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quarta-feira, 27 de junho de 2007

A meta e o Coelhinho da Páscoa

O debate sobre a possível (mas não adotada) redução da meta de inflação para 2009, mantida ontem em 4,5%, teve ao menos um mérito: mostrou que ainda há economistas no mundo que acreditam ser possível acelerar o crescimento à custa de inflação mais alta (ou, de forma equivalente, que perseguir inflação mais baixa implica menos crescimento). Tal feito só será superado quando antropólogos localizarem a tribo há muito perdida que ainda idolatra o Coelhinho da Páscoa, mas acho que, por enquanto, uma bizarrice só é suficiente.

Desde o trabalho de Milton Friedman e Edmund Phelps na década de 60 é sabido que uma inflação mais elevada só se transforma em crescimento adicional caso surpreenda os agentes econômicos. Só neste caso o salário real cairia, estimulando a demanda por trabalho e a expansão do emprego e produto. Por outro lado, se a aceleração da inflação já for esperada, os salários nominais se ajustarão a tal expectativa; desta maneira, no momento que a inflação mais alta se materializar não haverá qualquer efeito sobre os salários reais e, portanto, nenhuma expansão do emprego ou do produto.

Como nada é menos surpreendente que a inflação anunciada, a meta de inflação não deveria ter qualquer efeito sobre o nível de produto, seja ela mais alta ou mais baixa, desde que os agentes creiam que a inflação observada oscile, de fato, em torno da meta.

Isto dito, cabe aqui um reparo nos casos em que a credibilidade do BC é imperfeita. Se os agentes acreditarem, por exemplo, que a inflação ficará acima da meta, o BC terá que fazer um esforço adicional para convencê-los do contrário. Neste caso muito provavelmente o produto ficará abaixo do seu potencial por algum tempo, até que as expectativas se ajustem à meta, ou seja, que o BC estabeleça a credibilidade do seu compromisso com a meta de inflação. Assim, mesmo que a inflação não tenha efeitos persistentes sobre o crescimento, é possível que durante o período de desinflação haja algum custo em termos de produto, que desaparece à medida que o controle inflacionário se cristaliza.

No Brasil esta etapa foi finalmente ultrapassada. Depois de uma fase em que as expectativas de inflação superavam a meta, o BC conseguiu trazê-las para patamares próximos a 4%. Tal desenvolvimento implica duas razões para crer que uma redução da meta hoje para este nível não traria sequer os custos de curto prazo acima mencionados.

O primeiro, razoavelmente óbvio, refere-se às expectativas já estarem em 4%, ou seja, não há necessidade de desinflação adicional. Além disto, num nível mais profundo, a reputação do BC mudou: mesmo que as expectativas hoje não estivessem neste nível, o anúncio de uma meta mais baixa cuidaria de alinhá-las. Em ambos os casos o custos associados à redução da inflação, se houvessem, seriam pequenos em troca de uma taxa de inflação mais próxima à de nossos principais parceiros.

Não há, pois, motivos reais para termos perdido mais uma oportunidade no longo processo de convergência da economia brasileira à normalidade. O único – e, infelizmente, aparentemente intransponível – obstáculo é a crença antiquada na oposição entre inflação e crescimento, já demonstrada inexistente, seja na teoria econômica, seja na experiência dos bancos centrais ao redor do mundo. Depois disto, só nos resta saudar o Coelhinho da Páscoa.

(Publicado 27/Jun/2007)

terça-feira, 26 de junho de 2007

A cry for help

Mandei este texto para os clientes. Por sugestão de um amigo publico no blog.

I usually would never write about the same issue twice in the same day, but the developments that took place after the announcement of the 2009 inflation target proved to be far messier than I could anticipate. Indeed, in the interview that followed the announcement Governor Meirelles and Finance Minister Mantega made some statements that created more than their fair share of confusion. I am still somewhat puzzled on this, but I hope that you will forgive me for that.

Indeed, whereas the formal target is 4.5% for 2009 Governor Meirelles stated that "the National Monetary Council (CMN) wants to keep inflation below the center of the target, provided macroeconomic conditions allow it", and that "there is no orientation to make inflation converge to 4.5%". At the same time, Minister Mantega added that the decision to keep the target at 4.5% reflected the intention to "give flexibility" to the Central Bank, since "a 4.5% target allows the Central Bank to accommodate moments of turmoil".

In other words, the 4.5% target is not THE target, but rather something else, since the CMN wants inflation to be lower than 4.5%. At the same time, it can be the target, if macroeconomic conditions changes and the CB has to accommodate shocks (I foolishly believed that the 2 percentage points interval existed precisely for this reason, but possibly have gotten this one wrong during my 2.5 years at the CB).

That said, according to Minister Mantega, it would be a mistake to assume that there are two targets (another one I got wrong), and Governor Meirelles reaffirmed that there are not hidden targets, and that the CMN decision to set the target at 4.5%, but allow the CB to pursue something else (or the something else was 4.5%?) was intended to increase transparency.
Finally, according to the Governor, "the inflation range is between 2.5% to 6.5% and CMN indicates to the CB that market expectations are in line with the Council’s long term objectives (targets?), and we are going to pursue these objectives". Yet, "should macroeconomic conditions change, the CB can change CMN orientation".

Summarizing, the target is 4.5%, but the CB will pursue a lower figure, which would then be the true target, eliminating the first target, since it would be a mistake to think that there are two targets, unless, of course, macroeconomic conditions change and then the target would be 4.5% again, or not, since the target ranges from 2.5% to 6.5%.

I kindly ask the reader that understands what is going on to help me with this one.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

E se?

Na semana passada os mercados financeiros passaram por nova turbulência, agora por conta da elevação dos rendimentos dos títulos norte-americanos, em meio a receios acerca tanto da resistência da inflação nos EUA, quanto de uma possível redução da demanda por ativos daquele país por bancos centrais do resto do mundo. Ainda que seja provavelmente cedo demais para determinar se esta turbulência significa o início do fim de um longo ciclo de expansão econômica e exuberância (irracional?) dos mercados, fica no ar a pergunta a propósito dos possíveis efeitos de uma eventual reversão sobre a economia brasileira.

De fato, não se pode negar que o Brasil se beneficia enormemente do ambiente internacional. Preços de commodities aumentaram quase 80% desde seu pior momento em 2002, favorecendo o crescimento das exportações e o forte ajuste do nosso balanço de pagamentos. Já a ampla liquidez se traduz em queda substancial dos prêmios de risco, também com reflexos positivos sobre o balanço de pagamentos e o custo de capital das empresas brasileiras.

Deste modo, a restrição do balanço de pagamentos, que no passado motivou várias crises, foi relaxada, possibilitando que o país passasse a exibir um crescimento muito menos volátil. Como chamei a atenção recentemente, o Brasil exibe agora 14 trimestres de crescimento industrial consecutivo, a mais longa série dos últimos 16 anos pelo menos. Em resposta a isto o investimento já começou a se acelerar, crescendo 9% em 2006 e com indicações ainda mais fortes para 2007. Estaria também este processo ameaçado por uma eventual mudança internacional?

Para despeito dos profetas do caos, a resposta é negativa, pois a melhora da economia brasileira, mesmo que favorecida pelas condições internacionais, também resultou da política econômica doméstica. É verdade que o ambiente internacional é importante, mas não há como ignorar que os efeitos de choques externos diferem significativamente entre países: sofrem mais aqueles cujas políticas sejam de má qualidade, enquanto outros navegam sem maiores problemas.

A maior qualidade aparece em três dimensões. O Banco Central, ao manter a inflação controlada, possibilitou a ancoragem das expectativas de inflação, o que significa que, relativamente ao passado, uma eventual piora do cenário externo implicaria uma política monetária muito mais suave que em outros tempos, como exemplificado pela continuidade da queda de juros mesmo em períodos de turbulência.

Além disto, a acumulação de reservas mudou drasticamente o perfil da dívida pública. O setor público tornou-se credor em moeda estrangeira, ou seja, no caso de crise uma desvalorização da moeda reduz a dívida pública ao invés de aumentá-la, afastando o risco, antes presente, de elevação insustentável da dívida e o temor de calote. Por fim, sujeita às restrições de sempre sobre a elevação ininterrupta do gasto público e dos impostos, a política fiscal conduziu à queda da relação dívida-PIB, reduzindo adicionalmente o risco de crise.

Assim, ainda que uma reversão do cenário internacional seja evidentemente danosa, há razões de sobra para crer que o país tenha hoje condições muito melhores de agüentar o tranco do que em episódios anteriores. A lição de casa e o seguro das reservas colocam o país em situação bem mais confortável, se o mundo, de fato, mudar para pior.

(Publicado 13/Jun/2007)