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terça-feira, 26 de junho de 2012

O affair Bolsa Família-criminalidade

Nunca houve na blogosfera econômica brasileira tanta discussão sobre causalidade, variáveis instrumentais, econometria galdalfiana e a prática brasileiríssima (silvícola?) do argumento de autoridade.

Não posso negar que saí um pouco chamuscado desse melê. Em meu post inicial sobre o assunto, eu teci algumas considerações simpáticas ao “blogueiro” (conforme JMPM) Reinaldo Azevedo, somente para ser surpreendido por este post, em que RA dribla três oponentes, faz embaixadinha, levanta a bola e marca o gol contra, de bicicleta.

Gostaria então de resumir minhas posições sobre o assunto depois de alguns dias mais de reflexão.

A validade dos instrumentos

Minha principal preocupação “econométrica” com os resultados do artigo dizia respeito à validade dos instrumentos. Lembremo-nos: o modelo econométrico do artigo identifica o efeito do BF na criminalidade baseado na variação temporal da exposição das escolas ao BF causada pela expansão do programa em 2008. Escolas com mais jovens de 16-17 anos antes da reforma do programa tiveram um aumento no número de estudantes recebendo o BF.

Comentei que era plausível que houvesse outros fatores não-observáveis que poderiam invalidar a estratégia de identificação. Por exemplo, não sei onde ficam as escolas com mais estudantes de 16-17 anos. Seria na periferia ou no centro? Áreas de classe média ou mais pobres? Esta é uma pergunta importante, pois se houver diferenças na tendência de queda na criminalidade entre a periferia e o centro, ou entre áreas de classe média e áreas mais pobres, isto poderia invalidar a identificação. Se eu estivesse incumbido de dar um parecer sobre este artigo, eu faria questão de ver um mapa da cidade de São Paulo com as escolas representadas por pontos cujo tamanho representa o número de jovens de 16-17 anos pré-reforma. Ficaria mais tranqüilo se as escolas grandes estivessem espalhadas pela cidade, tanto no core quanto na periferia.

Por exemplo, é plausível que áreas com mais criminalidade inicialmente tenham menos serviços públicos (portanto suas escolas são maiores, cobrem uma área maior) e também tenham uma tendência de queda da criminalidade mais rápida (porque a criminalidade era mais alta nestas áreas inicialmente).

O que fazer então? Eu sugeri que os autores fizessem um teste de placebo. Se existe alguma diferença na tendência temporal da criminalidade pré-2008 que afeta a identificação, nós encontraríamos que o número de jovens com 16-17 anos interagido com uma dummy para 2007 teria um coeficiente negativo em uma regressão usando dados de 2005 a 2007. Eu entendo que os autores realizaram este teste, não encontraram um efeito do placebo, e assim, responderam na medida do possível à minha objeção.

A questão do Nordeste

Reinaldo Azevedo chamou o estudo de “cascata autoevidente.” Este foi claramente um comentário agressivo e depois disso, o que poderia ser um debate frutífero virou um bate-boca de bar. Mas para o bem de ambas as partes, vamos fingir que os piores momentos nao aconteceram, e prestemos atenção aos argumentos.


Segundo o argumento de RA, o fato que as taxas de homicídio subiram astronomicamente em alguns estados do Nordeste – onde o BF é um programa que cobre uma parcela maior da população – envia um sinal que a pesquisa seria uma “cascata” e representa um “preconceito asqueroso contra pobre”.

Eu comentei que esta observação – ainda que provavelmente reflita uma falta de entendimento de causalidade pelo Reinaldo Azevedo – é relevante e deve ser considerada. Cito minhas próprias palavras:

Se o efeito do Bolsa Família na criminalidade é causal e generalizável (eu não estou convencido que seja um ou outro, e explico logo porque), então este programa teria contribuído para reduzir a criminalidade no Nordeste significativamente. Como sabemos que a criminalidade no Nordeste não caiu, então a divergência na criminalidade entre o Nordeste e São Paulo teria sido ainda maior do que observada – e isso reduz a plausibilidade das estimativas, pois aumenta ainda mais o puzzle do aumento da criminalidade no Nordeste. Na melhor das hipóteses, o fato que a criminalidade aumentou no resto do país sugere que o resultado não seja generalizável.

Deste parágrafo, gostaria de emendar o trecho em que afirmo minhas dúvidas sobre a causalidade do efeito estimado. Tais dúvidas foram substancialmente diminuídas depois de ler o artigo pela enésima vez e trocar e-mails com um dos autores.

Mas mantenho minha dúvida sobre a questão da generalidade dos resultados.

Um bottomline

Apesar das emoções fortes, a atenção que o post do Reinaldo Azevedo causou foi benéfica. Até semana passada, o artigo não tinha sido lido por mais que uma media dúzia de gatos pingados (ver aqui), tenho certeza que essa controvérsia me levou, assim como a muitos leitores deste blog, a apertar o botão de download.

Eu recomendo fortemente que leiam o artigo, principalmente aos leitores mais jovens que estão se decidindo se querem trabalhar com economia aplicada. Se você não apreciar ler este artigo, sugiro uma carreira em Direito. 


Finalmente, não deixem de ler o Reinaldo – ainda que ele não saiba a diferença entre um mago mítico e um cientista, ele acerta bem mais do que a vasta maioria dos pundits na imprensa brasileira. E olha que eu contabilizo como erro cada uma de suas intervenções em que ele aparentemente acredita que o mundo não foi criado pelo monstro voador de spaghetti.

domingo, 24 de junho de 2012

GloboNews Painel (e eu! e eu! e eu!)

Minha participacão no Painel da GloboNews de ontem (23/jun).

Parte 1 de 2

Parte 2 de 2

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Tá com medinho, 02?


Na semana passada pudemos observar mais uma vez o ativismo infatigável do governo, que, pela quinta vez, alterou as regras do Imposto sobre Operações Financeiras para as operações de câmbio, agora reduzindo o prazo mínimo para isenção de cinco para dois anos. Com isto fica claro como o regime cambial no Brasil mudou de flutuante para um sistema de bandas: embora seja difícil precisar os limites exatos, aparentemente não querem o dólar abaixo de R$ 1,90, nem acima de R$ 2,05.

À luz de tudo da retórica governamental não é difícil entender a resistência ao barateamento do dólar. Afinal de contas, passaram os últimos anos reclamando do tsunami monetário (que, diga-se, não acabou, nem parece em vias de terminar, embora a moeda tenha se depreciado), da especulação, e do estado do gramado. O curioso, para não dizer irônico, é a resistência ao encarecimento do dólar, visível na alteração das regras, assim como na política de intervenção do BC. O que teme o governo?

Em 2008 e 2009 a exposição de empresas nacionais a derivativos de câmbio exóticos levou várias delas a situações complicadas, fazendo com que bancos restringissem o crédito por conta da incerteza sobre a saúde financeira do setor corporativo. No entanto, tal exposição não se verifica hoje, indicando que as chances de repetição daquele fenômeno parecem ser bastante baixas.

É verdade que a dívida externa do setor privado aumentou bastante de 2008 para cá, de pouco mais de US$ 200 bilhões em dezembro de 2008 (o equivalente a um ano de exportações) para cerca de US$ 340 bilhões em março deste ano (algo como 16 meses de exportações). Todavia, neste mesmo horizonte os ativos brasileiros no exterior, exceto as reservas internacionais, saltaram de US$ 214 bilhões para quase US$ 380 bilhões.

Colocando na balança todos os ativos e passivos em moeda estrangeira, calculo que o setor privado brasileiro apresentava em março deste ano um passivo líquido em moeda estrangeira da ordem de US$ 48 bilhões (em 2008 havia um ativo líquido de US$ 12 bilhões). Parece muito, mas representa menos de 20% das exportações e cerca de 2% do PIB. Para fins de comparação, à época da crise de 2002 o passivo líquido em moeda estrangeira do setor privado atingia mais de 10% do PIB e equivalia a 80% das exportações anuais.

Vale dizer, o efeito da desvalorização da moeda sobre os balanços das empresas é mais do que compensado pelo efeito da desvalorização sobre suas exportações. Não há motivos, portanto, para temer que o enfraquecimento do real possa levar ao mesmo tipo de crise financeira observada em 2002 e 2008.

Diga-se, aliás, que a mesma conclusão, vitaminada, vale para o setor público, que era devedor líquido em moeda estrangeira em 2002 e é hoje credor líquido, de modo que a desvalorização do real melhora as contas públicas.

O BC argumenta que sua intervenção se deve à ausência de vendedores. Isto é verdade, mas não exime a autoridade monetária de responsabilidade, visto que a timidez dos vendedores de câmbio decorre principalmente da taxação das operações no mercado futuro, entusiasticamente apoiada pelo BC. Mais que falha de mercado, trata-se de resultado da própria regulamentação governamental.

O problema parece ser o efeito sobre os preços. De fato, enquanto os preços de commodities em dólares caíram 14% entre maio de 2011 e maio de 2012, medidos em reais estes mesmos preços aumentaram 6%; de fevereiro para cá 11%. Não que a inflação em si preocupe o governo; a questão central é até que ponto isto poderá limitar o processo de redução de juros.

Assim como o ocorrido no ano passado, a mão pesada do governo gerou mais depreciação do que teria resultado naturalmente das forças de mercado (queda de preços de commodities e valorização global do dólar). Como dizem lá fora: cuidado com o que deseja; pode se tornar realidade...

- Deprecia!
- Não deprecia!
- Não, deprecia!
-Deprecia não!
-Deprecia, não?
- Hã? (*)
(*) Esta sequência é um plágio meu da sugestão de um amigo com um senso de humor particularmente cortante, que merece o crédito, mas não pode recebê-lo. Mas, como se diz, o plágio é a forma mais sincera de elogio.

(Publicado 20/Jun/2012)

terça-feira, 19 de junho de 2012

Mais sobre o BF e a criminalidade

Outro problema que deve ser levantado sobre o artigo da galera da PUC e Banco Mundial sobre o papel da expansão do BF na redução da criminalidade em SP é a interpretação equivocada que os autores fazem do resultado das regressões (“our results suggest that the reduction in inequality determined by the program was accompanied by reduced crime rates, reinforcing the connection between inequality and crime stressed before in the literature.”, ou na carta de JPMP para RA: "Encontramos que o crime caiu mais fortemente no entorno das escolas com mais alunos de 16 e 17 anos. Por isso a inferência de que o Bolsa Família causou queda na criminalidade em SP.").

O coeficiente negativo para o número de jovens recebendo BF nas escolas identifica quanto a criminalidade se reduziu no entorno da escola relativamente ao resto da cidade de São Paulo.

Por exemplo, digamos que o Bolsa Família aumentasse a freqüência escolar dos jovens de 16-17 anos (algo que os autores não tentaram demonstrar, mas que pode ser medido usando dados como o PNAD). Se jovens criminosos cometerem crimes predominantemente longe de suas escolas - uma hipótese plausível, pois assim reduziriam a chance de serem reconhecidos – então é perfeitamente plausível que o BF tenha apenas o efeito de deslocar o local da criminalidade para longe das escolas freqüentadas pelos jovens criminosos.

Repito: não há absolutamente nada na equação estimada no artigo da galera da PUC que implica que o BF tenha reduzido o total de crimes em SP. Qualquer afirmação neste sentido, como aquelas supra-citadas no primeiro parágrafo, é errada.

A controvérsia Reinaldo vs JMPM

Como quase todos vocês devem ter ouvido falar, um post de Reinaldo Azevedo criticando um estudo de economistas da PUC-Rio sobre o efeito do Bolsa Família sobre a criminalidade na cidade de São Paulo tem dado o que falar na blogosfera.

Se você não leu ainda, tem tempo a perder, e estômago sadio, aqui está o primeiro post de Reinaldo Azevedo em que ele encontra petistas embaixo de sua cama, na gaveta do faqueiro e dentro da maquina de lavar roupas; aqui a réplica de João Manuel Pinho de Mello, que provou que realmente trabalha duro em sua pesquisa e atividades docentes, pois ficou blatantemente óbvio que ele nunca bateu boca na internet (ou bar ou seminário...); e a resposta de Reinaldo, anunciando que está trabalhando em sua tréplica.

Resumindo, o Reinaldo Azevedo ficou indignado que o estudo dos professores da PUC-Rio atribui parte da redução da criminalidade em São Paulo à expansão do Bolsa Família para adolescentes de 16 e 17 anos, ocorrida em 2008. Sua indignação, em minha opinião, reflete um pouco de sua paranóia anti-petista, afinal o resultado do artigo atribui apenas uns 20% da redução da criminalidade aos efeitos do Bolsa Família, sobrando uma parcela leonina para outras variáveis como as políticas públicas do governo paulista.

Assim, Reinaldo pergunta:
"Por que, então, a campanha do desarmamento não produziu os mesmos efeitos no resto do Brasil? Por que, então, houve, na média, aumento da violência no Norte e Nordeste, embora sejam as regiões mais beneficiadas pelo Bolsa Família?"
JMPM responde:
"Consideremos o Nordeste, o contraexemplo preferido. É possível, na realidade provável, que o crime tivesse aumentado ainda mais no Nordeste na ausência do Bolsa Família, mas não temos como saber. Em linguagem científica isso se chama contrafactual. (...) Mutatis mutandis, o aumento da criminalidade no Nordeste ao mesmo tempo em que o Bolsa Família lá se expandiu não demonstra que o Bolsa Família não ajudou a diminuir o crime."
Aqui eu vou divergir do bom Pedro, que nos comentários desse blog argumentou que Reinaldo deveria ser reprovado com zero em qualquer curso de introdução às ciências sociais. O ponto que o Reinaldo levantou é relevante e deve ser considerado. Se o efeito do Bolsa Família na criminalidade é causal e generalizável (eu não estou convencido que seja um ou outro, e explico logo porque), então este programa teria contribuído para reduzir a criminalidade no Nordeste significativamente. Como sabemos que a criminalidade no Nordeste não caiu, então a divergência na criminalidade entre o Nordeste e São Paulo teria sido ainda maior do que observada – e isso reduz a plausibilidade das estimativas, pois aumenta ainda mais o puzzle do aumento da criminalidade no Nordeste. Na melhor das hipóteses, o fato que a criminalidade aumentou no resto do país sugere que o resultado não seja generalizável.

Quanto ao artigo, eu não estou convencido ainda. Vários resultados já publicados mostram que o BF tem efeitos bem modestos sobre variáveis como a oferta de trabalho. Também é pouco plausível que um benefício tão pequeno tenha efeito economicamente significativo, ainda mais em São Paulo. Os autores têm dados de 2006 a 2009. Por que não fazer um teste de placebo, estimando o efeito da expansão do BF ocorrida em 2008 na criminalidade em 2007? Eu sugeriria que os autores estimassem uma forma reduzida com dados de 2006-07 e testassem se a interação entre o número de estudantes entre 16 e 17 anos e a dummy para 2007 é significativa. Se o teste de placebo encontrar algum efeito da expansão do BF na criminalidade em 2007, é porque a estratégia empírica está mal especificada. Mas se a especificação passar pelo teste de placebo, dou meu braço a torcer (ainda que mantendo minhas dúvidas sobre a generalidade do resultado, vide comportamento da criminalidade no resto do Brasil).

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Famous last words: Professor Ferrari-Filho chuta o tripé neo-liberal

Encontrei essa passagem mezzo-hilária, mezzo-deprimente em um artigo escrito em setembro do ano passado pelo professor Ferrari-Filho, um dos expoentes do keynesianismo de quermesse.

Due to the economic policy strategy based on inflation targeting, an increased primary surplus target and flexible exchange rate, Brazil’s GDP performance was poor: from 2003 to 2006, the average growth rate of Brazil was, approximately, 3.5% per year. 

Ainda bem que agora não estamos mais restritos ao tripé neo-liberal... Agora vai!

Cada um tem o Ferrari que merece.

quinta-feira, 14 de junho de 2012

Um outro punhado de euros


O recente pacote de até € 100 bilhões para o resgate dos bancos espanhóis seguiu o padrão dos anteriores: meses de negativas, relutância por parte dos tomadores e, finalmente, o anúncio em meio a certo embaraço por parte do governo resgatado. Dado o histórico pouco estimulante dos resgates passados me pergunto se a mesma sequência de eventos poderia ser tomada como uma profecia (nada lisonjeira) do resultado do pacote.

A resposta dos mercados, uma rápida euforia, dissolvida ao longo de um dia, aponta precisamente nesta direção. De fato, embora o resgate possa evitar um desastre de grandes proporções ele não resolve o problema espanhol (ou europeu) e, a depender da definição de alguns pontos importantes, pode reforçar o elo negativo entre problemas bancários e soberanos.

Vamos, porém, por partes. Em primeiro lugar deve ficar claro que o pacote não ataca o cerne do problema espanhol, que talvez seja o exemplo mais bem acabado da natureza da crise europeia. Já foi dito, mas vale a pena repetir, que, por mais que as dificuldades ibéricas se manifestem no lado fiscal, sua origem está longe daí.

Com efeito, a Espanha antes da crise registrou seguidos superávits fiscais, resultantes, é verdade, do forte desempenho da arrecadação por conta do seu expressivo crescimento à época. Todavia, segundo as estimativas do FMI, mesmo ajustando o saldo fiscal espanhol ao ciclo econômico, seu déficit estrutural ficou em média próximo a 1% do PIB, do início do euro até a eclosão da crise. Para fins de comparação, a Alemanha apresentou déficit estrutural médio pouco inferior a 2,5% do PIB no mesmo período. A dívida do governo espanhol em 2007 atingia modestos 36% do PIB (contra 65% do PIB na Alemanha).

Por outro lado, o déficit externo espanhol era da ordem de 10% do PIB às vésperas da crise contra 4% do PIB em 2000. O forte crescimento da demanda interna espanhola, em particular o investimento em construção, foi possibilitado pelo financiamento barato do centro europeu, levando a taxas de inflação sistematicamente mais altas e, portanto, apreciação da sua taxa real de câmbio vis-à-vis à alemã.

Isso não foi problema enquanto o capital fluía do centro para a periferia, mas, quando, por conta da crise, houve a reversão, a vulnerabilidade espanhola foi desnudada, em particular a impossibilidade de ajuste rápido da taxa real de câmbio por meio da depreciação da moeda. O que restou à Espanha foi o duro caminho da deflação, ou seja, desemprego e recessão, que, por sua vez, levou à deterioração fiscal.

Uma vez que o pacote não endereça, contudo, as dificuldades de ajuste da taxa de câmbio no contexto de uma moeda única, não há motivo para crer que seja a solução para a crise espanhola, nem para países que sofrem problemas semelhantes.

É verdade, porém, que o foco do programa é mais limitado, a saber, recapitalizar os bancos para evitar uma crise bancária. Ainda assim há pontos que precisam de esclarecimento urgente.

Como notado, o país passou por uma onda extraordinária de construção, financiada por seus bancos, que assim reciclaram os recursos obtidos do centro europeu. Todavia, na esteira da recessão e da queda dos preços de imóveis, a qualidade dos empréstimos se deteriorou consideravelmente. Segundo a mais recente avaliação FMI, seriam necessários € 40 bilhões para que os bancos ibéricos possam absorver as perdas de suas carteiras, em particular as imobiliárias, assim como trazer seus níveis de capitalização para os requeridos, emulando a bem sucedida experiência americana de 2008-09 (TARP).

Neste sentido os recursos europeus são mais do que bem-vindos, mesmo porque, face às perdas esperadas nas carteiras de crédito, é pouco provável que o setor privado vá fazer este papel. Há, contudo, dois problemas relacionados que podem afetar em muito a efetividade do resgate.

Em primeiro lugar, ao invés de serem diretamente injetados nos bancos, estes recursos serão emprestados ao governo espanhol que, através do seu fundo de capitalização bancária (FROB), se responsabilizará pelo processo. Desta forma a dívida espanhola se elevará pelo exato montante requerido para a capitalização (cerca 10% do PIB no máximo), o que deve levar a dívida pública para algo em torno de 85-90% do PIB. O problema no caso é que isto piora as condições de solvência do governo e, portanto, afeta os bancos, detentores dos títulos públicos espanhóis.

Este efeito pode ser magnificado dependendo da senioridade destes recursos relativamente aos dos demais credores. Caso, como quer a Alemanha, a União Europeia tenha direito de receber antes dos demais em caso de calote, a perda esperada para os credores remanescentes será tão maior quanto mais recursos vierem da UE. Isto realimentaria os problemas bancários, agora pelo canal da dívida soberana, ao invés de mitigá-los, gerando o efeito inverso ao originalmente pretendido.

Não por acaso, portanto, a reação do mercado foi tão frustrante. Caso implique a venda da senioridade por um outro punhado de euros, o resgate será no máximo um rima, jamais uma solução.


Para mí, en primer lugar, señor Rajoy!


(Publicado 14/Jun/2012) 

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Preso na Dimensão Z


Acordei num universo paralelo. Leio que há no governo quem considere que a política fiscal teria contribuído para o mau desempenho da produção no final do ano passado e começo deste ano. Segundo esta versão, a busca pelo superávit primário teria forçado o governo a cortar seus gastos, principalmente no que diz respeito aos investimentos, reforçando a queda da demanda. Seria um (mau) exemplo de política fiscal pró-cíclica (que reduz o gasto nos períodos de menor crescimento e os aumenta nos momentos de aceleração), do tipo que o Brasil tem criticado nos países europeus.

Tamanho desprezo pelos dados (produzidos, diga-se, pelo próprio governo) só seria possível num universo (que, no meu blog, batizei de “Dimensão Z”) em que as regras da lógica não tenham validade e toda evidência empírica deva ser tomada justamente como seu oposto. No universo em que nasci, porém, as coisas funcionam de um modo distinto...

Lá, por exemplo, descobrimos que o gasto primário do governo federal cresceu 7% acima da inflação nos primeiros quatro meses do ano comparados ao mesmo período do ano passado, um aumento da ordem de R$ 17 bilhões (já corrigido pelo IPCA), pouco inferior a 1% do PIB. Deste total, R$ 13 bilhões se referem ao aumento do gasto corrente; já o gasto de capital cresceu algo como R$ 3,7 bilhões. Neste mesmo período o superávit primário cresceu apenas R$ 1,6 bilhão, impulsionado pela expansão da arrecadação.

Já quem no meu universo nativo buscasse amparo nos dados das contas nacionais notaria que, de acordo com a definição mais estreita do consumo do governo adotada nesta contabilidade (que, principalmente, retira as transferências a famílias do dispêndio governamental), o gasto real cresceu 3,4% no primeiro trimestre do ano comparado a igual período de 2011. Em termos dessazonalizados, porém, isto significa um aumento de 1,5% sobre o quarto trimestre de 2011, correspondendo a uma taxa anualizada superior a 6%. No último semestre os gastos governamentais se expandiram a uma taxa média da ordem de 4% ao ano.

Não por acaso o consumo público no Brasil voltou a ultrapassar a marca de 20% do PIB no primeiro trimestre de 2012 (dados já ajustados ao padrão sazonal) e, mais importante, também superior ao investimento, que se retraiu a 19% do PIB. Continuamos, para todos os efeitos, a ser um país em que o governo gasta muito e, inexplicavelmente, se espanta quando o setor privado investe pouco.

Isto dito, ao menos fora da Dimensão Z, não há qualquer fiapo de evidência que sugira que o governo tem seguido uma política fiscal pró-cíclica. A verdade é que os gastos têm aumentado quando a economia cresce pouco e também quando cresce muito; a única coisa que se altera é a justificativa.

De fato, é curioso como a conversa acerca da alteração da política fiscal, de supostamente pró-cíclica para anticíclica (que, em si, não seria um problema), só aparece quando o PIB patina. Quando o crescimento se acelera não se vê, nem de longe, o mesmo fervor pela redução de gasto, como, aliás, a experiência de 2009-10 demonstrou à exaustão.

Por fim, a noção de que o problema é de demanda deve ser pensada com cuidado. O consumo privado tem crescido a 4% ao ano os últimos seis meses, não muito distinto do consumo público. Juntos representam pouco mais de 80% da demanda interna e do PIB.

O problema, no caso, é o investimento, cujo desempenho ruim significa menos crescimento hoje e menor capacidade de crescimento à frente. Mas o investimento não será destravado pelo aumento do gasto público (há boas razões para se pensar no oposto), nem pelo crédito subsidiado. Talvez, quando o governo parar de atirar em todas as direções na vã esperança de acertar alguma coisa e institua um mínimo de estabilidade de regras, a coisa voe. Fora disso seremos sempre prisioneiros da Dimensão Z.

- Saca só essa política pró-cíclica meu...


(Publicado 6/Jun/2012)

segunda-feira, 4 de junho de 2012

Esclarecimento hilário

Deu no Valor Econômico do dia 30 de maio:
Esclarecimento
Sobre a matéria veiculada na página A8 do Valor de ontem, "Oreiro ganha apoio de partidos para presidir Ipea", o Ministério do Esporte esclarece:
O ministro Aldo Rebelo não conhece o economista José Luís Oreiro e nunca foi procurado por ninguém ligado ao sr. Oreiro para tratar desse assunto. O ministro da mesma forma nunca tratou desse tema com a presidenta Dilma nem com qualquer outro interlocutor.
Ministério do Esporte - Assessoria de Comunicação

sábado, 2 de junho de 2012

“O” Anônimo prevê o PIB de 2012

Hoje saiu o resultado do PIB do primeiro trimestre de 2012. A economia brasileira cresceu 0.2% entre o quarto trimestre de 2011 e o primeiro trimestre de 2012. Comparando os últimos 12 meses com os 12 meses imediatamente anteriores, o crescimento foi de 1.9%.

Assim, com o que nós já sabemos do segundo trimestre, estou confortável para prever o crescimento para o ano cheio.

Eu vou de 2% - porque gosto de número redondo e também porque aposto que nosso governo vai pisar no acelerador “sem medo de ser feliz.” Ano eleitoral, oras! Só esqueceram de combinar com os russos...


E vocês, o que acham?



"Comigo o pibe cresce!"