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terça-feira, 18 de setembro de 2007

Além dos efeitos especiais

Na semana passada o IBGE divulgou as contas nacionais relativas ao segundo trimestre de 2007, revelando uma expansão de 5,4% do PIB na comparação com o mesmo período do ano passado, a taxa mais vigorosa neste conceito desde o segundo trimestre de 2004. À luz destes números mesmo os mais teimosos detentores do Oscar de efeitos especiais em economia têm que se render às evidências acerca do ritmo da produção, o que não significa, porém, que tenham aprendido a lição.

Enquanto estes analistas se entregavam ao nada saudável esporte de negar os dados, o exame mais cuidadoso da forma como a economia reage às políticas monetária e fiscal já indicava uma aceleração clara da atividade em 2007. Impossibilitados agora de persistir na negação da realidade, tais analistas – convenientemente “esquecendo” a alegação anterior, que o país passava por acentuado processo de “desindustrialização”, com queda do investimento – agora brandem o aumento do investimento, quase 10% nos últimos quatro trimestres, como prova definitiva de que não enfrentaremos pressões inflacionárias. Dado este crescimento, segue a cantiga, não haveria razões para se preocupar com o crescimento da demanda, pois a capacidade produtiva da economia também se expandirá.

Se alguém esperava algo mais ao fim desta última afirmação, por exemplo, uma estimativa de quanto o investimento adiciona à capacidade produtiva da economia, saiba que não está sozinho. Mantendo uma sólida tradição de certos círculos, quando se trata de dar uma expressão numérica a argumentos econômicos, o silêncio é ensurdecedor.

Na verdade, em que pese a rápida expansão do investimento, a formação de capital subiu apenas de 16,4% para 17,7% do PIB entre o segundo trimestre de 2006 e o segundo trimestre de 2007. Isto deve adicionar algo como 0,3% a.a. à taxa de crescimento do PIB potencial, um dado positivo, mas provavelmente insuficiente para impedir o aumento continuado do grau de utilização de recursos.

De fato, num trabalho recente, com a contribuição inestimável de Cristiano Souza, estimamos que um aumento de 10% da produção industrial se traduz num aumento de 2,2% do nível de utilização da capacidade na indústria, enquanto um aumento de 10% do investimento industrial reduz a utilização da capacidade em 0,7%. Não é difícil concluir, pois, que – para manter inalterado o nível de utilização de capacidade – o investimento deva crescer a uma velocidade 3 vezes superior à da produção (2,2¸0,7).

Tal resultado sugere que, com base nas estimativas da absorção de bens de capital durante os primeiros sete meses deste ano, a indústria possa crescer daqui para frente cerca de 5% a.a. sem pressionar a utilização de capacidade. Em contraste, o crescimento da indústria nos últimos meses tem ficado em torno de 6% e deve se acelerar, indicando que o processo de aumento de utilização de capacidade deverá continuar além dos quase 2 pontos percentuais de aumento já registrados entre janeiro e julho.

Não basta, pois, declarar que o crescimento do investimento aumenta a capacidade produtiva da economia e esperar que esta obviedade equilibre demanda e oferta agregadas. A moral da história, além da possibilidade de pressão adicional sobre a inflação, é que a análise econômica séria não comporta afirmações que não sejam traduzidas em números, mesmo que baseadas nos mais fantásticos efeitos especiais.

(Publicado 19/Set/2007)

Yada, yada, yada

An argument that has been floated recently, to the point of meriting the dubious honor of being officially dismissed in the Copom minutes, is that the increase in foodstuff prices would have an effect on Brazilian consumption similar to the increase in oil prices in US consumption, namely that it would work as a “tax” on consumers, reducing demand, hence inflation. Whereas, as I said, committee members downplayed (correctly) the argument, the minutes did not bother to explain why the argument does not make much sense (and, mind you, I am attempting to be polite here). In light of that, I believe that going into more detail might be helpful.

For a start, I think the argument gets dangerously close to circular self-contradicting reasoning. After all, if the rise in foodstuff prices reduces real income, therefore consumption, and then inflation, what would prevent a rise in all prices (aka “inflation”) from reducing income, hence consumption, and – at the end of line – inflation itself. By the same token, a reduction in inflation would (yada, yada, yada) increase inflation, which should already make anyone a bit suspicious of the idea.

That said, trying to avoid this sort of game, we can have a more serious look at the argument only to make sure that it can be indeed safely dismissed. One way to look at it is to distinguish between supply and demand shocks, since the first implies indeed a reduction of real income, whereas the second does not.

Indeed, consider first the case of a negative terms of trade shock, that is, the increase in the price of imported goods, such as the fuel prices for the American consumer. In such scenario the country as a whole transfers part of its income to the rest of the world, with potentially negative impacts on consumption, whose magnitude should depend on the perception of how long this should shock should last (a permanent shock have larger impact on consumption than a transitory shock).

Consider now a domestic supply shock, say, a sharp decline in domestic food production due to bad weather or a plague, which drives up foodstuff prices. This would reduce non-food producers income (since they now have to spend a higher share of their budget to acquire the same amount of food), and would most likely reduce producers income as well. In this case too, the rise in foodstuff prices would also work as a “tax”, and reduce demand.

That said, the faithful reader might recall a note I published recently (The Untamed Lion, August 30, 2007) in which I examined the nature of the rise in foodstuff prices from the Brazilian perspective to conclude that it was stronger demand (both external and domestic), rather than a shortage in local supply, that was driving up food prices. In this case one cannot talk meaningfully of higher food prices acting as a tax, since the non-producers loss is a producer gain.

In the case of a closed economy, in particular, non-producers loss is precisely equal to producers gain and then one would have to elaborate further the distributive effects to figure out the final impact on consumption, that is, which group (producers or non-producers) spends more in consumption. In the case of a small open economy, however, a positive terms of trade shock increases income, that is, non-producers losses are unequivocally smaller than producers gains. Does this ring any bell?

Summing up, the notion that higher foodstuff prices would reduce domestic demand does not find strong support in economic theory, if the origin of higher prices is demand itself, rather than a supply shock. Moreover, evidence on the performance of demand at the margin also does not lend support to the notion that foodstuff prices would cause demand to decelerate. Yada, yada, yada, the Copom was right in dismissing this argument as truly irrelevant.

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Bebida é água; comida é pasto

Não é segredo que, depois de atingir níveis bastante baixos, a inflação voltou a subir nos últimos meses. Nada que ameace a meta relativa a 2007, diga-se, de modo que muito provavelmente observaremos mais uma vez a inflação dentro do intervalo definido pelo Conselho Monetário Nacional. No entanto, dada a aceleração recente dos preços, já se pergunta se haveria riscos relativos ao cumprimento da meta de 2008. A posição aparentemente majoritária entre os analistas hoje define este risco como baixo, destacando que boa parte do ganho de velocidade da inflação resulta do aumento dos preços de alimentos.

Subjacente a este raciocínio está a idéia que preços de alimentos mais elevados decorrem de “choques de oferta”, isto é, de uma menor produção para dado nível da demanda, que se traduziria assim em preços temporariamente mais altos. Uma vez normalizada a oferta, porém, preços voltariam a seus patamares habituais e a inflação se reduziria.

Tal argumento, como tantos outros, não se preocupou em olhar os dados pelo prisma da teoria econômica. Ainda que tanto os choque de oferta como os de demanda possam causar preços mais altos, a teoria nos ensina que cada tipo de choque deixa uma assinatura característica. No caso de choques de oferta há uma correlação negativa entre preço e quantidade: quando o primeiro sobe, a segunda cai (e vice-versa). Já quando a demanda se encontra da raiz do processo a correlação entre preço e quantidade é positiva: observamos preços mais elevados enquanto a produção se expande, tipicamente com custos crescentes, devidos ao uso mais intenso de recursos menos produtivos.

Nossa experiência recente revela uma expansão simultânea de preços e quantidades no setor de alimentos. Exceção feita a café e arroz, houve expansão significativa da produção, sugerindo que dificilmente a raiz do aumento de preços poderia estar relacionada a problemas de oferta.

Neste momento, espero, alguns dos meus dezessete leitores já devem estar pensando que me esqueci do aumento de preços das commodities agrícolas, principal motivo para a pressão originada de produtos como leite (e seus derivados), carnes, etc. Obviamente não é o caso.

Acontece que o Brasil é, no mais das vezes, um exportador líquido destas commodities, ou seja, os termos de troca (a razão entre preços de exportação e importação) têm se tornado mais favoráveis ao país, caracterizando um aumento na demanda pelos produtos exportados pelo Brasil, que se expressa na expansão concomitante de preços e quantidades. Mesmo quando a origem do aumento de preços no mercado internacional é um choque de oferta global (o caso do leite), do ponto de vista dos produtores brasileiros este fenômeno é percebido como uma elevação da demanda, levando à elevação dos preços domésticos. Não há, pois, como compartilhar a visão mais relaxada acerca da elevação recente da inflação.

À luz disto deveria ficar claro também que políticas para lidar com choques de oferta não devem funcionar para conter a alta dos preços. Assim, uma redução das tarifas de importação de alimentos – muito efetiva quando a oferta doméstica se contrai – não deve reverter a trajetória de elevação destes preços. Vale dizer, a formulação de políticas públicas não pode dar as costas ao que dizem os dados e a teoria econômica, sob pena de erros que nos custarão mais caro num futuro não muito distante.

(Publicado 5/Set/2007)