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terça-feira, 27 de novembro de 2007

Uma parábola soberana

Imagine um produtor de um bem qualquer (soja, digamos), cuja demanda se encontra num excelente momento. Os preços estão altos, a produção se expande, e a renda do produtor não pára de crescer. Nosso produtor, porém, é vivido. Não é primeira vez que observa um momento favorável e sabe que, mais à frente, são grandes as chances que o ciclo se reverta. Considerando isto, faz uma escolha sensata: decide poupar parcela de sua renda corrente e investi-la, garantindo um fluxo de renda para o período das vacas magras.

Tratando-se, porém, de pessoa mais afeita às lides produtivas, contrata um consultor financeiro e lhe dá carta branca para implantar tal estratégia. Passado algum tempo resolve conferir o desempenho do consultor e descobre o seguinte. O consultor, ao invés de poupar a renda excedente, aumentou os gastos da família do produtor, da mesada dos filhos ao salário dos empregados. Por outro lado, tomou dinheiro emprestado e com ele comprou ações de um outro produtor de soja...

Não é necessária muita reflexão para perceber como ficou vulnerável a situação do produtor. No caso de reversão do ciclo, com queda de preço da soja, sua renda cairá, mas os gastos com juros permanecerão. Já seus ativos, cujo valor varia em linha com o preço da soja, se depreciarão e não protegerão seu patrimônio no momento de crise. Seria um exemplo clássico de má administração financeira.

Considere agora o Brasil e a proposta de criação de um Fundo Soberano. O país vive um excelente momento, parte por seus méritos, mas devido também a desenvolvimentos externos, em particular um aumento de quase 90% dos preços das commodities relativamente à média de 2002, commodities estas que, há muito, representam cerca de 2/3 das exportações brasileiras. A história nos ensina, porém, que situações como estas não duram para sempre, o que poderia justificar tal Fundo.

No entanto, assim como em nossa parábola, o projeto do Fundo Soberano não protege o país contra a reversão cíclica. Em primeiro lugar, ao invés de se originar da poupança de recursos públicos, favorecidos pela expansão da arrecadação, terá como fonte de recursos o endividamento interno, já que a receita adicional está sendo destinada ao aumento do gasto corrente.

Além disso, a despeito do contexto atual, no qual investidores estrangeiros se acotovelam para financiar empresas brasileiras, pretende-se que os recursos do Fundo sejam aplicados em ativos (dívida ou ações) associados a estas mesmas empresas. Ninguém precisa de uma bola de cristal para saber que, no caso de uma reversão cíclica, estes ativos também sofrerão, já que se movem em linha com os fundamentos brasileiros.

Não há, pois, como fugir à conclusão que o Fundo Soberano, da forma como apresentado, não serve ao país. Serve talvez para dar acesso a financiamento abaixo dos custos de mercado para algumas empresas privilegiadas e permitir que o Tesouro também intervenha no mercado de câmbio, mas equivale a guardar os ovos em duas cestas e uma dentro da outra.

A última do Sicsú (e do Pochman)...

foi promover um expurgo no Ipea. Aproveito o espaço para manifestar minha solidariedade aos pesquisadores afastados, congratular Guilherme de Barros pela denúncia do arbítrio e lamentar o manifesto sórdido do Corecon-RJ, que apóia o expurgo, desde que praticado por pessoas de ideologia semelhante à sua. Realmente deplorável.

(Publicado 28/Nov/2007)

terça-feira, 13 de novembro de 2007

A tese Tabajara

Quando comecei a escrever esta coluna, há pouco mais de um ano, era disseminada a crença que a demanda doméstica não conseguiria crescer, “sufocada” pela taxa de juros. Face, mais tarde, às evidências que a demanda doméstica vinha se expandindo a uma velocidade considerável (e, acreditem, ainda não vimos o final desta história) o argumento mudou: a demanda poderia crescer, mas importações em alta impediriam que esta expansão se traduzisse em maior produção doméstica.

À luz, porém, da vigorosa expansão da produção e conseqüente elevação da ocupação da capacidade instalada houve nova metamorfose: a versão mais atual de “seus problemas terminaram” agora aponta para o crescimento do investimento acima do PIB (10% contra 5% nos últimos quatro trimestres) como evidência que o aumento da produção conseguirá acomodar a expansão da demanda. Mantendo a tradição, não se segue a tal afirmação qualquer tentativa de tradução em números, por exemplo, quanto a mais de crescimento sustentável a evolução mais favorável do investimento implicaria.

Em trabalho recente, no entanto, mais uma vez com a colaboração de Cristiano Souza, estimamos que uma elevação equivalente a 1% do PIB do investimento implica um aumento em torno de 0,2% ao ano de crescimento sustentável (com alta probabilidade entre 0,15% e 0,25% a.a.). Vale dizer, para que nossa capacidade de crescimento de longo prazo cresça 1% a.a., o investimento – medido como proporção do PIB – deveria aumentar de 17% para algo como 22%. Considerando a margem mencionada acima, o investimento precisaria crescer entre 4% e 6,7% do PIB.

Mantida a expansão do investimento 5% a.a. mais rápida que o PIB precisaríamos de 4,5 a 7 anos para atingir esta meta (5,5 anos em nosso caso central). Esta conclusão sozinha já deveria esfriar consideravelmente o entusiasmo em torno da tese Tabajara, mas há outras implicações que precisam ser consideradas.

De fato, como manda a consistência macroeconômica, para aumentar o investimento em 5% do PIB é imperativo que outros componentes da demanda agregada (consumo privado, consumo público e saldo em conta corrente) reduzam sua participação nesse total. Parte disto parece já estar vindo do encolhimento dos superávits em conta corrente, mas, se a história nos ensina algo, é bom não contar com isto como fonte durável de financiamento do investimento. A escolha, pois, reduz-se a diminuir o consumo privado ou o consumo público, e, dado o histórico nacional, eu não apostaria num ajuste baseado na redução do gasto público.

Como ninguém, acredito, quer reduzir o consumo privado, o cenário mais provável que emerge na ausência de ajuste fiscal é uma expansão apenas moderada do investimento como proporção do PIB e, consequentemente, uma expansão muito aquém da desejada de nosso potencial de crescimento, que não será resolvida com a tese Tabajara.

A última do Sicsú

Considerando tudo o que escrevi acima é alvissareira a moderação de João Sicsú (Valor Econômico, 9/Nov/2007), que agora pede a contratação de apenas 1 milhão de novos funcionários públicos (antes queria mais 2 milhões só de fiscais), ao acanhado custo de 2% a 2,5% do PIB, metade do que originalmente sua proposta implicava. Com isto, ao invés de reduzirmos nosso potencial de crescimento em 1% a.a. o reduziremos em tão-somente 0,5% a.a., o que, convenhamos, é um enorme progresso.

(Publicado 14/Nov/2007)