teste

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Quando bate uma saudade

Há pouco mais de três anos discutiu-se o plano de ajuste fiscal de longo prazo. O projeto, preparado pelo Ministério do Planejamento e pelo saudoso Ipea, previa uma estratégia de redução do gasto corrente do governo federal com o objetivo de ampliar o espaço para o investimento público e acelerar a queda da relação dívida-PIB. O programa, porém, foi fulminado no nascedouro (classificado como “rudimentar”), como mostra a evolução desapontadora do gasto corrente federal desde então. No entanto, caso o projeto tivesse sido implantado, o espaço para a política fiscal anticíclica, hoje praticamente ausente, seria consideravelmente maior.

Conforme apresentada à época, a proposta sugeria uma modesta redução do gasto corrente medido com relação ao PIB: 0,1% do PIB por ano, a ser posta em prática a partir de 2006. Note-se que naquele ano o gasto corrente atingiu 16,1% do PIB, de modo que, caso tivéssemos levado adiante o ajuste, em 2008 a despesa corrente teria se limitado a 15,8% do PIB. Observamos, porém, gastos correntes da ordem de 16,7% do PIB no ano passado (e mais ainda este ano), o que já nos dá uma noção da falta de controle, melhor aferida, entretanto, pela trajetória da dívida pública.

Nossos cálculos revelam que, mesmo supondo que as taxas de juros observadas não se alterassem (o que certamente não seria verdade, pois com gasto público mais baixo o juro também cairia), a dívida teria ficado em 33,8% do PIB no ano passado, 2% do PIB inferior à observada.

Todavia, por mais importante que seja a redução mais rápida da dívida, a consequência mais relevante para as atuais circunstâncias não se refere ao balanço do governo, e sim à sua capacidade de reação face à crise internacional.

Assim, duas semanas atrás o governo divulgou suas novas metas fiscais, bastante inferiores às com que havia se comprometido por meio da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2008. Ao invés de gerar um saldo primário equivalente a 2,5% do PIB, o governo federal agora promete 1,4% do PIB, o que poderia gerar alguma esperança quanto ao papel da política fiscal como arma de resposta à crise.

Ledo engano. Parcela considerável da redução da meta de superávit para este ano reflete a mera queda da arrecadação, que estimamos da ordem de 1% do PIB. Some-se a isto a expansão já contratada do gasto corrente (previdência e funcionalismo) e é difícil escapar à conclusão que, mesmo para atingir a meta fiscal mais baixa, o governo federal teria que sacrificar seus investimentos. Como possivelmente não o fará, o teorema do cobertor curto sugere que sacrificada será a nova meta.

Caso, porém, tivéssemos controlado o gasto corrente, nosso cobertor seria bem maior. Num cenário em que a despesa corrente houvesse sido limitada a 15,8% do PIB – como previsto no ajuste fiscal de longo prazo – mesmo uma queda da arrecadação como a esperada para este ano ainda permitiria atingir a meta original de superávit com o investimento federal na casa de 1,4% do PIB, 40% acima do observado no ano passado e o dobro do investimento realizado em 2006. Já a redução da meta para 1,4% do PIB permitiria que o investimento federal chegasse a 2,5% do PIB.

Vale dizer, uma política fiscal realmente anticíclica teria se preocupado em criar as condições para expansão do investimento público no período recessivo por meio da contenção, mesmo modesta, do gasto corrente nos anos de prosperidade. “Rudimentar” foi a decisão de não levar adiante um programa que nos colocaria hoje em condições muito melhores de combater a crise.

(Publicado 29/Abr/2009)

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Casablanca

José Luiz Oreiro parece ter ficado ofendido com meu post comentando sua tese sobre a suposta diferença entre as defasagens dos efeitos de política monetária sobre o produto no caso de mudanças “endógenas” e “exógenas” das taxas de juros. Segundo Oreiro, as defasagens só existem no caso de alterações “exógenas” de taxas de juros; no caso de alterações “endógenas”, isto é, em reação a mudanças no ambiente econômico, estas não existiriam. Está no post abaixo, mas vou repetir para que fique bem claro qual é o tema da discussão:

Um detalhe técnico que a ‘thurma’ dos fatos estilizados de Friedman se ‘esquece’ de mencionar é que o hiato de 6 a 9 meses se refere a ‘mudanças exógenas na política monetária’, ou seja, mudanças na política monetária que não sejam uma reação a mudanças no ambiente econômico. Se o BCB tivesse reagido em outubro aos efeitos da crise internacional então não seria o caso de uma mudança exógena na política, mas uma mudança endógena !!! Isso faz toda a diferença !!!! Uma mudança endógena tem por objetivo neutralizar os efeitos de um choque, ao invés de produzir um ‘novo’ choque sobre o sistema ( a esse respeito sugiro aos ortodoxos de plantão a leitura do capítulo 1 do livro do Walsh). Todos os ‘fatos estilizados’ que os defensores do BCB mencionam referem-se a mudanças exógenas da política monetária. Nesse contexto, desafio a quem quer que seja a mostrar um único teste empírico que mostre que mudanças endógenas na politica monetária levam todo esse tempo para surtir efeito sobre o nível de atividade econômica.”

Meu ponto é muito simples: o que observamos, em geral, são alterações de política monetária que respondem a mudanças do ambiente econômico (por este motivo toda discussão sobre “endogeneidade” de política monetária no meu post que não vou repetir aqui). São estas observações que, devidamente corrigidas para a questão de endogeneidade (que tende a distorcer os valores estimados dos parâmetros se não for levada em conta), dão base para as estimativas dos coeficientes, incluindo defasagens. Diga-se, aliás, citando o mesmo Walsh, que “most movements of monetary policy represent responses to the state of the economy, not exogenous policy shifts ((2003) p.39)”.

O que eu esperaria de uma verdadeira resposta à minha crítica seria alguma evidência empírica que apoiasse sua tese, qual seja, que as defasagens de política monetária são diferentes nos casos de alterações endógenas ou exógenas de política monetária. Obviamente espero em vão: não há (podem procurar) qualquer evidência mostrando o que ele afirma. Aliás, não há qualquer referência a qualquer um que tenha achado um resquício que seja de evidência empírica a este respeito.

Pelo contrário, o que há é a mera reafirmação do que já tinha sido dito. O máximo a que se chega é: “there is less consensus [grifo meu], however, on the effects, not of policy shocks, but of the role played by the systematic feedback responses of monetary policy” ((2003) p.41). Noto, porém, que entre “haver menos consenso” e a afirmação sobre defasagens de política monetária serem menores (ou inexistentes, a se levar a sério a ideia que o BC poderia ter evitado a queda do produto no quarto trimestre agindo no próprio quarto trimestre) a distância é astronômica, e deveria ser preenchida não com citações, mas com qualquer laivo de evidência empírica que apoiasse a tese.

Walsh, aliás, deixa este ponto bastante claro: “structural econometric models have the potential to fill this gap ((2003) p.41, mais ou menos umas três linhas abaixo da afirmação anterior, um dado que peço aos 17 leitores guardarem com certo carinho)”. Vale dizer, onde os modelos VAR, com toda sua utilidade, não podem ajudar, a resposta tem que passar por modelos estruturais, como, por exemplo, o modelo do BC (http://www.bcb.gov.br/pec/wps/ingl/wps01.pdf), que – repetindo o afirmado acima – sugere a existência de defasagens entre alterações de taxas de juros e as respostas do produto.

Isto dito, poderia ocorrer de o BC, maligno, inimigo da “ofensiva desenvolvimentista” (na forma da ininterrupta expansão do gasto público, por exemplo) adotar um modelo francamente irrealista com vistas a sabotar os nobres ideais dos nossos “desenvolvimentistas” (ou “keynesianos de quermesse, na expressão já imortal cunhada pelo nosso “O”), recusando-se a aceitar que suas políticas poderiam ter efeito muito mais rápido no produto. Será que a experiência internacional mostra algo em contrário?

Obviamente não (vocês já sabiam disto, não?). Uma busca rápida revela, por exemplo, que o Banco da Inglaterra no texto “The Transmission Mechanism of Monetary Policy” (http://www.bankofengland.co.uk/publications/other/monetary/montrans.pdf) conclui que em seu modelo estrutural (portanto endereçando precisamente o ponto levantado por Walsh) a defasagem de política monetária é da ordem de 1 ano (há incerteza, é verdade, mas em momento algum se indica que taxas de juros se transmitem imediatamente). Mais interessante, o texto sugere que este achado não é uma jabuticaba bretã, mas está presente em outras economias desenvolvidas. Citando:

“Any change in the official rate takes time to have its full impact on the economy. (…) The empirical evidence is that on average it takes up to about one year in this and other industrial economies [grifo meu] for the response to a monetary policy change to have its peak effect on demand and production, and that it takes up to a further year for these activity changes to have their fullest impact on the inflation rate.”

Charles Goodhart, certamente um economista não tão famoso como Oreiro (sequer chega a associar seu nome ao de Keynes, imaginem) por sua vez, num texto preparado para o Fed de St. Louis (http://research.stlouisfed.org/publications/review/01/05/165-182Goodhart.qxd.pdf), nota que:

“(...) The standard work-horse models now in current use, especially Rudebusch and Svensson [um modelo estrutural, como se pode ver aqui http://www.princeton.edu/svensson/papers/RSNB810.PDF] do incorporate monetary transmission lags.”

Ainda nesta linha, estimando a defasagem de política monetária na Austrália, levando explicitamente em conta a questão da endogeneidade (com a utilização de variáveis instrumentais), Gruen, Romalis e Chandra (http://faculty.chicagobooth.edu/john.romalis/research/RDP9702.pdf) também acham evidência de defasagens em modelos estruturais.

Da mesma forma, Razzak estima uma resposta defasada do produto à taxa de juros (mais precisamente com relação ao desvio com relação à taxa neutra) também num contexto de modelo estrutural com tratamento de endogeneidade na decisão de política monetária. (http://www.rbnz.govt.nz/research/discusspapers/dp02_03.pdf (p.73 ))

A lista poderia ser ainda maior, mas acho que as referências acima já bastam. Estas cobrem o Reino Unido (assim como outras economias industriais), a Nova Zelândia, a Austrália e, é claro, o Brasil, onde o maligno BC, aliás, estima uma resposta mais rápida de política monetária (de onde se conclui que nem malvado o BC consegue ser, que vergonha).

Em outras palavras, a evidência empírica pedida por Oreiro (qual seja, a existência de defasagens no caso de respostas endógenas de política monetária) já está presente nestes modelos. Vale notar que são todos eles modelos estruturais, exatamente como sugerido por Walsh. Eu não tenho em mãos a edição de 2001 do seu livro, então não posso dizer se a falta de referência ao papel dos modelos estruturais na solução da questão das defasagens resulta de (a) mera desatualização, (b) falta de atenção com a frase que vinha logo após a citação, ou (c) deliberada omissão. Deixo o teste de hipóteses a cargo dos leitores, mas, à luz do discutido acima, sugiro fortemente não se deixar levar sem cuidado pelo teste de Oreiro: sob a hipótese nula de deliberada omissão do papel dos modelos estruturais na resolução da questão das defasagens a validade do teste de Oreiro fica definitivamente comprometida...

P.S.

Falta ainda explicar o título. Por que “Casablanca”?

Na verdade vem de um dos diálogos mais memoráveis do filme entre Peter Lorre (Ugarte) e Boggart (Rick), transcrito abaixo:

Ugarte/Lorre: You despise me, don't you?
Rick/Boggart: If I gave you any thought I probably would.

O olhar de Lorre (um ator fenomenal) transmite o quanto ele precisa da atenção da Rick, nem que seja para desprezá-lo. Impossível não pensar nisto quando se lê o texto de Oreiro: ele precisa da minha atenção, nem que seja para mostrar o quanto está errado. Não me custa nada a gentileza, já concedida a tantos outros quermesseiros que passaram por estas páginas. Afinal de contas, não me furto à missão civilizatória.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Os tentáculos da Dimensão Z

Recebi de um leitor do blog o seguinte trecho, copiado do blog de José Luiz Oreiro:

Um detalhe técnico que a ‘thurma’ dos fatos estilizados de Friedman se ‘esquece’ de mencionar é que o hiato de 6 a 9 meses se refere a ‘mudanças exógenas na política monetária’, ou seja, mudanças na política monetária que não sejam uma reação a mudanças no ambiente econômico. Se o BCB tivesse reagido em outubro aos efeitos da crise internacional então não seria o caso de uma mudança exógena na política, mas uma mudança endógena !!! Isso faz toda a diferença !!!! Uma mudança endógena tem por objetivo neutralizar os efeitos de um choque, ao invés de produzir um ‘novo’ choque sobre o sistema ( a esse respeito sugiro aos ortodoxos de plantão a leitura do capítulo 1 do livro do Walsh). Todos os ‘fatos estilizados’ que os defensores do BCB mencionam referem-se a mudanças exógenas da política monetária. Nesse contexto, desafio a quem quer que seja a mostrar um único teste empírico que mostre que mudanças endógenas na politica monetária levam todo esse tempo para surtir efeito sobre o nível de atividade econômica.”

Esta afirmação é tão errada que fica até difícil começar, mas, isto dito, talvez o melhor seja mesmo começar pelo óbvio: simplesmente não há, pelo menos fora da Dimensão Z, qualquer observação de mudança “exógena” de política monetária pela singela razão que toda mudança de política monetária resulta de uma reação da autoridade monetária a uma alteração no ambiente econômico.

Deveria ser óbvio, mas face à cretinice da afirmação acima, é bom explicar. Bancos centrais não ficam subindo e descendo as taxas de juros para “produzir novos choques”, como se estivessem fazendo experimentos em laboratórios (ou melhor, como se banqueiros centrais se trancassem em salas escuras, sem contato com o mundo exterior e, sob estas condições, decidissem – literalmente no escuro – sobre taxas de juros). As observações que temos são de BCs operando em tempo real, reagindo aos diferentes choques a que a economia é submetida e são estes dados que embasam os tais "fatos estilizados". Aliás, é por este motivo que a estimação da resposta da economia a mudanças das taxas de juros precisa, de alguma forma, tratar do problema da endogeneidade.

Um exemplo extremo de endogeneidade (não é meu; é do Alan Blinder) pode ilustrar bem este tópico. Imaginem um BC onisciente e onipotente, que não só antecipe todos os choques de demanda e oferta da economia, como também conheça a real estrutura da economia, da forma das equações ao valor dos parâmetros. Este BC é então capaz de calibrar a taxa de juros de forma a neutralizar perfeitamente todos os choques, mantendo permanentemente a inflação na meta e o produto sempre operando no nível potencial. Em particular, conhecedor da estrutura de defasagens da economia, o BC sempre consegue alterar a taxa de juros antes mesmo dos choques atingirem a economia (como eu já disse em algum lugar, quanto mais irreal melhor).

Agora imaginemos que um econometrista (o Sr. Orelho) resolva estimar a resposta da economia aos movimentos “exógenos” do BC. Sem levar em consideração que o BC está reagindo a choques plenamente antecipados o Sr. Orelho vai concluir que... a política monetária não tem qualquer efeito sobre a economia! Afinal de contas, ele observa uma enorme flutuação da variável “exógena” e nenhuma da variável “endógena” (inflação, ou hiato). Não seria difícil concluir, erradamente, que a política monetária é absolutamente irrelevante.

A questão é que a taxa de juros é uma variável endógena. Voltando a um modelo similar àquele postado há uma semana, a endogeneidade da taxa de juros é capturada pela regra de política monetária que, se ignorada, produzirá coeficientes viesados, em particular (como deve ter ficado claro pela discussão acima) menores que os “verdadeiros” valores dos parâmetros.

Nos termos do modelo, a IS (de onde sairia a estimativa da elasticidade do hiato com respeito à taxa de juros) é a seguinte:

h(t) = -c[i(t) – E[p(t)] - r] + u(t) (1)

Mas a taxa nominal de juros é dada pela regra de política monetária:

i(t) = r + E[p(t)] + a[E[p(t)]-p*] + bh(t) (2)

Quando consideramos (2), é fácil ver que i(t) é correlacionada com o choque u(t) em (1). Por esta equação um choque positivo de demanda eleva o produto efetivo acima do potencial, o que, por (2) leva o BC a subir a taxa de juros, ou seja, há uma correlação positiva entre i(t) e u(t), que viesa a estimativa de “c” relativamente ao seu valor real se (1) for estimada, por exemplo, por MQO. E, vale lembrar, ainda haveria uma curva de Phillips para agravar a questão da endogeneidade.

Isto dito, eu não sou nenhum mago em econometria (muito pelo contrário), mas não precisei de nenhum argumento sofisticado para concluir que toda estimação que desconsidere a endogeneidade da taxa juros (isto é, que a política monetária responde a alterações no ambiente econômico) está pura e simplesmente errada. Qualquer econometrista digno deste título que, por dever de ofício, tenha que estimar a resposta das variáveis econômicas (demanda, hiato, inflação) à taxa de juros vai tentar corrigir o problema de endogeneidade de diversas formas (GMM, MQ2E, VAR, o que seja).

Vale dizer, todas as estimações respeitáveis que sugerem uma defasagem da ordem de dois (ou três) trimestres entre alterações de taxas de juros e resposta da demanda partem do princípio que há um problema de endogeneidade no que se refere à taxa de juros. Em outras palavras, a historinha do Oreiro, que as defasagens só valem para alterações “exógenas” (como se as houvesse) das taxas de juros, não faz o menor sentido. O desafio dele é respondido por todo estudo econométrico que trate devidamente o problema da endogeneidade da política monetária.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Impactos da crise

Não é segredo que a indústria foi quem mais sentiu o impacto da crise externa e persistem dúvidas acerca da sua capacidade de recuperação neste ano. Isto dito, para sabermos o que esperar quanto ao desempenho futuro da produção industrial é primeiro necessário entender o que causou a forte queda dos últimos meses. Acreditamos que esta resultou do colapso das exportações industriais acoplado a um forte ciclo de estoques.

As exportações caíram pouco mais de 30% nos dois primeiros meses deste ano, depois de registrarem queda expressiva (11%) no quarto trimestre do ano passado. Em contraste, apesar de terem desacelerado, as vendas no varejo ainda registram níveis relativamente elevados, superando modestamente os volumes registrados em igual período do ano anterior. Os dados sugerem, assim, um efeito mais forte das exportações relativamente ao varejo, mas será que esta impressão sobrevive a uma abordagem mais rigorosa?

Com base em tais observações estimamos (eu e Tatiana Pinheiro) um modelo que traduz em números os impactos desses movimentos sobre a indústria. Em que pesem alguns problemas (não temos uma boa medida mensal do investimento que não use dados da própria produção industrial, por exemplo), os resultados parecem fazer sentido. O modelo aponta que a atividade industrial é mais sensível às vendas no varejo, incluindo automóveis e materiais de construção, do que às exportações: um aumento de 10% nas vendas gera um crescimento ao redor de 7,5% da produção, enquanto a mesma expansão das exportações teria um impacto da ordem de 3%.

Quando consideramos, porém, o comportamento efetivo de ambas as variáveis, é possível observar no gráfico que a queda recente das exportações explica a maior parte do desempenho recente industrial, enquanto as vendas no varejo têm “puxado” (sem sucesso) a produção para cima, mas numa magnitude consideravelmente menor do que a observada entre o terceiro trimestre de 2006 e o terceiro trimestre de 2008.

Obviamente, em se tratando de um modelo (portanto uma simplificação da realidade), há sempre parte da produção industrial não explicada pelas variáveis. No entanto, o desvio dos últimos meses vai além do habitual, parecendo capturar, a mais do tradicional erro, possivelmente a redução do produto não associada à queda da demanda, ou seja, a diminuição dos estoques no setor industrial. Se esta interpretação estiver correta, há implicações interessantes.

O ciclo de estoques deve se dissipar, ainda que lentamente, atenuando a queda da indústria nos próximos meses. Por outro lado, face ao colapso do comércio internacional, a perspectiva para as exportações industriais permanece ruim, fator que pesará sobre a atividade doméstica por um longo período. O fiel da balança, pois, é o desempenho das vendas varejistas, que tendem a reagir, com certa defasagem, à queda da taxa real de juros. A valer a experiência histórica, ainda que a recuperação industrial deva continuar lenta por ora, há chance de retomada mais vigoroso no final do ano.

(Publicado 15/Abr/2009)


sexta-feira, 10 de abril de 2009

Ainda o fardo do economista neoclássico (ou ajoelha Polyana!)

“NADA faz a inflação naturalmente se auto-alimentar e crescer descontroladamente (pare de supor isso a priori, por favor), logo, se a inflação é causada por choques de oferta, por exemplo, ela vai retornar à trajetória..”

Esta é a afirmação da Polyana (quer ser chamada de Lucrecia, mas é Polyana mesmo) que eu vou desmentir usando um modelinho muito simples.

A começar por uma curva de Phillips com expectativas racionais (depois mostro o caso com expectativas adaptativas), no qual a inflação hoje [p(t)] depende da expectativa da inflação futura E[p(t+1)] e do hiato corrente [h(t)], além de um choque de oferta e(t), suposto ruído branco.

p(t) = E[p(t+1)] + fh(t) + e(t) (1)

O lado da demanda é uma IS convencional, onde o hiato do produto depende o desvio da taxa real de juros com relação à taxa neutra (r) e um choque de demanda u(t), também ruído branco.

h(t) = -c[i(t) – E[p(t)] - r] + u(t) (2)

A regra de política monetária é uma regra de Taylor genérica, de acordo com a qual o BC ajusta os desvios da taxa nominal de juros relativamente ao nível neutro de acordo com os desvios esperados da inflação com relação à meta p* e do hiato:

i(t) = r + E[p(t)] + a[E[p(t)]-p*] + bE[h(t)] (3)

Substituindo (3) em (2) e tirando as expectativas, temos a seguinte expressão para o valor esperado do hiato:

E[h(t)] = -[cb/(1+cb)] [E[p(t)]-p*] (4)

Tirando as expectativas de (1) e usando (4) achamos a seguinte expressão para as expectativas da inflação corrente:

E[p(t)] = K E[p(t+1)] + (1-K)p* (5)

Onde K = [1+cb]/ [1+c(b+fa)] (6)

Vamos começar com o caso a>0, isto é, quando o BC reage a uma taxa de inflação esperada mais alta aumentando a taxa nominal de juros em montante superior à variação da inflação, ou seja, elevando a taxa real de juros.

Por (6), quando a >0, K<1 e (5) sugere que a expectativa de inflação corrente é uma média ponderada da expectativa futura e da meta. (5) também é uma equação a diferença que pode ser resolvida recursivamente, isto é, adiantando (5) em um período e substituindo na equação original e repetindo para valores futuros. Quem fizer isto chega a uma expressão em que a expectativa hoje depende de um valor da expectativa de inflação num horizonte arbitrariamente longo de tempo descontada, porém, por um valor muito baixo, já que o coeficiente K (menor do que um) é elevado a uma potência arbitrariamente alta. Este valor desaparece e o que sobra é um termo de valor presente. Quem quiser pode checar, mas eu vou usar um método diferente.

Seja F um operador de avanço, isto é:

x(t+1) = Fx(t)

e de forma mais geral

x(t+j) = (Fˆj)x(t).

Neste caso podemos reescrever (5) como:

E[p(t)] = [(1-K)/ (1-KF) ]p* (5a)

Não dá para usar o símbolo de somatória aqui, mas vou definir S(j=m,n)[X(j)] como a somatória de X(j) para o intervalo de “j” indo de m a n. Com esta definição temos:

E[p(t)] = (1-K)S(j=o,infinito) [(K^j)p*(t+j)]

Na verdade, no nosso contexto p* é uma constante (mas um caso interessante é ver o que ocorre com a inflação corrente se a meta de inflação for elevada – digamos em (t+1) – para sempre; dá um resultado legal para quem quiser se aventurar e ajuda a explicar a aceleração da inflação na segunda metade de 2007+), de modo que a equação simplifica para:

E[p(t)] = p* (7)

Isto é, a solução de expectativas racionais (sem inércia a priori, portanto) é que a inflação esperada é sempre igual à meta. Neste caso, por (1):

E[h(t)] = 0 (8)

O hiato esperado do produto é zero e a inflação não tem raiz unitária. Pode se desviar da meta por conta de choques, mas, em média, oscila em torno da meta.

O que acontece, porém, se a=0?

Voltando à regra de política monetária, este é o caso em que o BC não aumenta a taxa REAL de juros em resposta a inflação mais elevada, ou seja, acomoda o choque. Nos termos do nosso modelo, agora K=1 e deixa de ser verdade que o termo associado à inflação esperada num horizonte arbitrariamente longínquo convirja a zero (a condição de transversalidade não é mais válida – esperei anos para escrever isto no blog) e (7) não é mais uma solução válida para (5).

Agora (5) pode ser escrita como:

E[p(t+1)] = E[p(t)] (9)

Isto significa que a meta não mais ancora a expectativa de inflação (todo peso vai para a inflação esperada), ou seja:

p(t+1) = p(t) + v(t) (10) [onde v(t) é ruído branco, combinação linear de outros ruídos brancos]

Neste caso sim a inflação tem raiz unitária. Qualquer choque positivo, de demanda ou de oferta, mesmo que seja ruído branco se incorpora permanentemente à inflação e ela NÃO retorna à trajetória original.

O observador polyannesco, que olha só a forma reduzida (10), vai falar que a inflação é inercial e construir uma historinha de sindicatos, de como as pessoas olham para trás para formar expectativas de inflação (diga-se de passagem, neste caso de política monetária acomodatícia passa a ser ótimo formar expectativas de inflação futura a partir da passada, como (9) e (10 ) sugerem). E vai testar isto econometricamente (OK, exagerei, mas quem sabe?) e achar raiz unitária, certamente sem conhecer a crítica de Lucas (valeu "O").

E se a<0, ou seja, e se o BC sequer trabalhar para repor a redução da taxa real de juros que se origina de um choque qualquer? Neste caso K > 1 e a inflação se torna explosiva, isto é, qualquer choque positivo sobre a inflação a faz crescer indefinidamente. Aqui também a inflação não retorna à trajetória de metas.

Bom, a historinha da Polyana já foi devidamente desmentida para o caso de um modelo em que não há inércia a priori, pelo contrário, onde as expectativas são formadas olhando para a frente. O que ocorre no caso de um modelo de expectativas adaptativas (na verdade um caso particular, mas que ilustra o problema economizando um bocado em notação e técnica)?

A curva de Phillips segue agora a versão aceleracionista mais simples e supomos que a expectativa de inflação hoje é a inflação de ontem. Assim:

p(t) = p(t-1) + fh(t) + e(t) (11)

A IS agora é dada por:

h(t) = -c[i(t) – p(t) - r] + u(t) (12)

E a regra de política monetária é

i(t) = r + p(t) + a[p(t) -p*] + bh(t) (13)

Quem resolver o modelo para p(t) vai achar:

p(t) = Kp(t-1) + (1-K)p* + Ke(t) + Mu(t) (14)

onde K é o mesma definição do modelo anterior e M = f/[[1+c(b+fa)]

Aqui também não é difícil analisar a resposta da inflação à postura da política monetária. No caso a>0 (logo K<1), choques (de oferta ou demanda) causam desvio da inflação com relação à meta, mas combatidos com elevação da taxa real de juros levam a uma trajetória na qual a inflação retorna (gradualmente, por conta das expectativas adaptativas) à trajetória de metas. A rapidez do retorno depende (entre outras coisas) de “a”. Quanto maior for “a”, mas rápido o retorno. O hiato se torna negativo durante o período de ajuste, convergindo para zero ao longo do tempo, a velocidade de convergência também dependente de "a".

No caso a=0, K=1 e a inflação também se perpetua, isto é, (14 ) se torna:

p(t) = p(t-1) + e(t) + Mu(t) (14a)

Mais uma vez a inflação tem raiz unitária (em particular, se torna um passeio aleatório). Só que a raiz unitária não vem das expectativas adaptativas (como alguém pouco familiarizado com modelos poderia crer), mas sim da regra de política monetária. Isto fica claro pela comparação entre (14) e (14a): em ambas as expectativas são adaptativas, mas apenas em (14a) a raiz unitária aparece.

Já no caso a<0 (a autoridade monetária permite que a taxa REAL de juros caia quando a inflação se desvia da meta), qualquer choque, de novo, leva uma trajetória de aumento descontrolado da inflação.

Também no contexto de expectativas adaptativas, portanto, quem estimar (14a) vai achar raiz unitária na forma reduzida e achar que se trata de uma questão estrutural. Mas, como nossa Polyana/Lucrecia, estará redondamente enganada.

* * *

+ A pedidos: se a meta de inflação for alterada (para, digamos, p** em t+1) a solução para a expectativa de inflação hoje passa a ser:

E[p(t)] = (1-K)p* + Kp**

isto é, uma média ponderada entre a meta atual e a meta futura. Em particular, se a meta for elevada com relação à inicial, as expectativas de inflação aumentam e a inflação corrente (que depende de E[p(t+1)] se acelera.

Dica: a somatória de uma PG infinita com razão "a" (menor que um) é 1/1-a. Aqui fazemos a solução para uma PG infinita, deduzido o primeiro termo.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

O retorno do filho pródigo

Era uma vez um mercador que, para sua surpresa e desgosto, descobriu que seu filho mais velho devia uma enorme quantia, sobre a qual pagava juros elevadíssimos. Bom pai, e preocupado com a reputação, o mercador decidiu que deveria ajudá-lo. Já que seu crédito era melhor que o do rapaz, tomou emprestado a juros menores o montante que o filho devia e pagou os credores. Porém, para que o rapaz aprendesse a lição, obrigou-o a pagar-lhe de volta a dívida, mas com juros literalmente de pai para filho, isto é, inferiores àqueles que pagara para obter os recursos com que quitara a dívida.

Para a família como um todo não foi um mau negócio. A taxa de juros que incidia sobre a dívida ficou menor, reduzido o montante que pagaria caso o velho não tivesse interferido. Olhando, no entanto, cada membro da família, a distribuição do ganho foi bastante desigual.

O filho pródigo foi o grande ganhador. Ao invés de pagar a taxa de juros cobrada de quem tinha crédito ruim na praça, acabara pagando uma taxa ainda menor que a cobrada do pai.

Já o resto da família não achava a situação tão positiva. Por um lado tivera que assumir a dívida do filho, o que piorou o crédito do patriarca. Caso quisesse tomar mais dinheiro emprestado o velho teria que pagar uma taxa de juros mais elevada. Não bastasse isto, ainda tinha que assumir o subsídio ao filho estróina, isto é, a diferença entre os juros que a família pagava aos seus credores e o juro que o filho pagava ao pai. Os demais irmãos tiveram que trabalhar mais (ou, de forma equivalente, receber menos do pai) para cobrir a quantia, na prática pagando pelo destempero do mais velho.

Com o passar dos anos, porém, o patriarca se recuperou. Conseguiu pagar a dívida e seu crédito voltou a melhorar. A evolução foi tanta que o mercador conseguiu tomar dinheiro a taxas menores do que aquelas que cobrara inicialmente do filho. No entanto, ao anunciar, orgulhoso, que conseguira refinanciar a dívida a juros inferiores aos cobrados do filho o velho deflagrou uma crise familiar.

O rapaz, agora um homem, exigiu do pai que lhe repassasse os ganhos, reduzindo também os juros sobre sua dívida para com o mercador, “senão passaria a subsidiar o resto da família”. Se dependesse do velho, isto teria ocorrido, mas uma das irmãs não permitiu. Por que, perguntou, quando era ele o subsidiado, onerando os demais membros da família, o irmão não se oferecera para pagar uma taxa de juros igual à cobrada do pai? Além disto, se no futuro a situação da família voltasse a exigir taxas de juros mais altas, o irmão estaria disposto a continuar pagando a taxa que seria cobrada da família, ou exigiria a volta à situação anterior?

O conto se encerra aqui, sem conclusão, porque não conhecemos ainda o seu final. Sabemos que o custo do financiamento da dívida federal ameaça – passados mais de 10 anos da assunção pela União da dívida dos estados e municípios – atingir patamar inferior à taxa de juros cobrada na reestruturação de suas dívidas. Sabemos também que estados e municípios já se mobilizam para tentar novamente renegociar suas dívidas com o governo federal, convenientemente esquecendo o enorme subsídio que obtiveram da União (ou seja, dos habitantes dos estados e municípios não beneficiados pelos acordos de reestruturação de dívidas) ao longo dos últimos anos. Só não sabemos se o governo federal irá se curvar à demanda do filho mais velho, ou se apontará sua iniqüidade gritante e dará aos demais brasileiros a parte que lhes cabe dos negócios da família.

(Publicado 01/Abr/2009)