

1) Ninguém se dá ao trabalho de dizer que o rei está nu (no caso, a rainha. Ugh, que imagem horrível);

2) Este tipo de argumento está presente o tempo todo na análise quermesseira (choques de oferta são todos negativos, etc);

3) Quem?

Alex, com um dos piores resultados fiscais do setor publico, qual o argumento que resta para os heterodoxos admitirem uma oferta inelástica?

To lendo o blog no iPad, e você me parece no Globonews rsrs..

Alex, uma coisa que me angustia, é por que olhamos as mudanças nominais nas taxas de juros, ou mesmo as mudanças reais nas taxas de juros, para saber se a política monetária é expansiva ou contracionista ?

Sim, essa é a pergunta. Se uma política monetária é perfeitamente prevista (o que quase nunca acontece), então seu efeito sobre a atividade econômica é nulo.

Por que então não devemos olhar para as expectativas de juros a ex-ante e as políticas monetárias depois de ocorrida ?

Algo como o gap entre a expectativa da selic para daqui a 180 dias, e a selic efetiva passados esses 180 dias.

Isso não seria uma medida melhor para saber se a política é expansionista ou contracionista ?

O mundo cresce pouco, mas a China, para salvação do Brasil (e supondo inocentemente que não maqueiam dados por lá), cresceu 7,5%.

Países que não professam a religião bolivariana, como Chile, Peru e Colômbia, crescem a taxas consistentes e em equilíbrio.

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=568888506503394&set=a.104286099630306.2745.100001467480531&type=1&theater

Sicsú fez um gráfico com IPCA x Alimentos e bebidas. De cara, chegou a conclusão de que nossa inflação é resultado de problemas climáticos. O gasto público nada tem com isso. Um amigo meu compartilhou e eu, infelizmente, li. É duro ver esse tipo de coisa logo de manhã cedo...

Joao Sicsu foi meu professor. O cara é fraquinho demais. Se enrola até pra calcular df/dx f(x)=kx.

Alex,

ultimamente, andei trabalhando com os dados de investimento público na tentativa de melhor entender o que está por trás dos números (isto é, qual é a alocação dada ao montante de 1,3% do PIB). Confesso que é um trabalho árduo e chato - as bases de dados são escassas e, quando existentes, exigem uma tarefa de difícil compilação dos dados. Tentei encontrar trabalhos sobre o tema e acabei, por meio de conversa com um amigo economista de banco, chegando na apresentação do econômico do Credit Suisse. Lá, eles fazem uma longa descrição dos dados disponíveis no site do Senado. Existem uns gráficos legais e a base de dados deles deve dar um bom indicativo do que é considerado investimento público no país. Você já viu esses dados? Teria alguma informação/fonte disponível? Pelo que me parece, muito do se define investimento público no país é gasto secundário, que em nada tem relação com acumulação de capital de fato.

[]'s
PJ.

“Se uma política monetária é perfeitamente prevista (o que quase nunca acontece), então seu efeito sobre a atividade econômica é nulo.”

Says who? Isso que você disse é uma tolice e nenhum economista monetário que vale o feijão que come acredita nisso.

"Sim, essa é a pergunta. Se uma política monetária é perfeitamente prevista (o que quase nunca acontece), então seu efeito sobre a atividade econômica é nulo."

Não é verdade. Se houver algum grau de rigidez de preços, mesmo a política monetária antecipada tem efeitos reais.

Em tese, portanto, não é necessário nada além da diferença da taxa real de juros (ex-ante) relativamente à neutra para determinarmos a postura de política (desde que se saiba a neutra, é claro).

“O João Sicsu é retardado.”

Ele é bem pago para ser retardado.

"Não é verdade. Se houver algum grau de rigidez de preços, mesmo a política monetária antecipada tem efeitos reais."

Não sei se ajuda e é apenas uma sugestão pro amigo anônimo: ROMER, D. Advanced Macroeconomics, Cap. 6 - Nominal Rigidity.

Gosto do Romer pq é uma leitura leve, por isso defendo e recomendo....