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quarta-feira, 31 de julho de 2013

Duas histórias e uma questão fumegante

Em junho passado, pela primeira vez desde 2009, houve aumento da taxa de desemprego em relação ao mesmo mês do ano anterior. Embora o ministro da Fazenda, fiel ao seu estilo “deixa-que-eu-chuto”, tenha tentado associar este fenômeno a uma flutuação sazonal (sem se dar conta que a comparação se referia ao mesmo período de 2012, portanto livre de sazonalidade), a verdade é que o número não foi bom.

O crescimento do emprego no segundo trimestre deste ano atingiu apenas 0,5% na comparação interanual, não só uma taxa baixa, mas também o primeiro registro (desde 2009) de um trimestre em que o número de vagas criadas não acompanha o aumento da população em idade ativa (PIA), apesar do ritmo glacial (0,9%) desta última.

A questão a esta altura é entender as causas e implicações deste fenômeno, para as quais há aparentemente duas narrativas básicas. Uma aponta para o baixo crescimento econômico como o motivo central para o enfraquecimento do mercado de trabalho relativamente ao observado nos trimestres anteriores, quando o desemprego se manteve sempre próximo a 5,5% em termos dessazonalizados.

Se esta hipótese estiver correta, dadas as perspectivas de mais um ano de crescimento medíocre, as consequências seriam negativas: em que pese o baixo crescimento da PIA, a taxa de desemprego começaria a subir, lentamente, é verdade, nos levando no sentido de um mercado de trabalho menos apertado do que nos últimos anos.

Para ser sincero, é possível que esta hipótese esteja correta, mas o mero fato de eu tê-la apresentado antes da hipótese alternativa já indica certo desconforto com esta proposta. E, de fato, tenho dificuldade de comprá-la a valor de face.


O principal motivo desta dificuldade pode ser ilustrado pelo gráfico. Nele mostro a relação entre o crescimento interanual do emprego e do PIB, este defasado em um trimestre.

Fonte: Autor, com dados do IBGE
Não é difícil perceber uma relação positiva entre estas variáveis, como expressa pela reta presente no gráfico. (Alerto, porém, que a reta foi colocada apenas para propósitos ilustrativos e não deve ser interpretada de forma alguma como uma relação estrutural entre crescimento do produto e do emprego).

É claro que a relação ali exibida não é matematicamente precisa; o que se vê é uma associação positiva entre as taxas de expansão do produto e da ocupação. Períodos de forte crescimento do PIB antecipam aumento vigoroso do emprego e vice-versa. Historicamente, o crescimento do PIB na casa de 2% vem acompanhado de aumento de emprego mais robusto que o observado no segundo trimestre deste ano.

Há, contudo, exceções importantes, como as marcadas no gráfico. De fato, tanto no segundo quanto no quarto trimestres de 2012 o emprego parece ter crescido muito mais do que seria normalmente associado à (baixa) expansão do PIB no período. Por outro lado o crescimento do emprego no segundo trimestre deste ano não foi muito distinto do observado em 2009 quando o PIB registrava taxas negativas na comparação com o ano anterior.

Tais observações podem ser explicadas pela hipótese levantada ainda no ano passado por analistas que tentavam entender como o emprego podia ter um bom desempenho à luz de taxas de crescimento ainda menores do que as observadas atualmente. No caso propôs-se que os altos custos de contratação (inclusive treinamento) e demissão de trabalhadores no contexto de um mercado de trabalho apertado levaram as empresas a “entesourarem” seus empregados.

Em outras palavras, ao invés de incorrer nos custos de demissão e nos riscos de não conseguir recontratar trabalhadores devidamente treinados quando a economia se recuperasse, empresas teriam decidido mantê-los, o que terminou produzindo taxas de crescimento do emprego maiores do que as que normalmente acompanhariam a fraca expansão do PIB.

Em contrapartida, mesmo com a (modesta) recuperação da produção no começo do ano, estas empresas não precisaram recontratar trabalhadores, o que explicaria o desempenho aquém do esperado da ocupação no segundo trimestre.

A valer esta história, a fraqueza extrema do emprego seria um fenômeno passageiro. Mesmo o crescimento medíocre esperado para 2013 e 2014 parece, à primeira vista, consistente com expansão do emprego a um ritmo algo superior ao aumento da PIA, levando, portanto, à queda (lenta) da taxa de desemprego a partir de algum momento no segundo semestre de 2013.

Caso isto seja verdade, a tendência do mercado de trabalho seria de aperto adicional, ainda que moderado, aumentando as pressões inflacionárias hoje existentes. O desempenho no segundo semestre será crucial para saber qual das narrativas está correta.

Quem leva?


(Publicado 1/Ago/2013)


terça-feira, 30 de julho de 2013

Chico e Francisco

Não tem nada a ver, juro, com a visita do Papa, mas lendo a entrevista dominical da presidente da República à Folha de S. Paulo me lembrei do ditado favorito da minha amiga, e economista de respeito, Tatiana Pinheiro (que, às vezes, também produz pérolas inesquecíveis, como a “menina dos ovos de ouro”): “pau que bate em Chico, também bate em Francisco”. A frase é geralmente citada quando surge uma assimetria grave na análise, isto é, quando determinado argumento é formulado sem muita noção de suas consequências lógicas caso a premissa seja alterada.

Lendo o parágrafo anterior noto que a última frase não é um primor de clareza, mas acredito que o ponto pode ser facilmente ilustrado pelos inúmeros casos que pululam na fala presidencial.

Questionada, por exemplo, sobre o baixo crescimento, a presidente saiu-se com: “O mundo cresce pouco. Não somos uma ilha”.

Trata-se de resposta aparentemente sensata, mas que não passa no teste de simetria, pois, quando o Brasil viveu um período de crescimento mais acelerado, em momento algum se ouviu a presidente dizer que nosso desempenho resultava do bom momento mundial. Pelo contrário, o mérito era do governo, embora o PIB brasileiro tenha se expandido a uma taxa pouco inferior à média global. Da mesma forma, quando o país se encontrou entre aqueles que saíram de forma mais vigorosa da crise dizia-se que era uma ilha de prosperidade. Somos e deixamos de sê-lo ao sabor das conveniências do governo.

Igualmente, a presidente enche a boca para falar da inflação baixa de julho, resultado pontual, fortemente influenciado pela redução das tarifas de transporte urbano, mas não veio a público para externar sua preocupação com a inflação alta no primeiro quadrimestre do ano. A inflação alta é “sazonal”, ou “resultado de um choque agrícola”, mas a inflação baixa (em um único mês!) é mérito governamental. E, posso apostar, quando a inflação voltar a se acelerar mais para o final do ano, a presidente não assumirá a responsabilidade, mas voltará a invocar razões sazonais e pontuais, que, na visão do governo, só são importantes para explicar a inflação alta; jamais a inflação baixa.

Segundo a presidente, tudo também vai bem no campo do gasto público (“O déficit da Previdência é 1% do PIB. As despesas com pessoal, de 4,2%, as menores em dez anos.”), apesar do dispêndio, medido como proporção do PIB, se encontrar no nível mais alto da história (18,3% do PIB). Já o investimento federal, mesmo vitaminado desde o ano passado com a contabilização dos recursos do programa “Minha Casa, Minha Vida”, cresce como rabo de cavalo e responde por modestos 1,3% do PIB nos últimos 12 meses, insuficiente para atender os requisitos de expansão da infraestrutura.

Na verdade, na primeira metade deste ano os gastos correntes aumentaram (descontada a inflação) cerca de R$ 26 bilhões; o investimento caiu R$ 1,8 bilhão. Assim, mesmo o aumento das receitas, pouco superior a R$ 5 bilhões, não foi capaz de impedir a visível redução do superávit primário federal (oficial), de R$ 52 bilhões no primeiro semestre de 2012 para R$ 35 bilhões no mesmo período de 2013. 

Este aumento do gasto, porém, é ainda “vendido” como uma atuação anticíclica, convenientemente deixando de lado que, mesmo nos anos bons, em momento algum houve sequer tentativa de redução da despesa pública, em particular a despesa corrente, que, a valer o que dizia a Ministra Chefe da Casa Civil do governo Lula, “é vida”. Só a visão persistentemente assimétrica pode explicar a tentativa de negar o caráter expansionista da política fiscal.


Ao final, a entrevista da presidente é reveladora: se alguém ainda imaginava ser possível uma correção de rota no rumo da política econômica, seu conteúdo deve ter convencido mesmo os otimistas mais renitentes a removerem o proverbial cavalinho da chuva. Vai sobrar para Chico e também para Francisco.

Visão sempre equilibrada

(Publicado 31/Jul/2013)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Magus, o solitário


O professor Luis Carlos Bresser Pereira não deve ter muitos amigos. Ou pelo menos, não tem nenhum amigo economista de qualidade. Pois em uma realidade alternativa em que o professor Bresser Pereira tem pelo menos um amigo economista não-imbecil, ele teria sido avisado do papel ridículo a que seria exposto – nos dias de hoje e para toda a eternidade – por seu mini-artigo “A graphic explanation on how a tax on exports neutralizes the Dutch disease without costs to exporters”, publicado na Revista de Economia Política, aquela revista de humor involuntário que recebe apoio institucional da plutocracia brasileira (Itaú, Bradesco, Odebrecht etc).

Segundo o argumento do Cheshire Cat renascentista, um imposto de x% sobre as exportações causaria uma depreciação do BRL de x%. A prova da proposição estaria em um gráfico em que a taxa de câmbio é determinada pela intersecção de curvas apelidadas jocosamente pelo risonho professor de ‘oferta’ e ‘demanda’.

E esse é o guru dos keynesianos de quermesse... 

E tem quem não entenda porque o país não pega nem no tranco.

Música da sexta: Porque somos paulistas, oras!


Tonico e Tinoco no primeiro Viola, Minha Viola, na TV Cultura.

quinta-feira, 25 de julho de 2013

Humildes indagações


Por que tantos resumos (abstract) de artigos publicados na Revista de Economia Política são escritos em uma língua ininteligível com algumas similaridades com o inglês?

Será que a Revista de Economia Política não tem ninguém no corpo editorial capaz de escrever em inglês que não seja vagabundo demais para tirar uma hora por trimestre para corrigir erros crassos nos resumos dos artigos publicados?

terça-feira, 23 de julho de 2013

Entre a irrelevância e o equívoco

“É incorreto afirmar que a Terra não gira em torno do Sol. Há dados concretos que desmentem as análises mais pessimistas. A informação parcial confunde a opinião pública e visa criar um ambiente de pessimismo que não interessa a nenhum de nós”. Admito que o exemplo soe um tanto extremo, mas, se ouvisse algo assim, minha reação, um tanto perplexa, seria “Ok, concordo, mas por que mesmo você está me dizendo isto”?

Foi assim que me senti quando a presidente, em discurso ao Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o popular “Conselhão”, um dos grandes monumentos nacionais ao desperdício de tempo e dinheiro, afirmou que a inflação estava controlada porque desaceleraria na segunda metade de 2013. Apenas se esqueceu de mencionar que não há quem tenha afirmado o contrário (basta checar o que vem dizendo a pesquisa Focus), assim como ninguém acredita que a Terra não gire ao redor do Sol. Neste aspecto, a declaração presidencial é de uma irrelevância atroz.

Por outro lado, reflete um equívoco persistente (e talvez intencional), associando o cumprimento da meta ao registro da inflação abaixo de 6,5% em dezembro de um ano qualquer. A meta, é sempre bom lembrar, ainda mais à luz de declarações como essa, é 4,5%, não 6,5%.

Ocorre que a inflação é uma variável não apenas caprichosa, mas que também reage de forma defasada às decisões de política. Alterações em taxas de juros tipicamente afetam a inflação cerca de seis trimestres à frente. Assim, ainda que o BC soubesse com precisão qual taxa de juros seria consistente com a meta e tomasse as medidas corretas para controlar a inflação, há todo tipo de eventos neste período (safras agrícolas melhores ou piores, flutuação de preços de petróleo, etc.) que poderiam afastar a inflação da meta.

Esta é a razão de ser do intervalo: acomodar eventuais desvios resultantes de eventos imprevisíveis; certamente não como justificativa para permitir que a inflação fique persistentemente próxima ao teto.

Na verdade, se levarmos em consideração tanto a questão das defasagens como a dificuldade de prever certos choques, mesmo no caso de um BC 100% comprometido com sua tarefa institucional, controlar a inflação não significa mantê-la o tempo inteiro no valor exato da meta, mas sim flutuando ao redor desta, de modo que, ao longo de vários anos, a inflação ficasse, em média, na meta.

Sob tais circunstâncias, não é necessária muita reflexão para concluir que a melhor aposta acerca da inflação futura passaria a ser a própria meta. O corolário de inflação controlada, portanto, são expectativas iguais à meta, refletindo a crença que eventuais desvios serão prontamente corrigidos.

De volta ao discurso presidencial, é claro que o exposto acima não descreve de forma alguma o que vem ocorrendo no país. Desde 2010 a inflação é (bastante) superior à meta (o desvio médio por ano foi de 1,6%), e, pior, espera-se que continue acima dela nos próximos anos: a inflação esperada entre 2014 e 2017 é, em média, 5,5% ao ano.

À luz destes desenvolvimentos, o que se espera da responsável pela política econômica não é a reafirmação do que já sabemos, mas sim o que será feito para trazer a inflação para o valor prometido à nação pelo próprio governo.

Neste aspecto a fala se encaixou bem no perfil do “Conselhão”: entre generalidades e a negação da realidade (o gasto federal, supostamente controlado, está no nível mais alto da história) nada foi dito que sinalizasse uma estratégia consistente para lidar com a inflação alta e o crescimento baixo.


Pelo contrário, incapaz de escapar das armadilhas ideológicas em que se meteu e pressionado pela queda de popularidade, a tendência é de isolamento crescente, uma espécie de “autismo econômico” em que a realidade tem que ser ignorada a todo custo. Serve para produzir discursos para o “Conselhão”; jamais para resolver um problema de verdade.



(Publicado 24/Jul/2013)

sexta-feira, 19 de julho de 2013

Para quem acha que nada de bom pode vir da Argentina...

aqui eu mostro o contrário (e tem Borges, Quino, Messi, "Nueve Reinas" e muito mais!)

segunda-feira, 15 de julho de 2013

O fracasso órfão

“Se minha Teoria da Relatividade estiver correta, a Alemanha dirá que sou alemão e a França me declarará um cidadão do mundo. Mas, se não estiver, a França dirá que sou alemão e os alemães dirão que sou judeu”. Enorme (astronômica mesmo) é a distância que vai de Guido Mantega a Albert Einstein, mas não pude deixar de me lembrar desta frase ao ler a tentativa patética de ilustres representantes do “keynesianismo de quermesse” de renegar modelo econômico adotado recentemente no país, buscando também se distanciar do falante ministro da Fazenda.

Durante os anos que o país adotou o chamado “tripé macroeconômico”, caracterizado pelo câmbio flutuante, o compromisso com as metas de inflação e o cumprimento das metas do superávit primário, autodenominados “desenvolvimentistas” não se vexaram de prometer um desempenho melhor caso sua estratégia fosse adotada. Segundo este pessoal, seria possível crescer muito mais caso a taxa de câmbio fosse administrada, a taxa de juros reduzida, o grau de intervenção do governo na economia aumentasse (via políticas setoriais) e a política fiscal fosse relaxada.

Não é necessário nenhum grande salto de imaginação para notar que estas têm sido as vigas mestras do que se convencionou chamar de “nova matriz econômica”, que entrou paulatinamente em vigor nos anos finais do governo Lula, ganhando força considerável nestes dois anos e meio da administração Dilma. Diga-se, aliás, que a transição foi aplaudida entusiasticamente por todos os que defendiam esta alternativa ao “tripé”.

Os resultados desta política estão nas manchetes de todos os jornais: crescimento pífio, inflação acima do topo da meta, déficits externos crescentes e desarticulação do investimento. Por qualquer ângulo que se olhe, a “nova matriz econômica” tem sido um fiasco retumbante.

Sob condições ideais, nem tudo estaria perdido. Conhecidas as conseqüências da experimentação “desenvolvimentista”, pesquisadores sérios tentariam entender o que estava errado em sua formulação original e, no processo, ganhariam algum conhecimento. Nada que economistas melhor treinados não soubessem, posso assegurar, mas certamente novidades para os que não tiveram este privilégio.

No entanto, como diria um amigo, de onde menos se espera é que não vem nada mesmo. Ao invés de reconhecer os erros e buscar entendê-los, testemunhamos a abjuração deslavada, como se a política governamental fosse mesmo distinta daquela preconizada por este grupo.

O problema do governo, afirmam, foi não ter percebido que a desaceleração corrente seria distinta da observada na crise de 2008/09. O argumento, porém, pena com sua suposta justificativa para a diferente natureza da fraqueza atual, já que – por formação ou ignorância mesmo – deixam de lado o fato mais óbvio: a economia operando próxima ao pleno emprego, em contraste com o período da crise, e insistem na tese do anêmico desempenho nacional resultar do baixo crescimento mundial.

É duro de engolir. À parte a desaceleração global ser uma pálida sombra do enfarte econômico de 2008/09, não se pode ignorar o desempenho dos demais países emergentes, em  particular os latino-americanos, cujo crescimento tem sido bem mais vigoroso que o brasileiro e sem os nossos desequilíbrios, como mostra a inflação muito mais baixa nestes países.

Partindo de um diagnóstico equivocado, tentam se diferenciar das políticas adotadas como se estas tivessem atuado na direção correta, apenas em intensidade insuficiente. Em outras palavras, defendem gastos ainda maiores, sem aparentemente levar em conta que o dispêndio federal está no nível mais alto da história, muito menos perceber as conseqüências deste tipo de política sobre a inflação e as contas externas.


Nada esqueceram e nada aprenderam; exceto talvez que a derrota é uma órfã que precisa ser abandonada no primeiro artigo que se tenha chance.



(Publicado 17/Jul/2013)

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Sexta instrumental

Lá do fundo do baú. Steve Howe em Montreaux tocando Mood for a Day.



terça-feira, 9 de julho de 2013

Problemas reais e ilusões fiscais

Em 2011 a revista The Economist publicou uma longa matéria sobre a Austrália. Nela Glenn Stevens, presidente do banco central australiano, resumia magistralmente o momento econômico do país: “há cinco anos [2006] uma carga de minério de ferro comprava 2.200 TVs de tela plana (...); hoje [2011] compra 22.000”. Muito embora a matéria tratasse da Austrália, quem trocasse o nome do país para “Brasil” não teria dificuldades para reconhecer o que vinha acontecendo.

De fato, até 2006 conseguíamos em troca do “minério” uma quantidade de “TVs” não muito distinta da obtida em média nos 38 anos anteriores. As coisas, porém, mudaram: cada unidade exportada pelo Brasil pôde ser trocada por uma quantidade muito maior de importações, aumentando a disponibilidade interna de bens.

Na prática isto permitiu que a demanda interna crescesse a uma velocidade muito superior à do PIB sem grandes danos ao balanço de pagamentos. Assim, entre 2006 e 2011, a demanda interna se expandiu a pouco mais de 5% ao ano, enquanto o PIB crescia em torno de 4% ao ano; já nos cinco anos anteriores PIB e demanda interna cresciam ambos em torno de 3% ao ano.

Em condições normais a diferença entre demanda interna e PIB provocaria um rombo formidável nas contas externas, mas a conjuntura que prevalecia no período era tudo, menos normal. Concretamente, em 2011 a balança comercial brasileira registrou um superávit de quase US$ 30 bilhões; tivesse o país exportado e importado as mesmas quantidades obervadas naquele ano, mas a preços de exportação e importação em torno de sua média histórica (nossa definição de “condições normais”), a balança comercial teria registrado um déficit de US$ 46 bilhões.

A situação excepcional a que Stevens se referia nos trouxe, portanto, um ganho próximo a US$ 76 bilhões em 2011, equivalente a pouco mais de 3% do PIB naquele ano.

Desde então as circunstâncias se tornaram menos excepcionais. Os preços ainda estão, numa perspectiva de longo prazo, favoráveis ao Brasil, mas houve uma piora nítida de 2011 para cá. Nos últimos 12 meses (até maio) a balança registrou um superávit de US$ 8 bilhões; tivessem, porém, prevalecido os preços do terceiro trimestre de 2011 o saldo teria sido de US$ 28 bilhões, uma perda de US$ 20 bilhões (cerca de 1% do PIB).

Posto de outra forma, sem os ganhos extraordinários do período 2006-11 ficou muito mais difícil sustentar um modelo de crescimento baseado na expansão da demanda interna, em particular do consumo. O rápido encolhimento do saldo comercial, em larga medida originado da piora dos preços dos produtos exportados relativamente aos importados, acena com a possibilidade de um déficit externo da ordem de US$ 75-80 bilhões (3,5% do PIB) já em 2013.

Há, portanto, uma queda significativa da capacidade para importar a preços reduzidos precisamente quando a capacidade de reação da oferta doméstica se encontra limitada pelas condições do mercado de trabalho e baixo crescimento da produtividade. Neste contexto, políticas de incentivo à demanda se traduzem apenas em pressões adicionais sobre preços e importações (no caso, mais caras), com escasso impacto sobre o PIB.

A solução, como há muito insisto, passa por um ajuste fiscal de verdade, distante da contabilidade criativa e do corte de gastos inexistentes em que o governo se especializou, seja por seus objetivos políticos, seja pela dificuldade de entendimento já demonstrada acerca da natureza dos nossos problemas.


Os anúncios recentes no campo fiscal, em particular novas antecipações de dividendos por parte de bancos públicos com dinheiro emprestado pelo próprio Tesouro (financiado por endividamento!), deixam claro que não há risco de adoção de uma estratégia correta para lidar com inflação alta, déficit externo crescente e PIB medíocre. Com base em ilusões fiscais não há como esperar um cenário diferente no futuro próximo.

Truques velhos

(Publicado 10/Jul/2013)

quinta-feira, 4 de julho de 2013

Exorcizar é preciso; comunicar ainda mais

Dentre as novidades do último Relatório Trimestral de Inflação (RTI) destaca-se a adoção de uma nova forma de introduzir a política fiscal nos modelos do BC. Ao invés do superávit primário consolidado do setor público, o BC passou a usar o superávit primário estrutural, o que, em tese ao menos, representa um avanço considerável para capturar a real postura da política fiscal. Antes, porém, de explorar possíveis consequências desta medida, é bom examinar com um pouco mais de detalhe o que significa este conceito, assim como as vantagens e riscos que oferece na comparação com a metodologia anterior.

Estamos acostumados a pensar no resultado fiscal como uma variável de política, sob controle do governo, o que é parcialmente verdade, mas não captura integralmente o fenômeno. Na verdade, tanto a arrecadação quanto (em menor medida) os gastos públicos também reagem de forma automática ao ciclo econômico.

Não é preciso grande esforço de imaginação para notar que a arrecadação tende a ser pró-cíclica, isto é, a aumentar nos momentos em que a economia cresce mais forte, assim como peder fôlego quando a atividade assim o faz. Alguns gastos também tendem a seguir o ciclo, embora no Brasil o efeito só pareça ter alguma relevância no caso do seguro-desemprego, equivalente a pouco menos de 1% do PIB.

Desta forma, na ausência de medidas compensatórias, o superávit aumenta quando a economia se aquece e, de forma inversa, encolhe em períodos recessivos, processo que na literatura econômica é descrito como “estabilizador automático”.

O funcionamento dos estabilizadores automáticos traz, portanto, uma dificuldade para avaliação da verdadeira postura fiscal. Um superávit elevado, por exemplo, pode resultar tanto de uma política fiscal austera como de uma economia sobreaquecida. No caso, embora o estabilizador automático ajude, em alguma medida, a moderar o sobreaquecimento, é possível que a postura fiscal seja inadequada, isto é, pode ser necessário que ela estivesse ainda mais apertada.

Não faz sentido, portanto, à luz do que foi descrito acima, comparar diretamente resultados fiscais, seja entre países, seja num mesmo país ao longo do tempo, sem tentar, de alguma forma, isolar o efeito do ciclo econômico sobre as contas do governo. Isto é feito através da estimação do balanço fiscal “ciclicamente ajustado”, às vezes denominado “superávit de pleno emprego”.

A ideia é simples, muito embora sua execução não o seja: calcula-se qual seria o resultado fiscal caso a economia estivesse operando próxima ao seu potencial. Sob tais circunstâncias o resultado estimado reflete unicamente a postura fiscal, não o estado da economia. Em particular, se o superávit ciclicamente ajustado aumenta, a política é inequivocamente contracionista; caso contrário, expansionista.

Adicionalmente, por conta da tristemente célebre contabilidade criativa em alta nos últimos anos, é também necessário “exorcizar” o balanço fiscal de seres imaginários, como o Fundo Soberano, ou receitas de “Cessão Onerosa de Exploração de Petróleo”.

A aplicação de ambos os ajustes (cíclico e o exorcismo da contabilidade criativa) sobre o resultado primário observado gera o chamado resultado primário estrutural, que, pelas razões acima, representa um guia mais fidedigno da política fiscal.

Há, é bom que se diga, dificuldades. Embora o conceito do resultado ciclicamente ajustado seja relativamente simples, sua estimativa depende de parâmetros a rigor desconhecidos como o PIB potencial, problema nada trivial para quem já tratou do assunto. Fora isto, são necessárias estimativas confiáveis da reação da arrecadação a mudanças do nível de atividade e outras questões empíricas, no mínimo trabalhosas.

Isto dito, não resta dúvida que, do ponto de vista analítico, todas estas dificuldades pouco representam em face da enorme vantagem de passarmos a trabalhar com uma medida de política fiscal que capture, ainda que imperfeitamente, a real postura do governo ao invés de engolir as crescentemente desacreditadas estatísticas oficiais. Neste aspecto, a adoção do superávit primário estrutural é uma inovação relevante e merece nossos aplausos, ao contrário da quase tudo originado do BC nos últimos anos.

Ao mesmo tempo, porém, há um requisito adicional de transparência. Não cabem mais declarações vagas acerca da política fiscal atrás das quais o BC costuma se esconder como, por exemplo: “considera-se como hipótese de trabalho a geração de superávit primário de R$155,9 bilhões em 2013, conforme os parâmetros da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)”.


É necessário agora que o BC explicite suas premissas acerca do superávit estrutural ao longo do horizonte de previsão de política monetária para que possamos avaliar se suas decisões de política, a exemplo de seus modelos, também reagem às diferentes condições de política fiscal. Sem transparência, a mudança torna-se um mero exercício acadêmico, sem maior relevância para a avaliação da política monetária.

Não basta exorcizar; tem que comunicar.

(Publicado 4/Jul/2013)

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Na trilha das migalhas perdidas

Na semana passada o Banco Central divulgou seu Relatório Trimestral de Inflação (RTI), detalhando os motivos de suas decisões recentes de política monetária, inclusive projeções de inflação até meados de 2015. Trata-se de um documento essencial. Além da transparência, crucial em qualquer regime democrático, as previsões de inflação são críticas para entendermos o comportamento do BC, como, acredito, será possível mostrar neste espaço.

Sob o atual regime, cabe ao BC a responsabilidade de manter a inflação próxima à meta definida pelo Conselho Monetário Nacional, ou seja, pela Presidência da República. O BC define, assim, a taxa de juros supostamente para atingir este objetivo.

Ocorre que as decisões de política afetam a inflação com defasagem considerável: segundo estimativas do BC, o efeito máximo da taxa de juros sobre a inflação se dá de seis a oito trimestres à frente, isto é, decisões tomadas em meados de 2013 repercutirão com maior intensidade apenas ao final de 2014 e começo de 2015. Posto de outra forma, a inflação (elevada) de hoje reflete as decisões (equivocadas, como se percebe) tomadas entre o segundo semestre de 2011 e início de 2012.

Não é necessário acrescentar (embora aqui se faça) que prever a inflação é tarefa complicada e que pode se tornar ainda mais difícil caso premissas ruins sejam incorporadas aos modelos. Independente, porém, da precisão das projeções, os números divulgados na semana passada oferecem uma rara oportunidade de avaliar, de acordo com o modelo do BC, o que seria necessário fazer para trazer a inflação de volta à meta.

O RTI traz dois conjuntos de previsões que compartilham os mesmos pressupostos, à exceção de duas variáveis. No chamado “cenário de referência” o BC projeta o comportamento da inflação presumindo que tanto a taxa de juros (Selic) quanto a taxa de câmbio permaneçam inalteradas ao longo de todo horizonte de projeção nos mesmos valores observados na primeira semana de junho, isto é, 8% e R$ 2,10/US$ respectivamente. Segundo este cenário, a inflação no final de 2014 atingiria 5,4%, dadas as demais hipóteses.

Já no “cenário de mercado” a taxa de juros e a taxa de câmbio seguem as trajetórias previstas pela média dos economistas que contribuem para a pesquisa Focus, mantidos os demais pressupostos. No caso, a trajetória prevista da taxa de câmbio é praticamente idêntica à do “cenário de referência”, ao redor de R$ 2,10/US$.

Por outro lado, a trajetória da Selic é algo distinta, incorporando um aumento de 0,50% em julho e outro de 0,25% em agosto, o que traria a Selic para 8,75%, ali permanecendo até novembro de 2014. De acordo com este cenário, a inflação prevista para 2014 se reduziria para 5,2%.

A única distinção entre os dois cenários é o nível da taxa Selic: 8% no “cenário de referência” contra 8,75% no “cenário de mercado”. Assim, a redução da projeção de inflação, 0,2%, pode ser integralmente atribuída à diferença de 0,75% na Selic.

Dado, porém, que um aumento de 0,75% da Selic reduz a inflação projetada em 0,2%, uma diminuição de 0,9% da inflação (que a trouxesse de 5,4% para 4,5%) requereria um aumento 4,5 vezes maior, isto é, a taxa de juros atingindo algo entre 11,25% e 11,50% ao ano.

Noto, mais uma vez, que este resultado deriva do modelo do BC e das premissas por ele adotadas no último RTI, algumas bastante otimistas, em particular no campo fiscal, onde ainda se espera o cumprimento integral da meta de superávit, resultado a cada dia menos provável.


Resta saber se o BC irá seguir seus modelos e promover um aperto monetário adicional superior a 3 pontos percentuais, ou parar no meio do caminho e inventar uma história sobre como a inflação há de seguir as migalhas e achar sozinha o caminho de volta à meta. O histórico recente, como expresso no comportamento atual da inflação, sugere que comecemos a procurar a trilha das migalhas perdidas...

E agora?


(Publicado 3/Jul/2013)