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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Europa: entre querer e poder


Fui mais de uma vez perguntado, no contexto da atual crise europeia, se – dada a profunda recessão enfrentada pela periferia da Zona do Euro – não seria o caso destes países buscarem alguma forma de incentivo ao crescimento como, por exemplo, os programas adotados na esteira da crise financeira de 2008/09, caracterizados por forte expansão fiscal. Minha resposta tem sido invariavelmente a seguinte: “expansão fiscal é para quem pode, não para quem quer; mas quem pode não quer”.

Já me explico. Obviamente, para países como a Espanha, Irlanda e mesmo Itália e Portugal, um aumento do gasto público poderia, tudo o mais constante (atentem para esta cláusula), reativar a economia e reduzir a taxa de desemprego. O único senão é que as demais variáveis têm o péssimo hábito de não se manter constantes ao longo do processo, complicando o problema um bocado.

Na prática, todos os países acima têm encontrado dificuldade na obtenção de recursos para financiar seus níveis atuais de gasto (ou, mais precisamente, dos seus gastos em excesso às suas receitas). Enquanto escrevo esta coluna a Itália precisa pagar um prêmio de risco algo superior a 5% ao ano para convencer investidores a comprarem seus títulos, enquanto custa à Espanha ainda um pouco mais caro (5,5% ao ano) para vender os seus. Assim, caso resolvessem ampliar seus gastos enfrentariam complicações adicionais para persuadir poupadores a adquirir seus papéis, sendo obrigadas a pagar prêmios ainda maiores.

Todavia, como a taxa de juros dos empréstimos ao governo é geralmente também a menor taxa de juros do país, os efeitos da expansão dos gastos acaba por levar ao encarecimento do crédito, na prática desfazendo, pela via monetária, o potencial impulso que viria pelo lado fiscal. Há, é verdade, quem argumente que o crescimento da economia resultante do aumento de gastos geraria a receita tributária necessária para financiar tal aumento, mas qualquer economista que dedicar cinco minutos de sua vida à álgebra verificará que se trata de impossibilidade matemática.

Não se trata de maldição genérica. Há países (Alemanha, Reino Unido, EUA) que, mesmo fora da melhor forma fiscal, têm conseguido obter recursos a taxas de juros muito baixas. A taxa de juros real (deduzida a inflação) nos títulos de 10 anos dos EUA é negativa (algo como -0,5% ao ano); já a taxa para 10 anos (sem descontar a inflação) no Reino Unido e na Alemanha é, respectivamente, pouco inferior a 2% ao ano e 1,5% ao ano, menores, portanto, do que a inflação esperada. Posto de outra forma, em 10 anos estes países poderão devolver a seus credores menos do que lhes foi emprestado.

Não há milagre, apenas a percepção que tais governos, ao contrário daqueles da periferia do euro, não apresentam risco de calote e que, portanto, podem, em alguma medida, elevar seus gastos sem que isso comprometa, pela elevação da taxa de juros, a recuperação da demanda privada.

Do ponto de vista da Europa, pois, se há alguém que possa efetivamente auxiliar na recuperação econômica da periferia (ainda mais levando em conta a profunda integração comercial entre esses países), trata-se da Alemanha.

Isto dito, se declarações mais recentes de autoridades alemãs parecem finalmente demonstrar a percepção que qualquer solução para a crise europeia passa pela aceleração da demanda interna nesse país (por exemplo, a defesa de aumentos salariais pelo Ministro Wolfgang Schäuble e mesmo aceitação de uma taxa de inflação algo acima da média da Zona do Euro), ainda estamos longe de ver políticas consistentes no sentido de restaurar as condições de crescimento da periferia.

A hora da verdade para o euro está se aproximando, mas o mundo político ainda não parece ter se dado conta do que está em jogo. Sem uma política fiscal europeia não há como sustentar o sonho da unidade monetária.

Alguém terá que sustentar o sonho


(Publicado 23/Mai/2012)

23 comentários:

Acredito que a Grécia sai do Euro de qualquer forma (principalmente por questões políticas internas). Contudo o sucesso do Euro concentra-se na Alemanha aumentar a demanda agregada e enfrentar um pouco mais de inflação, enquanto a periferia pisar no freio, e aceitar o desemprego um pouco alto durante algum tempo. Assim, mesmo que o câmbio nominal seja fixo dentro da União Europeia, o câmbio real se apreciará na Alemanha. O que ajudará a periferia.

Se entendi bem, o que é sempre improvável, tem uma crítica à política econômica alemã. Cuidado Alexandre que daqui a pouco te chamam de neo-populista...

Celso, o problema é se a tigrada vai esperar. Olha o que aconteceu na França. Por falar nisso, se fala muito da terra de deutsch, mas a gália não tem um papel importante dentro da UE?

Será que poderia funcionar o seguinte plano: um financiamento a juros zero, saindo do tesouro dos desenvolvidos, sei lá uns 500bi (pra fazer algo pequeno nem precisa começar!), para empresários investirem em projetos na Grécia (serviria para Espanha e Portugal também), projetos que gerassem empregos e exportações, com risco somente dos financiadores, no caso pior a encrenca ficaria na mão dos contribuintes obviamente, tipo o que o BNDES faz pros amigos aqui. Temos que achar um Mantega alemão, que com seu poder de oratória irá convencer o alemão que issso é o certo. Sugestão: fazer uma malha de TGVs cortando o sul da Europa! Sabe o problema? Achar grego querendo aceitar o salário chinês. Então poderíamos estimular a imigração China-sul da Europa. olhando o exemplo do chinês, o choque de realidade estaria completo, o salário médio real iria cair uns 50%, tornando desnecessário a deval.
Maradona

A facilidade de financiamento da Santíssima Trindade (EUA, UK, Alemanha) não se deveria menos a sua solidez fiscal e mais à possibilidade de emitirem suas próprias moedas (os dois primeiros por motivos óbvios, a Alemanha por mandar no BCE)?

Gostei da ideia do Maradona. Agora, "Mantega" e "poder de oratória" não são expressões que costumam aparecer na mesma frase...

Jorge,
Com certeza. A escolha política dos europeus não é para contração fiscal, na França elegeram o Hollande, e qualquer político que prometer emprego etc, será eleito. Agora como fará isso?...o ministro das finanças que tiver essa resposta ganhará o nobel de economia.

Uma aula, perfeito, parabéns. Difícil não entender.
Não acredito ser possível sair de uma crise de gastança irresponsável sem algum sofrimento. No mínimo a correção dos gastos irresponsáveis (e de qualidade duvidosa) e de alguns privilégios. Outra saída é dar o cano (o sofrimento é duplo - quem leva o cano sofre no cp, quem dá a lp.).
Os alemães não aceitarão pagar privilégios e gastos irresponsáveis de gregos e troianos. No mínimo exigirão um ajuste responsável (pode chamar de austeridade) nos orçamentos (eliminação dos abusos). Sustentar privilégios, mordomias e corrupção de outros povos é insuportável. No Brasil pelo menos é o mesmo país (temos o poder de eliminar e prender). Dirão: mas não fazemos. Direi: o poder de fazer satisfaz um pouco. Acredito que no fim os alemães e franceses econtrrão um caminho que leva à melhoria da moralidade e facilite a saida da crise. A grande dúvida: que bancos quebrarão? O BCE deixará quebrar?

New deal, Plano Marshal, fim do padrão-ouro... Economistas que conhecem história, que não é o meu caso, e os políticos já devem saber que o momento histórico é comparável àqueles (com crase) que geraram tais medidas. O chato é perceber que os países entraram nessa sem nenhuma querrinha, foi só com dívida, alavancagem e consumo irresponsável. Puro oba-oba. E antes os livros não tinham sido escritos, agora existe um milhão de títulos e meia centena de prêmios Nobel em economia...
Mas se ficar somente dando dinheiro para não deixar bancos e poupadores irem pro vinagre a "grande explosão financeira" será certa. Se derem também uma graninha para gerar empregos, acho também que PODE acontecer um colapso.
O engraçado é ver o grego, pesssoa física, típico, que já sacou o dinheiro do banco e está com euro na mão (se souber ler vai estar com dollar), pode torcer pra grécia sair do euro, vai ganha uma grana às custas do BCE, ou seja , do alemão lá, que está lotado de mico do berço da democracia. A Grécia dá o calote, a Alemanha perde uma grana, Itália e Espanha ajoelham, França balança, e o grego fica feliz. Csaso fosse grego, eu votaria nos pró-ruptura e vocês?
Maradona

Maradona, Caso fosse um grego milionário, né? Porque fosse um dos que já estão pendurados no cadafalso...A verdade é que estão enfrentado uma escolha de Sofia!

Parabéns pela participação no Jornal Nacional hoje.Uma voz racional esclarecendo a população brasileira. Viu o professor da Unicamp comparando a caneleira do Neymar com maquinários e tecnologia? Como a Unicamp conseguiu tanta ruim?

Alemães são muito inflexíveis. Mas imagine se a Grécia sair do euro e a situação melhorar bastante. Outros países poderiam fazer o mesmo, ex: Portugal, Irlanda, Espanha e assim por diante.
Não vejo muita manifestação dos países do leste europeu. Eles tem renda menor, acho que equivalente à Portugal mas a situação fiscal e do balanço de pagamentos não é muito comentada. Como será que eles estão?

Se todos saírem fica a Alemanha com o euro. Seria o marco com nome diferente.

Lendo a reportagem abaixo surge uma indagação. Será que a inflexibilidade alemã não estaria matando sua galinha dos ovos de ouro?

Sílvio Guedes Crespo

Mais de US$ 1 trilhão entrou na Alemanha desde a criação da moeda única (1999) até 2010 por meio do comércio de bens com seus colegas do euro, mostram dados da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) compilados pelo Radar Econômico. O número indica que a nação germânica foi a mais beneficiada pela moeda comum no comércio exterior, em valores absolutos.

Em 1998, quando os alemães ainda usavam o marco, seu superávit comercial junto às nações que mais tarde adotariam o euro era de apenas US$ 29 bilhões. Em 2008, já com a divisa comum, o saldo atingiu US$ 177 bilhões, número sete vezes maior. O valor caiu a partir de 2009 por causa da crise originada nos Estados Unidos, mas ainda assim permaneceu bem acima do nível verificado nos tempos do marco, como mostra o gráfico abaixo.

Existe a piada do português: ele não me pagou mas eu vendi caro.
Os alemães terão que copiar a piada do português. Os gregos compraram muitos carros MBB e BMW (dos modelos mais caros). Só que não pagaram e não vão pagar. O mesmo para Portugal, Espanha, Irlanda (estes parecem que têm mais razão e honestidade). Devem sair da crise. A Grécia é carne podre, insustentável. A corrupção é pior do que a brasileira (pior é que lá não tem estrutura de governo, as instituições são fracas). Como eliminar aposentadorias e pensões falsas? Como reduzir salários de deputados (os alemães ganham um terço dos gregos). Os gregos viveram uma realidade insustentável. Ninguém sabe o quanto foi remetido para o exterior. A Grécia saindo do EURO irá entrar para a realidade com uma moeda que se desvalorizará (viver na realidade tem suas vantagens). Se fosse possível entrar para a realidade com o EURO seria muito melhor para eles. O que é melhor: receber uma renda menor em EUROS ou em moeda que se desvaloriza? Os gregos podem escolher o mundo real: com Euros ou com moeda que se desvaloriza.

O Mantega é o Delfin Netto do século XXI, estamos em marcha acelerada!
Amém!

A entrada de recursos na Alemanha é devido à segurança de aplicar lá do que na Grécia, por exemplo.
Pode ser até inflexível, mas é mais seguro.
A Grécia, a ver, deveria ajustar-se e permanecer no euro.
No dracma, quem vai investir num ambiente em dracma, que se for retornada poderá valer centavos de euro?
Não há chances da Grécia sair da Zona do Euro e melhorar a situação econômica como por milagre.
Se assim o fosse, não deveria, ou precisaria ter entrado.

O DN É UM INTELIGENTE TEIMOSO E QUE NÃO QUER DAR O BRAÇO A TORCER E FALAR: O QUE EU FIZ HOJE VEJO QUE FOI ERRADO (foi o politicamente possível). Fica se desmoralizando defendendo o indefensável. O GM é de doer (parece uma barata tonta.).

Não consigo deixar de falar do Mantega. Semana passada o governo anuncia um novo pacote de INCENTIVO a demanda agregada, isso já é um absurdo, considerando a conjuntura econômica atual. Mas ontem conseguiram um grau de superação incrível. O bacen anunciou que a inadimplência aumentou. Não sei quem está elaborando essas políticas, será: Didi, Dedé, Mussum e Zacarias?!

http://mais.uol.com.br/view/1575mnadmj5c/poder-e-politica--entrevista-guido-mantega-integra-31min-04024D183160C4C12326?types=A

10:40' - ' Com juros mais baixos, ou o consumidor consume mais ou se endivida mesmo, e ainda REDUZ A INFLAÇÃO..'

Tá cada vez menor...e o butters promete cobrar!!



The Anchor

A esse respeito:

http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,trauma-da-reunificacao-explica-a-resistencia-alema-a-estimular-gregos-,113943,0.htm

Alex,

Já que você está tão inserido no assunto, poderia indicar texto que explique a recente crise européia.

Para quem não é economista, fica difícil entender...

Ah, tem alguma recomendação sobre zonas monetárias ótimas?

Att,
Atoidi

"Não sei quem está elaborando essas políticas, será: Didi, Dedé, Mussum e Zacarias?!"

Nao. Eh Mantega, Rousseff, Pimentel, Barbosa e Coutinho.

Nao é surpresa que vc tenha sido despedido do banco onde trabalhava. De macro nao entende, só de insultos.

"De macro nao entende, só de insultos."

Ai, ai, ai... Temos uma violeta delicada por aqui...

Alex, em vista do baixo desempenho do PIB brasileiro, do agravamento da crise europeia, vc ainda acha que a queda nos juros não foi adequada? Mesmo com juros caindo não sentimos pressão inflacionária.
Ronaldo